A decisão de iniciar esta temporada não foi exclusiva da liga e saiu de um acordo entre NBA, equipas e representantes dos jogadores. Aliás, a única negociação foi apenas sobre a data de arranque da época, uma vez que não havia qualquer dúvida que a NBA não podia parar este ano, sob risco de adensar ainda mais os prejuízos financeiros de todos. Vindos de uns «playoffs» claustrofóbicos na bolha de Orlando, os jogadores queiram voltar a casa e voltar a jogar nas cidades das respetivas equipas, até porque uma vacina contra a covid-19 era uma questão de tempo. Meio ano volvido, a época da NBA está a um mês do final da fase regular e do início dos tão desejados «playoffs», mas a viagem até aqui está cheia de montes e vales.
Comecemos pelos vales.
Ouça aqui o episódio desta semana do Bola ao Ar, podcast sobre NBA produzido pela MadreMedia e apresentado por João Dinis e Ricardo Brito Reis:
Quatro jogadores romperam o ligamento cruzado anterior (LCA) de um dos joelhos, esta temporada. Depois de Spencer Dinwiddie (Brooklyn Nets), Markelle Fultz (Orlando Magic) e Thomas Bryant (Washington Wizards), esta semana foi a vez de Jamal Murray, dos Denver Nuggets. E desta vez, a notícia teve um impacto maior. Porque Murray é uma estrela em ascensão na liga, porque os Nuggets já não têm tempo para o substituir até à fase a eliminar da prova e porque a equipa do Colorado apostou tudo em trocas para ter sucesso esta temporada e, agora, parece ter ficado irremediavelmente impossibilitada de lutar pelo título ou sequer por uma presença nas Finais.
Em média, e de acordo como site InStreetClothes.com, há registo de três roturas de LCA por época da NBA, desde 2005/06. A um mês do final da fase regular, em 2020/21, temos quatro. Na reação à notícia da lesão de Jamal Murray, o extremo Josh Hart (New Orleans Pelicans), que também está lesionado embora sem a mesma gravidade, tweetou algo que se tem ouvido, cada vez mais, um pouco por toda a liga: há demasiados jogadores a sofrerem lesões esta época e a NBA não deve repetir esta ideia de condensar a temporada.
Será que os números confirmam o que defende Josh Hart? De acordo com o Elias Sports Bureau, os jogadores que foram ao All-Star deste ano já falharam cerca de 15% dos jogos das suas equipas, o que, a manter-se até ao final da época, representa a segunda maior taxa de ausências dos principais atletas da liga na história da NBA. Apenas em 2014/15 a taxa foi superior (16.8%). As ausências desta época podem, no entanto, subir um pouco mais, seja por lesão ou por opção, até porque 32 jogos (de um total de 27 equipas) inicialmente agendados para a primeira metade da época foram adiados para a atual segunda metade por causa de infeções pelo novo coronavírus. E há muitas equipas em prova com vários blocos de cinco jogos em apenas sete dias, sobrecarregando estrelas e dando mais tempo de jogo a atletas secundários, o que frusta expectativas e compromete o espetáculo.
Para evitar lesões, algumas equipas têm optado por dar descanso aos atletas principais, resguardando-os para os «playoffs». Foi o que aconteceu, por exemplo, esta quarta-feira, quando os Brooklyn Nets visitaram os Philadelphia 76ers, no duelo entre as duas equipas que lideram a conferência Este. Num jogo transmitido a nível nacional, os Nets fizeram descansar Kevin Durant, para além de que James Harden ainda está na fase final de recuperação de uma pequena lesão e também ficou de fora. Dos três nomes principais da formação orientada por Steve Nash, apenas Kyrie Irving foi a jogo.e Irving partilharam o campo em sete jogos, esta época, e apenas durante 186 minutos. Sintomático.
Passemos, agora, aos montes.
Com a redução do calendário da temporada, a NBA reduziu também o número de viagens. De acordo com uma fonte da liga citada pela ESPN, as equipas fizeram menos 15% de voos em comparação com anos anteriores e menos 25% de voos se tivermos em consideração que a própria época regular tem menos dez jogos (72) do que uma época tradicional. É significativo.
Importa referir que, durante a conferência de imprensa de apresentação das festividades All-Star, também estas condensadas num único dia, o comissário da NBA, Adam Silver, manifestou otimismo na possibilidade de a próxima época (2021/22) poder retomar o calendário normal, ou seja, com início em outubro. E com a época atual a terminar até ao final de julho, a seleção norte-americana poderia participar nos Jogos Olímpicos e redimir-se do 7.º lugar alcançado no Mundial da China. A redução da época em número de jogos e na duração total foi um imperativo.
Voltando ao All-Star, o fim de semana das estrelas foi uma pequena amostra do que tem sido esta época. Um bom produto com receios infundados. Houve ausências por lesão, como em todos os anos anteriores. Houve espetáculo e momentos para a história, como em todos os anos anteriores. Medidos os prós e os contras, a aposta foi claramente ganha. Como em todos os anos anteriores.
É fácil aproveitar a boleia das lesões e dizer que esta época não devia ter acontecido. Mas ainda bem que aconteceu. Por todos nós, adeptos espalhados pelo mundo, mas também pelos jogadores, pelos treinadores, pelos árbitros e oficiais, pelos jornalistas, pelos funcionários de pavilhões e dos hotéis onde as equipas ficam alojadas, por todos os agentes envolvidos no jogo, dentro e fora de campo.
Cada equipa tem jogado, em média, 3.6 jogos por semana, ligeiramente acima dos 3.42 da época passada. Fazendo as contas ao mês, a diferença entre um ano e outro resume-se a 48 minutos extra. Em concreto, é um jogo adicional por mês, em comparação com 2019/20. Meramente residual.
Mesmo várias das lesões registadas até agora foram provocadas por situações normais de jogo, como as dos «rookies» LaMelo Ball e James Wiseman, que as sofreram em quedas que podiam acontecer em qualquer jogo de qualquer época. O próprio LeBron James lesionou-se numa situação em que se atirou para o chão para lutar por uma bola perdida e, nessa disputa com adversários, Solomon Hill caiu-lhe em cima da perna. E a recente lesão grave de Jamal Murray aconteceu no primeiro jogo do canadiano após oito dias de paragem, para debelar outra lesão menor. Ou seja, apesar dos Nuggets estarem a cumprir o quinto jogo em sete dias, o corpo do extremo estava fresco. Até Josh Hart, que tweetou a sua insatisfação com o cenário atual, lesionou-se numa tentativa de afundanço que correu menos bem.
As lesões são uma infelicidade e ninguém as deseja, mas fazem parte do jogo, acontecerão sempre e não há provas evidentes de que as que tiveram lugar este ano estejam diretamente ligadas ao calendário mais condensado da temporada. A alternativa seria cerca de um ano e meio sem NBA e isso colocaria em risco de colapso a estrutura financeira da liga.
Notícia de última hora: as equipas com ambições de marcar presença nos playoffs vão continuar a fazer descansar os maiores nomes durante o mês derradeiro da fase regular.
(Não confundir com as equipas do fundo da classificação que fazem descansar os melhores jogadores, com o intuito de fazer «tanking». Só isso daria um artigo, mas não é pelas equipas que querem ser irrelevantes que estamos aqui hoje.)
A NBA fez os possíveis para reduzir ao máximo o impacto físico de uma época atípica e as equipas têm sido ainda mais cautelosas. Este deve ser o ano em que fechamos os olhos, respiramos fundo e mostramos maior tolerância para com a gestão com pinças das estrelas do jogo. Com os playoffs a começar daqui a um mês, queremos desfrutar dos artistas principais e este — o excesso de zelo, entenda-se! — é só um (ligeiro) preço a pagar.
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