Uns irão dizer que foi sorte, vão falar daquele golo meio trapalhão com o joelho de Cristiano Ronaldo no Santiago Bernabéu, naquele jogo da primeira mão entre Real Madrid e Paris Saint-Germain em que o marcador ficou 3-1. Ou do golo de Casemiro, que tabelou num defesa do PSG antes de a bola, que parecia ter vida própria, ter fintado Aréola e ultrapassar a linha de golo. Outros dirão que se Verratti tivesse conseguido manter-se mais calmo, e não tivesse sido expulso, pouco tempo depois do PSG ter chegado ao empate no jogo de terça-feira, os parisienses ainda podiam ter discutido a eliminatória até ao último minuto. Certamente que muitos dirão que se Neymar estivesse recuperado e alinhado as coisas teriam sido diferentes. Outros, ainda, dirão que a direção nunca deveria ter trocado Laurent Blanc por Unai Emery. Outros vão dizer que se parte do investimento tivesse sido canalizado para a defesa e para entre os postes ao invés do ataque que a equipa se podia ter batido melhor frente ao bicampeão europeu.

E talvez tudo isto seja verdade, talvez tudo não tenha passado de uma infeliz coincidência de azares e infortúnios, desde o sorteio até à lesão de Neymar. Podemos dizer com algum grau de certeza que, provavelmente, se o PSG tivesse enfrentado o Basileia, o FC Porto ou o Sevilha (possíveis adversários na altura em que as bolas foram sorteadas) que agora os franceses estariam qualificados para os quartos de final.

Talvez o azar tenha batido à porta, mas este era o momento em que os parisienses não iam dar desculpas, que iriam mostrar os argumentos que têm vindo a construir desde 2012/13, época em que se deu início a uma revolução no Parque dos Príncipes com a chegada de craques como Thiago Silva, David Beckham, Lavezzi e Zlatan Ibrahimovic e de jovens promessas como Gregory van der Wiel e Marco Verratti.

De então para cá que o investimento mais que duplicou. Um plantel de 337,85 milhões de euros deu lugar a um balneário de 756,5 milhões de euros. Um clube que na primeira década deste milénio tinha estado afastado dos holofotes europeus faz alinhar nomes como Neymar Jr., Ángel Di Maria, Julian Draxler, Dani Alves ou Edinson Cavani.

créditos: ROBERT PERRY/EPA

O domínio em França tornou-se claro. Nem mesmo o aliciante projeto do Mónaco, que antes de se virar para a contratação de jovem promessas investiu numa política de contratação de valores seguros, lhes fez frente. Venceram quatro Campeonatos consecutivos, duas Taças de França, três Supertaças e três Taças da Liga sob a alçada dos ‘arquitetos’ Carlo Ancelotti e (sobretudo) Laurent Blanc. Mas Nasser Al-Khelaïfi, o homem que com os seus milhões cataris mudou o paradigma do clube parisiense, queria mais. Queria a Liga dos Campeões. Ancelotti e Blanc tinha produzido durante quatro épocas o mesmo resultado: os quartos de final da prova milionária. Então, Al-Khelaïfi levou a antiga lenda dos relvados franceses até à porta de saída e contratou Unai Emery ao Sevilha, à época três vezes consecutivas vencedor da Liga Europa.

Este era o primeiro passo. E foi um passo em falso. Unai perdeu o campeonato para o Mónaco na sua época de estreia e sofreu uma humilhante remontada nos oitavos de final da ‘Champions’, depois de ter derrotado o poderoso Barcelona no Parque dos Príncipes por 4-0, e ter assistido à sua equipa ser goleada por 6-1 em Camp Nou e afastada da liga milionária.

Mas Al-Khelaïfi acreditava que tinha o homem certo para o lugar certo e para esta época presenteou-o com as duas maiores transferências da história do futebol: Neymar e Mbappé.

Neymar, que queria sair da sombra de Messi e colocar fim a uma década de Bola de Ouro entre o argentino e o português Cristiano Ronaldo, chocou tudo e todos com uma transferência surpreendente. Quis ser Maradona, que em 1984/85 surpreendeu o mundo do futebol ao assinar pelo Nápoles. O argentino, para muitos considerado o melhor de todos os tempos, foi líder e protagonista de uma equipa que conquistou os únicos dois campeonatos da sua história, uma Taça UEFA e que guiou a seleção à conquista do Mundial. Mas ninguém é "Maradona".

Talvez o brasileiro pensou que fosse capaz, e ninguém coloca a sua qualidade em causa, mas o futebol de hoje é diferente do da década de 80. O jogo deixou de se fazer pelas individualidades para passar a premiar o coletivo. A não ser que se seja Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi, pois claro.

Olhando para os números, em comparação com os dois vencedores de cinco Bolas de Ouro cada, o brasileiro perde. Ronaldo, num Real Madrid a viver uma época atípica, afastado de todas as competições internas, soma 31 golos e 6 assistências. Mais, Cristiano Ronaldo assumiu-se como preponderante na Liga dos Campeões, a única competição em que os merengues podem ter ambições de conquistar o troféu ao marcar 12 golos e somar 2 assistências - são já 117 golos, em 148 jogos, no histórico da competição. Se pensarmos que o português o fez em apenas 8 jogos, os números do extremo na La Liga parecem "curtos", com 16 golos e 4 assistências distribuídos por 21 jogos.

créditos: AFP PHOTO / GABRIEL BOUYS.

Lionel Messi está a fazer uma temporada… à Messi. O argentino lidera com Harry Kane, Edison Cavani (companheiro de equipa de Neymar) e Mohamed Salah a corrida à Bota de Ouro, e tem sido fulcral no sucesso do Barcelona, quer em Espanha, quer na Liga dos Campeões, somando um total de 32 golos e 16 assistências.

Os números de Neymar diluem-se no meio dos seus companheiros de ataque e estão longe de ser tão decisivos como os dos craques do Real Madrid e Barcelona. E isso reflete-se nos resultados da equipa, não internamente, sobretudo porque a qualidade dos jogadores do Paris Saint-Germain é muito superior à das outras equipas francesas e não encontra adversário à altura - nem mesmo o Mónaco, campeão em título, que se viu despido no mercado de transferências de algumas das peças chave do triunfo da última época  -, mas sim na ‘Champions’, onde o brasileiro não foi tão determinante quanto se esperava, sobretudo no Santiago Bernabéu.

Até ao momento os 220 milhões de euros investidos no craque brasileiro traduzem-se em 29 golos e 19 assistências, um contributo valioso no domínio absoluto da equipa da capital francesa nas competições internas. Mas se o colocarmos ao lado dos seus principais parceiros de ataque as coisas mudam. Sobretudo ao lado de Edison Cavani, o ponta de lança uruguaio, que por estes tempos é um forte candidato à Bota de Ouro, um troféu pelo qual o brasileiro ainda não se conseguiu intrometer na luta.

Com 3.170 minutos de disputados, Cavani fez 33 golos esta época, somando ainda mais 8 assistências. Mais distante, encontramos o nome do jovem Mbappé que soma 16 golos e 14 assistências distribuídos por 2.662 minutos de jogo. Também os números de Dí Maria não são de ignorar. O argentino contabiliza em 2.251 minutos 17 golos e 15 assistências.

É uma frente de ataque de luxo, é certo. Os números de Neymar saltam à vista, é certo. E a sua influência na equipa é notória: o brasileiro participou em 30 jogos (2.697 minutos) dos quais o PSG venceu 26, empatou um e perdeu três. Sem o brasileiro os rouge-et-bleu disputaram 13 jogos. Desses o PSG venceu 10, empatou 1 e perdeu 2.

O dinheiro não compra tudo

No final do jogo diante do Real Madrid no Parque dos Princípes, que colocou um ponto final aos dois anos de invencibilidade caseira do PSG, Unai Emery, assumindo que a equipa falhou o principal objetivo da época, mas que não era nenhuma deceção “cair perante o Real Madrid”.

Disse-o derrotado, como quem aceita uma inevitabilidade. E uma vez mais o PSG falha em discutir o troféu mais importante de clubes na Europa.

O técnico não está isento de culpas, tendo sido incapaz de gerir os vários egos do seu balneário e que nesta época resultaram em várias notícias de desentendimentos entre jogadores do plantel, tendo o caso Cavani-Neymar sido o mais mediático aquando do tema do batedor oficial de grandes penalidades.

créditos: PIERRE-PHILIPPE MARCOU / AFP

Mas a culpa não pode morrer solteira com Unai Emery, sobretudo quando se olha para a política de contratações. O investimento feito em avançados é totalmente desproporcional face a posições mais recuadas, o que se reflete na qualidade dos jogadores e no número de opções disponíveis. De acordo com o Transfermarket, o setor mais avançado do PSG vale 440 milhões de euros, enquanto o setor mais recuado, defesa e guarda-redes, não chega aos 150 milhões de euros.

A pergunta impõe-se: se até agora o dinheiro não foi solução, quando será? Em que momento é que os jogadores vão estar alinhados com o projeto de tal maneira que não pareça natural a eliminação prematura na Liga dos Campeões? Quando vão sentir o peso da camisola do PSG como sentem a de um grande europeu?

As dúvidas não se levantam apenas em rumores. Julian Draxler, no final do encontro com os merengues, afirmou que "gastámos 400 milhões de euros e dissemos que era para mudar, mas no final não passámos nem desta ronda (...) O Real Madrid jogou tranquilamente e não estava nervoso. Nós passamos a bola, mas não podes ganhar apenas com isso. Era preciso pressionar o Real Madrid quando estás a perder por 1-3. Não chegam apenas fazer passes e esperar que o golo caia do céu. Merecemos ser eliminados", disse o médio alemão.

Praticamente certo é que o tempo de Unai à frente do PSG parece ter os dias contados e que na próxima época recomeça o ciclo das esperanças, talvez com um novo treinador, talvez sem Neymar. Tudo numa grande incógnita e numa fatura cada vez maior.