A imagem de Tony Parker a cair no solo do AT&T Center e a agarrar-se ao joelho esquerdo, com uma máscara de dor e uma linguagem corporal que denunciava apreensão, fez-me temer o pior. Eu estava a comentar o jogo 2 da série de playoffs entre San Antonio Spurs e Houston Rockets, esta madrugada, para a SportTV e, de imediato, todos nos apercebemos que a lesão do base francês era grave.
Só vamos conhecer a extensão e a gravidade da lesão muito depois de escrever esta crónica, mas acredito que a paragem será longa e poderá, eventualmente, encurtar a carreira do veterano que está a poucos dias de completar 35 anos.
Espero estar enganado.
Enquanto regressava a casa, pensava em Tony Parker e no provável calvário que terá que passar nos próximos tempos: ida 'à faca', fisioterapia, recuperação, regresso aos treinos. O que escrevi nos últimos 59 caracteres pode demorar vários meses. E lembrei-me de outro Parker, Jabari. E de Blake Griffin. E Joel Embiid. E, e, e.
Mas desengane-se quem pensa que esta crónica é sobre lesões. Não é.
Nos últimos anos tenho assistido a um debate, nos Estados Unidos mas também por cá, sobre um fenómeno chamado «band wagon». Esta crónica é sobre «bandwagoners». Mas não só.
"The Decision" (A decisão)
Tudo terá começado a 8 de Julho de 2010. LeBron James anunciava, num programa especial da ESPN, a sua decisão de abandonar os Cleveland Cavaliers, “levar os seus talentos” para South Beach e juntar-se a Dwyane Wade e Chris Bosh nos Miami Heat.
Camisolas com o número 23 dos Cavaliers foram queimadas. Camisolas com o número 6 dos Heat foram compradas. Eram os «bandwagoners», aqueles que mudam de equipa porque um jogador mudou de camisola, aqueles que mudam de equipa porque uma começa a perder e outra começa a ganhar, aqueles que mudam de equipa por dá cá aquela palha.
Os que apontam o dedo são os fiéis, os que escolheram uma equipa e não mudam. Esta crónica também é sobre fiéis. Mas não só.
Não sei quanto a vocês, mas eu já vibrei muito com a NBA. Vibrei com Dominique Wilkins, nos Atlanta Hawks dos anos 80, e os seus duelos nos playoffs com Larry Bird ou nos concursos de afundanços com Michael Jordan. Vibrei com os muitos triplos e com os fundamentos de Larry Bird, com a verdinha camisola dos Boston Celtics. Vibrei com a forma como Jason Kidd levou os New Jersey Nets às Finais. Vibrei com a garra com que Larry Johnson liderou os Charlotte Hornets naquela eliminatória de playoffs com os Celtics, em 93. E vibrei com as centenas de recordações que guardo de Michael Jordan, com a famosa camisola número 23 dos Chicago Bulls.
Não sei quanto a vocês, mas eu vibrei com o título que LeBron James ofereceu aos seus Cleveland Cavaliers. Vibro com cada lançamento em queda para trás do Dirk Nowitzki, da mesma forma que vibrei quando o alemão decidiu o jogo 2 das Finais de 2011 e ofereceu o anel aos Dallas Mavericks. Vibrei quando Dikembe Mutombo e os seus Denver Nuggets eliminaram os favoritos Seattle Supersonics, nos playoffs de 94. Vibrei com a forma como Isiah Thomas e Chauncey Billups, cada um no seu tempo, comandavam os Detroit Pistons. Vibrei com Steph Curry e os Golden State Warriors de 2015, mas também vibrei com o “Run TMC” dos Warriors do passado. E vibrei com o “Dream Shake” de Hakeem Olajuwon e com os treze pontos em 35 segundos do Tracy McGrady, pelos Houston Rockets.
Não sei quanto a vocês, mas eu vibrei com todas as maldades que Reggie Miller e os seus Indiana Pacers faziam aos New York Knicks. Vibro com o “Lob City” dos Los Angeles Clippers, sobretudo com a genialidade de Chris Paul. Vibrei com “Magic” Johnson e vibrei com Kobe Bryant, fosse com a camisola 8 ou com a 24 dos Los Angeles Lakers. Vibrei (e vibro) com as exibições transcendentes de Mike Conley nas improváveis idas dos Memphis Grizzlies aos playoffs. E vibrei com este lançamento de Ray Allen, que deu aos Miami Heat um título que já estava na vitrine de troféus dos San Antonio Spurs.
Não sei quanto a vocês, mas eu vibro só com a ideia do jogador que Giannis Antetokoumpo se está a tornar, nos Milwaukee Bucks. Vibrei com cada partida que Kevin Garnett fez pelos Minnesota Timberwolves. Vibro com o jogo entre postes de Anthony Davis e DeMarcus Cousins, nos New Orleans Pelicans. Vibrei com Pat Ewing, John Starks e companhia, nos New York Knicks dos anos 90, na sua incessante luta para bater os Bulls. Vibro com os triplos-duplos de Russell Westbrook pelos Oklahoma City Thunder, tal como vibrei com os afundanços estrondosos de Shawn Kemp pelos Seattle Supersonics.
Não sei quanto a vocês, mas eu vibrei com a dupla “Penny” Hardaway/Shaquille O’Neal nos Orlando Magic. Vibrei com os «crossovers» do Allen Iverson com a camisola dos Philadelphia 76ers e como o pequeno base nos fazia acreditar que qualquer um podia chegar à NBA. E vibrei muito com a capacidade de passe de Steve Nash, nos Phoenix Suns.
Não sei quanto a vocês, mas eu vibrei com os voos de Clyde Drexler, pelos Portland Trailblazers. Vibrei com os passes loucos de Jason Williams e os clinics de lançamento do Peja Stojakovic, nos Sacramento Kings. Vibrei com cada um dos últimos vinte anos do trio composto por Tony Parker, Manu Ginobili e Tim Duncan, ao serviço dos San Antonio Spurs de Gregg Popovich. Vibrei com o jovem Vince Carter, que ganhou a alcunha de “Air Canada” nos Toronto Raptors. Vibrei com o «pick&roll» de John Stockton e Karl Malone, nos Utah Jazz. E vibro com a velocidade estonteante de John Wall, a melhor coisa que aconteceu aos Washington Wizards nos últimos anos.
Aos olhos dos fiéis a uma qualquer equipa da NBA, serei o mais «bandwagoner» de todos. Chamem-me vendido. O jogo não pertence a uma ou outra equipa. O jogo é dos jogadores. É com eles que vibro. Todos os dias. Seja qual for a equipa a que pertençam.
Quando vi o Tony Parker agarrado ao joelho, esta madrugada, fiquei triste porque o jogo vai ficar privado de um dos seus melhores intérpretes. E, assim, perdemos todos, sejamos «bandwagoners» ou fiéis. Esta crónica é sobre o Parker, dos Spurs. Mas também é sobre o Parker, dos Bucks, e sobre o Griffin e sobre o Embiid. E é - claro! - sobre o LeBron James.
Esta crónica é sobre basquetebol. Mas não só.
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