Normalmente, o mercado de transferências de inverno daria algum alento aos adeptos que, ao longo dos últimos quatro, cinco meses, têm andado menos felizes – isto é, os adeptos cujas expectativas iniciais foram goradas por maus arranques, resultados menos conseguidos, objetivos falhados e todas essas expressões mais ou menos futeboleiras que, grosso modo, significam: deu raia. São sentimentos que atravessam não só os adeptos de clubes grandes que não chegam ao Natal em primeiro lugar, como também aqueles de clubes mais pequenos que, mais perto do fim da tabela do que desejariam, começam a ver a vida a andar para trás. Apesar de todo o romantismo que (ainda, e ainda bem!) grassa pelo futebol, a verdade é uma: ninguém se orgulha nas derrotas.
Escreve-se “normalmente” porque, à semelhança do ano anterior, este não foi um mercado de inverno típico. A culpa, claro está, foi de uma pandemia que ainda não nos permite regressar à vida que tínhamos. Há uma nova variante, batizada com outra letra do alfabeto grego, a arrastar-se pelo mundo e a arrastar ainda mais o estado de coisas, sem se aperceber que na cabeça da maior parte da população o pensamento é o de já chega – uma espécie de Queen da virologia, portanto. A incerteza por ela potenciada chega inevitavelmente ao mundo dos negócios, do qual o futebol também faz (infelizmente) parte.
Pelo que este mercado de inverno só seria interessante para aqueles que, por obra e graça de um qualquer mecenas, árabe ou não, tivessem a capacidade de investir em bóias de salvação para naufrágios distintos – nalguns casos, a falta de títulos ou, na menor das hipóteses, o apuramento para a sempre apetecível Liga dos Campeões, noutros, uma hipotética queda feia numa divisão inferior. E, depois, haveria aqueles que, num golpe de sorte equivalente a receber o terceiro prémio do Euromilhões, conseguissem garantir reforços altamente necessários através de empréstimos ou a custo zero. Como por exemplo o Moreirense ou o Arouca, que normalmente não entrariam sequer nestas contas, não fosse o facto de terem conseguido contratar antigos internacionais pelos seus respetivos países (Kevin Mirallas, Wellington Nem), sem gastar sequer um décimo do seu orçamento.
Allah save the queen
A referência a mecenas árabes não foi inocente. A época 2021/22 da Premier League fica desde logo marcada pela compra do Newcastle United pelo Public Investment Fund, o fundo soberano da Arábia Saudita, que detém agora 80% do clube. A fação mais proletária do futebol viu nesta situação, como já havia visto noutras, mais um prego no caixão do desporto-rei, mas os adeptos do clube rejubilaram com a possibilidade de o ver a competir taco a taco com colossos como o Manchester City ou o Chelsea. Só que uma coisa chata, denominada realidade, está a levar a melhor: o Newcastle venceu apenas duas partidas para a liga desde a oficialização da compra do clube, a 7 de outubro, e continua em 18º lugar, muito perto de descer de divisão. Não havia por isso outra escolha que não a de atacar o mercado na procura da salvação, com o ponta-de-lança Chris Wood a ser adquirido ao também quase secundário Burnley (por 30 milhões de euros), o lateral-direito Kieran Trippier a ser repescado ao Atlético de Madrid (por 15 milhões), e o promissor médio brasileiro Bruno Guimarães a ser contratado ao Olympique de Lyon (num negócio que pode chegar aos 50 milhões).
Poucos ventos têm soprado na direção do cada vez menos colosso Manchester United, que ainda não se conseguiu refazer da reforma de Sir Alex Ferguson. Um dos grandes heróis de 1999, Ole Gunnar Solskjær, abandonou o seu cargo enquanto treinador dos Red Devils, cedendo-o ao provisório Ralf Rangnick, que depois desta época agirá como consultor do clube. Nem o alemão tem conseguido, para já, fazer carburar uma máquina que conta com Bruno Fernandes e Cristiano Ronaldo, e viu-se forçado a lidar com uma situação terrível: a (alegada) recusa de Anthony Martial em jogar pelo clube. O francês, que pedia mais minutos em campo para se afirmar condignamente, acabou emprestado ao Sevilha neste mercado de inverno.
No cimo, nada de novo. Depois de um arranque menos conseguido, o City tem já nove pontos de avanço sobre o Liverpool (que tem menos um jogo), e Guardiola tem tudo para juntar mais um campeonato inglês ao seu já vasto currículo – sem sequer precisar de um jogador como Ferran Torres, vendido ao Barcelona por 55 milhões de euros. Para a próxima época fica prometida a entrada de Julián Álvarez, que se tem destacado no River Plate, e que por lá ficará até ao verão. Por falar em Liverpool: Luis Díaz, que os Portistas escreviam Luís Deus, foi formalizado pela equipa de Jürgen Klopp (já lá iremos), superando a concorrência do Tottenham. O clube de Londres bem que precisava de ânimo, numa época em que já substituiu Nuno Espírito Santo por Antonio Conte, foi derrotado na Liga Conferência pelo Paços de Ferreira (um daqueles resultados que ficam na memória não só dos adeptos do Paços como de qualquer romântico), e está agora em 7º lugar no campeonato, com os mesmos pontos do rival Arsenal – que andou este inverno a limpar a casa, cedendo por empréstimo Maitland-Niles à AS Roma e Pablo Marí à Udinese e deixando sair Sead Kolasinac para o Marselha. O Tottenham, ainda assim, garantiu dois reforços de peso a poucas horas do fecho de mercado: Rodrigo Bentancur e Dejan Kulusevski, que abandonaram assim a Juventus. E falta falar do campeão europeu em título, o Chelsea, que fez regressar Kenedy do Flamengo após um empréstimo.
E dos azuis de Liverpool, o Everton, que confirmaram a contratação de Dele Alli (que abandonou o Tottenham) e de Vitaliy Mykolenko (que foi comprado ao Dínamo de Kiev), além do empréstimo de Donny van de Beek (que poucos minutos acumulava no Manchester United), num mercado que fica... marcado pelos protestos públicos dos adeptos contra a possibilidade de Vítor Pereira vir a ser o treinador da equipa. Para o lugar deixado vago por Rafa Benítez foi Frank Lampard. Nota ainda para a segunda vida de Christian Eriksen, que depois do susto no Europeu 2020 encontrou nova casa no modesto Brentford.
Austeridade alemã e gastos à italiana
Os clubes alemães, sempre mais contidos nestas questões de compras – e por contidos, leia-se frugais – não fizeram mossa neste mercado. O Bayern de Munique, que é líder do campeonato e conquistará um inevitável décimo título consecutivo (a não ser que aconteça um milagre, ou uma tragédia, dependendo da pessoa a quem se pergunta), viu apenas sair o médio francês Michaël Cuisance, que jogou o astronómico (sarcasmo) número de 11 partidas em três épocas pela equipa principal dos bávaros. O seu destino foi o Veneza, a troco de 4 milhões de euros. O seu maior rival, o Borussia de Dortmund, limitou-se a emprestar Ansgar Knauff ao Eintracht de Frankfurt. Estando a seis pontos do líder e tendo sido eliminado da fase de grupos da Liga dos Campeões por um espectacular Sporting, seria de esperar que tentasse salvar a face...
O RB Leipzig também teve um inverno ameno, destacando-se sobretudo nas saídas, por venda ou empréstimo, de jovens jogadores – sendo que, recordemos, este é um clube que aposta sobretudo nos jovens, e é por isso que Rúben Amorim encaixaria lá como uma luva, mas isso são outros quinhentos. Quinhentos? Ah, 500 mil euros, o valor que o Sporting vai receber do Estugarda pelo empréstimo de Tiago Tomás, que por ali ficará durante época e meia – ou mais, se o Estugarda accionar a opção de compra. O ponta-de-lança português foi a única contratação da equipa alemã neste inverno, e bem que ela precisa dos seus golos: está em penúltimo lugar da Bundesliga.
Em Itália, a conversa tem girado apenas em torno de um só homem, José Mourinho. A época do treinador português na AS Roma não tem sido fácil: prometeu muito, passou pelo descalabro de perder 6-1 com o Bodø/Glimt, da Noruega (na Liga Conferência), e recuperou alguma confiança no último par de jogos, ocupando agora o sexto lugar da Serie A. Para isso contribuiu Sérgio Oliveira, emprestado pelo FC Porto depois de ter perdido a titularidade absoluta nos comandados de Sérgio Conceição: o médio pode vir a custar 13 milhões de euros, caso a Roma avance para a sua contratação em definitivo. A sua principal rival, a Lazio – que até será adversária do FC Porto na Liga Europa – está dois pontos abaixo, e também veio reforçar-se a Portugal: Jovane Cabral, do Sporting, fará parte do plantel até final da época, existindo uma opção de compra no valor de 8 milhões de euros.
A Juventus, que depois de ter ganho nove títulos consecutivos e de ter lutado pela criação da Superliga, iniciou uma travessia no deserto que os adeptos esperam curta e atacou o mercado em força: 70 milhões de euros pelo avançado Dušan Vlahović, que poderão vir a ser mais caso este cumpra alguns objetivos traçados. Uma transferência que para já tem mais polémicas que golos: a claque da Fiorentina, onde atuava, arrasou o jogador («outro homem sem coragem, sem honra e sem respeito foi para um clube sem identidade», podia ler-se em comunicado), e a Autoridade de Saúde de Florença acusou-o de não ter cumprido os prazos de isolamento impostos por causa da covid-19, depois de Vlahović ter testado positivo e mesmo assim ter viajado para Turim para ser apresentado. Para além do sérvio, a vecchia signora contratou também Denis Zakaria ao Borussia de Mönchengladbach por 8,5 milhões de euros, emprestando Aaron Ramsey (que nunca se afirmou na equipa) ao Glasgow Rangers no último dia de mercado — além de vender os dois jogadores acima mencionados ao Tottenham.
O Inter de Milão, que lidera com quatro pontos de avanço, mexeu pouco neste mercado (foi buscar o ex-Sporting Felipe Caicedo ao Génova, e Robin Gosens, à Atalanta, por empréstimo), bem como o Nápoles, que o persegue. Estes últimos foram buscar Axel Tuanzebe ao Manchester United, por empréstimo. O AC Milan, a tentar recuperar a identidade que teve outrora (isto é, a de um clube vencedor), contratou o jovem Marko Lazetić ao Estrela Vermelha de Belgrado por 4 milhões de euros, na expectativa de que Zlatan lhe ensine umas coisas. Na última metade da tabela, destaque para a Salernitana, que gastou mais de 7 milhões de euros em transferências neste inverno: Éderson, Mikael e Federico Fazio foram alguns dos nomes que entraram na equipa, para a ajudar a escapar ao último lugar da liga. Nota também para o Veneza, que será a nova casa de Nani, depois de uma aventura pelos Estados Unidos.
Bons ventos e alguns casamentos
Em França, a má prestação do campeão Lille fez soar alarmes, mas é nas saídas que mais lucrou: Jonathan Ikoné passou para a Fiorentina a troco de 14 milhões de euros, e Thiago Maia vestirá as cores do Flamengo, que gastou 4 milhões. Entradas de respeito, só a de Edon Zhegrova, comprado ao Basileia por 7 milhões. O PSG, a caminho de voltar a ser dono e senhor de França, não fez tremer o mercado como o havia feito no verão, quando conseguiu contratar Messi sem gastar um único tostão qatari. E não importa sequer que o astro argentino tenha feito, até agora (também por culpa de lesões e da covid-19), apenas 12 jogos pelos parisienses, marcando um só golo: já vendeu milhares de camisolas, e para certos clubes só isso parece importar. Longe da década de glória que lhe deu sete campeonatos consecutivos, o Lyon conseguiu resgatar Tanguy Ndombélé, que havia vendido ao Tottenham, por empréstimo: a compra definitiva do médio poderá custar 65 milhões de euros.
O Marselha, a 13 pontos da liderança mas num confortável terceiro lugar, fez uma das maiores compras do mercado em França, indo buscar o central Samuel Gigot ao Spartak de Moscovo por 11 milhões de euros. Muito menos custou Patrick Berg, médio que estava a dar cartas no mesmo Bodø/Glimt que humilhou Mourinho, ao Lens: 4,5 milhões. O Nice, que ocupa um surpreendente segundo lugar, também se procurou reforçar bem para atacar a segunda metade da época, com destaque para a contratação de Billal Brahimi ao Angers a troco de 7 milhões. O histórico Saint-Étienne, que chegou a uma final da Taça dos Campeões em 1976, viu jogar Platini e deu nome a uma banda fabulosa, está a ter uma época para esquecer: não só ocupa o último lugar da Ligue 1 (a 4 pontos do lugar que dá acesso ao play-off de despromoção) como ainda foi eliminado da Taça de França pelo modesto Bergerac, da quarta divisão francesa. Uma das suas contratações de inverno foi Mangala, defesa que os adeptos do FC Porto lembram com alguma saudade. Mais perto do fecho, conseguiu ainda o empréstimo de Sacko, emprestado pelo Vitória SC. Serão eles a inverter o rumo das coisas?
Florentino Pérez bem quer a Superliga para que o seu Real Madrid tenha mais poder de compra para novos “galácticos”, mas essa novela está por agora no limbo, juntamente com uma outra: a vinda, ou não, de Mbappé. Ainda não foi desta, e o Real terá de se contentar em continuar a ser líder da La Liga, com 4 pontos de avanço, sem entradas ou saídas do plantel. O Barcelona, agora órfão de Messi, procurará reerguer-se com Ferran Torres e também com Adama Traoré, emprestado pelo “português” Wolverhampton, mas a crise financeira que atravessa impedirá quaisquer loucuras. O outro grande rival do Real, o Atlético, viu sair Tripper e preencheu um lugar vazio com Daniel Wass, do Valência, recrutando também Reinildo ao Lille. Vencedor da Liga Europa em 2021, o Villarreal garantiu este mercado um nome de peso: Giovani Lo Celso, cedido por empréstimo pelo Tottenham, que também deixou sair Bryan Gil para o Valência até ao final da época.
O Sevilha, a fazer uma boa época, apanhou Corona. Não o vírus, mas o extremo mexicano, que foi rei no FC Porto até que decidiu que não estava para se chatear mais (é ver as suas exibições nesta primeira metade da época). 3 milhões de euros por um jogador que não há muito era o melhor da liga portuguesa parece uma pechincha, mas não nos esqueçamos que o seu contrato acaba no verão – e 3 milhões é maior que zero. Martial, já se escreveu, foi a grande contratação da equipa treinada por Julen Lopetegui, que ainda sonha apanhar o Real Madrid no primeiro lugar. A Real Sociedad, que começou bem mas tem perdido força, quer recuperá-la com a ajuda de Rafinha, emprestado pelo PSG. O Levante, que está em último e a 9 pontos da linha de água, foi buscar um histórico ao Cagliari: o uruguaio Martín Cáceres.
Uma luta a três (ou a dois?)
Era a notícia que nenhum Portista queria ler ou ouvir: Luís Diaz saiu, depois de uma meia época fabulosa em que alimentou o sonho azul e branco de acrescentar mais um campeonato, mais uma Taça de Portugal e, porque não dizê-lo, mais uma Liga Europa ao seu museu. Os valores envolvidos parecem irrisórios, tendo em conta de que se fala de um dos melhores jogadores da atualidade: 45 milhões de euros, que podem chegar aos 60 milhões. Abaixo, portanto, da cláusula de rescisão do jogador, que era de 80 milhões. Pinto da Costa afirmou há muito pouco tempo que o colombiano não sairia por menos do que esse valor, mas as finanças do clube assim o ditaram. O presidente do FC Porto terá agora de lidar com as críticas dos adeptos (quer queira, quer não), e com as do próprio treinador, que depois de vencer o Marítimo afirmou, em tom de desabafo exasperado: «Nas grandes empresas, nos grandes clubes, o planeamento é feito em função dos objetivos. Quando não há esse planeamento, temos de refazer esses objetivos». Certo: o clube lidera o campeonato com um avanço de seis pontos. Mas este é um clube, e um treinador, obrigado a ganhar tudo – e ganhar tudo fica difícil se no banco não existirem soluções. Eustáquio e Rúben Semedo e os regressos de Fernando Andrade e Galeno foram as possíveis. Chegará?
O Sporting conquistou, este fim de semana, o primeiro título desta época (a Supertaça, que também conquistou, é referente à época anterior), e logo frente ao seu maior rival. Na Liga, no entanto, as coisas começaram a complicar-se para o campeão em título com uma derrota nos Açores frente ao Santa Clara, e outra em casa frente ao outro Sporting, o de Braga. Nada que deva assustar Rúben Amorim e os próprios Sportinguistas, que continuam a ter equipa – e estilo de jogo – suficientes para ganhar em qualquer campo. As críticas maiores que (principalmente) os adeptos vêm fazendo à equipa prendem-se com a falta de golos e, nesse sentido, o clube de Alvalade conseguiu ir buscar não apenas um ponta-de-lança mas todo um tratado nostálgico: Islam Slimani, que tantas saudades deixou em 2016, e que regressa a Lisboa após rescindir com o Lyon. Não foi o único: Marcus Edwards, que protagonizou uma mini-novela entre Sporting e Vitória SC, também se mudará para Lisboa, num negócio que envolverá 7,5 milhões de euros e também Bruno Gaspar e Geny Catamo, que seguirão para Guimarães.
O Benfica é, pelo segundo ano consecutivo, a maior desilusão entre os chamados “três grandes”. A época, que começou em grande, entrou em descalabro total após a vitória expressiva sobre o Barcelona para a Liga dos Campeões: derrotas com Portimonense e Sporting (para a Liga), com o FC Porto (para a Taça e para a Liga) e nova derrota frente ao Sporting (para a Taça da Liga), com algumas derrotas mais ou menos aceitáveis (frente ao Bayern, apesar dos números) e empates que não o são de todo (frente a Moreirense e Estoril). Pelo meio, Luís Filipe Vieira teve de dar lugar a Rui Costa, o plantel revoltou-se com Jorge Jesus, e Rui Costa teve de dar lugar às críticas dos Benfiquistas. O mercado de inverno, para os lados da Luz, não mexeu (salvo algumas saídas por empréstimo, como a de Ferro para o Hajduk Split), e o clube parece estar já a pensar na próxima temporada. Uma temporada que poderá ser também ela difícil, caso o clube não consiga o apuramento direto para a Liga dos Campeões. Há futuro para este Benfica?
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