O presidente da Federação, João Jardim Aranha, defende ainda que os surfistas nacionais devem “procurar ser os melhores do mundo e não do bairro” e, devem, por isso, seguir o exemplo de Tiago Pires.
Reeleito para um novo mandato de quatro anos, em ano de ciclo olímpico, fala sobre as indefinições na escolha para uma medalha para Tóquio 2020.
Diz que o surf vale ouro. Mas alerta que se pode “matar os ovos da galinha”. Há uma escola de surf em cada esquina e por isso quer certificá-las, enquanto não se legisla sobre a matéria. Fá-lo para fazer uma escolha natural, mesmo sabendo que o turista não se preocupa muito com selos.
Afirmou recentemente que Frederico Morais pode ser campeão do mundo. Mantém essa opinião?
Tem potencial para isso. Neste momento não se prevê a entrada tão cedo de outro, talvez o Vasco Ribeiro. Mas não está mais ninguém na corrida. O “Kikas” desde miúdo foi o mais focado de todos e tem a capacidade de lá chegar. Teve e tem uma base familiar por detrás, o pai e o tio estão ou estiveram ligados ao desporto de alta competição (râguebi)...
...Uma ajuda familiar que, por si só, pode fazer a diferença?
Tem um historial desportivo familiar por detrás e à partida parece que sim, faz a diferença.
O que é necessário para o “Kikas” chegar ao topo. Tem o foco, tem o talento, o apoio da família. O que falta?
O nível está altíssimo. Mas atenção que nem só de talento se chega lá. Há casos de quem trabalha muito, como é o caso do Adriano Souza (surfista brasileiro, campeão do Circuito Mundial, em 2015).
O que pode esperar o “Kikas”, que se vai estrear em março deste ano no World Surf League, diferente daquilo que o Tiago Pires (que saiu) enfrentou.
O “Saca” esteve sete anos no top do surf mundial. Desbravou o caminho. Recordo a vitória em 2008 num heat com o Kelly Slatter, em Bali, na Indonésia (WSL), e o segundo lugar em Sunset Beach (2000, eliminado por Sunny Garcia no então Rip Curl World Cup). Mal ou bem, é muito difícil aguentar a pressão sozinho. O mundo evolui um bocado. Enquanto o Tiago construiu tudo de raiz, o Frederico já vai para o circuito com amigos que treinam com ele e com técnico, Richard “Dog” Marsh.
Temos agora o Kikas. Há mais talento em Portugal? As nossas seleções mais jovens têm ganho títulos no ISA World Surfing Games e recentemente o Eurosurfing 2016, em Marrocos, onde a seleção se sagrou campeã europeia.
O Kikas serviu de inspiração à seleção que esteve em Marrocos, no Europeu de juniores. A nossa seleção é muitíssimo boa. Temos talentos incríveis como é o Afonso Antunes (filho de João Antunes) ou o Guilherme Ribeiro. A Mafalda Lopes e a Francisca. A geração dos sub13, o crescimento está aí. A geração seguinte à do Vasco e do Kikas, sub16 e sub18, não são tão brilhantes, mas são bons... A Teresa Bonvalot, campeã europeia júnior da World Surf League, vai passar rapidamente para o World Tour (WT).
Para se ganhar lá fora algo mudou a nível interno.
Tudo tem sido muito apoiado no crescimento dos circuitos base da Federação e na descentralização dos circuitos. Hoje em dia um pai não tem de andar a palmilhar o país todo. Escolhe o circuito regional onde quer que o filho entre a competir e, se for bom, qualifica-se entre os primeiros e passa para a finalíssima nacional no seu escalão dos sub 12 aos sub 18. E com isso surgem talentos.
Portanto, longe vão os tempos onde os campeonatos nacionais não tinham a participação dos que competiam lá fora?
Sim. Já mudou com a Liga Moche. Objetivamente deves procurar ser o melhor surfista do mundo e não o melhor surfista do bairro. A Federação sofre um pouco sim, mas a tendência tem que ser essa, eles devem ser campeões da Europa e do mundo. O foco deve ser como o “Saca” fez. Na minha opinião é fazer os de base em Portugal e depois desenvolver o seu surf no exterior que é aí que ele vai aprender, perder e surfar com os maiores.
O Circuito Nacional é hoje em dia atrativo?
Temos atletas de topo europeu a quererem fazer este circuito. As razões são simples: é o melhor circuito europeu, um dos melhores circuitos nacionais do mundo e tem uma boa premiação. Isso são atrativos para quererem vir aqui competir.
Nestes resultados alcançados ao nível dos mais novos, e não só, não é alheio às condições naturais da costa portuguesa (Portugal Continental e ilhas) e à existência de Centros de Alto Rendimento que se espalham pelo país.
Temos quatro centros: Aveiro, Nazaré, Peniche e Viana do Castelo. Até temos a mais, na minha opinião. O foco, para uma federação pequena, é partilhá-lo com outras federações e tentar motivá-las para virem para cá estagiar. Já tenho acordos com Bélgica e Áustria, que pretendem estagiar nos centros de alto rendimento. Isso faz com se rentabilizem.
Mas a Federação usa-os, certo, e tira partido dos mesmos?
Usa-se discriminadamente, consoante as necessidades e o tipo de onda. Se for treinar para o SUP (campeonato na Dinamarca) privilegio Viana do Castelo, com zonas de rio e águas paradas e frias. Se quero qualidade mundial vou a Peniche que tenho uma variedade de ondas.
Portugal, de Peniche às Ilhas, tem sido palco de inúmeras provas de surf de nível mundial. Está já tudo explorado?
Nos Açores tivemos no campeonato mundial de juniores. Foram 39 seleções e 400 atletas no primeiro campeonato do mundo pré-olímpico. Infelizmente a nossa seleção não foi famosa. A Madeira tem ondas mais difíceis. Nos Açores, temos água quente e não há muita gente. Há 10 anos que faço lá campeonatos e verifico alguma evolução de gente, mas não é assim tanto como se previa, e é um paraíso por explorar. Há ondas em todo o lado.
Temos inúmeras provas internacionais. Tivemos as ondas gigantes na Nazaré. Temos Peniche, todos os anos. Em qualquer dia e onda funciona. Temos a Ericeira: Ribeira de Ilhas é igual a Bell’s Beach, tem infraestruturas. A Caparica. O Amado... não tem a variável de Peniche, mas... é a World Surf League que decide. E recordo que a WSL quer volume de negócios. É uma empresa, não há outra forma de o dizer, não é uma federação.
O surf será em Tóquio (2020) modalidade olímpica. A cada ciclo olímpico falamos em possíveis medalhas. O surf pode entrar nessa lista?
A ISA (International Surfing Association) é uma federação como a nossa sem fins lucrativos e cujo fim é desenvolver o desporto. Lutou para que a modalidade, juntamente com o skate, entrasse como disciplina olímpica.
Fomos duas vezes vice-campeões do mundo na Nicarágua, no ano passado, e este ano, na Costa Rica, ganhamos o europeu de surf júnior, em Marrocos. Temos tido resultados. Adivinhando as classificações, que ainda não sabemos como será, provavelmente se fosse hoje estaríamos dentro. E candidatos a uma medalha.
Mas ainda nada está definido.
Neste momento nem o Comité Olímpico Internacional sabe. A própria Federação mundial não tem uma resposta para nos dar sobre o número de países, atletas, condições de acesso. O ano olímpico foi este e não é o próximo ano que, diga-se, não vai ser nada fácil. Se perdermos os campeonatos todos, descemos lugares no ranking.
Logo há riscos e podemos ficar de fora?
Não se produz uma equipa olímpica em dois anos. Temos que a ter, mas não vai ser nada fácil. Temos que andar à procura de jovens talentos olímpicos. Recordo que muitas vezes a junção de talentos individuais não dá uma equipa. No caso português, na Costa Rica, foi uma equipa que tivemos. Trabalhamos juntos.
Cumpriu quatro anos à frente da FPS e foi este mês reeleito para mais um mandato. É uma presença assídua sempre ao lado dos surfistas, nas competições.
Acompanho sempre. Até agora não falhei uma única deslocação. Vou como chefe de equipa e coordenador logístico e não tanto como chefe de equipa. Fundamental para a equipa não estar só como presidente. Estou como surfista como sempre fui sempre serei. Sou parte deles. Sou uma espécie de presidente adepto. Estou com os miúdos na água e sou eu que muitas vezes os tiro da água. Faço as fotografias. Coordeno com o fisioterapeuta as marcações dos hotéis. Se há um dia de lay day tenho que arranjar formas de se entreterem e fazer atividades fora do campeonato. Os jantares, os voos, passa tudo por mim. Estar ao lado deles tem mais a ver comigo. Se não estiver, não estou a exercer a minha função.
Têm ideia de quantos quilómetros fazem por ano em Portugal? E em viagens de avião?
Faço 140 mil quilómetros/ano. De avião, com a nossa patrocinadora (KLM e Air France), fizemos 30 mil milhas neste último ano. Mas há outras viagens noutras companhias aéreas.
Nota-se que é um presidente sempre presente. O que é que tem feito e quer fazer doravante para além desse acompanhamento?
Tenho também uma função política. Estamos a ganhar mais presença junto das instituições, fizemos um esforço de comunicação e de boa pressão, apresentamos aos grupos parlamentares os nossos projetos, estamos a tentar apresentar o projeto de certificação das nossas escolas de surf que é fundamental.
Tocou num ponto. Em cada praia, de ano para ano, vemos crescer o número de escolas de surf. Há algum controle? Passará por essa certificação?
Temos 200 escolas registadas, legais, mas são 500. O governo não tem meios. É a policia marítima e cada um tem a sua forma de agir e não tem meios para controlar tudo. O projeto da certificação das escolas, o tal carimbo, ajudará a separar umas de outras. Iremos mais longe para além dos critérios e das cédulas dos treinadores. Analisaremos o estado dos fatos, das pranchas, os papéis em ordem, as bandeiras que são obrigatórias, os monitores.
Se há escolas a mais, mas não há forma de controlar. A certificação servirá então para quê?
A certificação é como uma seleção natural. Obviamente não resolve o problema do turismo que quer lá saber do selo ou de uma certificação. As escolas de surf estão a crescer sem ordem. E não há controlo. Há um desordenamento da construção de escolas. Em Peniche temos escolas russas e austríacas. Cascais fechou as licenças, senão tinham uma escola por metro quadrado. Leixões fez o mesmo. Aveiro reordenou. Lagos tem problema de ter muitos estrangeiros a dar aulas. E enquanto não houver uma lei clara as coisas não avançam. Depende das duas tutelas – Turismo e Desporto – e as escolas estão mais no turismo. É complicado.
Ou seja, podemos estar a “matar” o Turismo, a tal “galinha dos ovos de ouro”?
Um estudo antigo diz que o surf em Portugal vale 400 milhões de euros por ano Acho que vale 600 milhões. Hoje há mais escolas, mais hostels. Agora, há que ter qualidade se não qualquer dia estrangula-se a “galinha dos ovos de ouro”. O surf também o é. O golfe e surf trazem muitas pessoas a Portugal. Não se pode desperdiçar.
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