“Podemos sonhar, porque não poderemos sonhar em vencer o Mundial?”, questionu Walid Regragui, selecionador de Marrocos depois de despachar Portugal, nos quartos-de-final do Mundial Qatar 2022.
A viver um conto de fadas – Marrocos é a primeira seleção africana a atingir as meias-finais num campeonato do mundo de futebol – Regragui inspirou-se no mundo hollywoodesco. “Quando assistimos ao Rocky, queremos apoiar o Rocky Balboa por causa de todo o seu trabalho árduo e compromisso e penso que somos o Rocky Balboa deste Mundial”, disse, citado pela Agence France-Presse.
A três meses do início do primeiro mundial em solo árabe, o ex-internacional por Marrocos, Walid Regragui, 47 anos – nascido em França, antigo jogador do Toulouse e do Racing, a Liga dos Campeões africana (Wydad Casablanca) inscrita no curriculum da curta carreira de treinador - assumiu o comando da seleção, substituindo Vahid Halilhodžić, no cargo desde 2019 e despedido após diferendos com a cúpula da Federação marroquina.
Um dos primeiros atos de gestão passou por repescar para a seleção Hakim Ziyech, jogador do Chelsea, preterido pelo seu antecessor.
O outro, foi olhar para o mapa da Europa e para os bilhetes de identidade de muitos marroquinos nascidos no Velho Continente e colocá-los na caderneta do Mundial.
Para a luta no primeiro campeonato do mundo realizado num país árabe e islâmico, a nação magrebina recrutou várias estrelas que pincelam a sua arte nas principais ligas europeias. Entre eles o guarda-redes Yassine Bounou e Youssef En-Nesyri (Sevilha) Achraf Hakimi (Paris Saint-Germain) Noussair Mazraoui (Bayern Munique) Sofyan Amrabat (Fiorentina), Amine Harit (Marselha), além do repescado Ziyech (Chelsea).
Pescar na Europa os filhos da imigração. Marrocos imita a antiga “colónia”
Marrocos recuperou jogadores com dupla-nacionalidade, nascidos fora do solo magrebino, e fê-los “regressar a casa” para vestirem a camisola da pátria das suas ancestrais famílias. Tudo em nome de uma herança e cultura marroquina e árabe.
De acordo com o Quartz, Marrocos “é a única equipa no torneio com mais de metade dos 26 convocados nascidos noutros países”. 14, para sermos mais exatos.
A aliança entre jus soli e jus sanguinis repete a “tática” do Mundial da Rússia, em 2018. Na altura, o Migration Policy Institute dava nota que 17 dos 23 jogadores marroquinos nasceram fora do país que representam, a maior parte na Europa. Nesse Mundial, oito nasceram em França, cinco na Holanda, dois em Espanha e um na Bélgica e outro no Canadá. Uma verdadeira Torre de Babel na qual cabia a língua árabe, holandês, francês e espanhol.
Em 2004, uma mudança nas regras da FIFA abriu a porta a “arrependidos” e facilitou a vida a jogadores elegíveis. Podem, desde então, mudar de seleção mesmo que tenham representado uma outra nos escalões jovens. Foi o caso de Ziyech. Vestiu a camisola dos Países-Baixos nas seleções jovens antes de se juntar ao sonho marroquino. O mesmo aconteceu com Zakaria Aboukhal.
Esta escolha, mais não é do que uma inversão de uma prática levada a cabo por seleções europeias, cujo exemplo francês é a melhor ilustração, de recrutamento de jovens talentos nas ex-colónias. Uma tática cujo resultado foi visível pois elevou a seleção francesa a campeã do mundo, em 1998 e 2018.
Marrocos e França estão ligados por relações político-diplomáticas. A nação do norte de África foi protetorado francês entre 1912 e 1952. Entre um passado colonial e um presente migratório, o território gaulês serviu, ao longo dos anos, de nova pátria para centenas de milhares de emigrantes marroquinos. Estima-se que hoje são mais de um milhão e meio.
Esta relação franco-marroquina ajuda a maquilhar a seleção de Marrocos. Para além do treinador Walid Regragui, filho de emigrantes marroquinos, nascido em França, Sofiane Boufal e Romain Saiss, são “franceses” de origem marroquina.
Mas a herança espalha-se por outros países e este desejo de assumir-se como Leão do Atlas está igualmente presente em quatro jogadores nascidos na Bélgica, outros quatro nascidos nos Países-Baixos e dois em Espanha, entre eles, a estrela Achraf Hakimi, o Panenka do século XXI ( autor da grande penalidade que eliminou a seleção orientada por Luís Enrique) e o colega de Kylian Mbappe, no PSG.
Hoje, se saberá qual dos amigos ficará a rir, sendo certo que, pelo que até aqui fez, Hakimi, e Marrocos, já entraram na galeria da história do futebol mundial.
Integrado no grupo F, Marrocos (22.ª do ranking FIFA) venceu a Bélgica (2.ª do ranking) e o Canadá na segunda aparição num campeonato do mundo e empatou com a Croácia (vice-campeã mundial em título).
No mata-mata, o califado derrubou Espanha nas grandes penalidades e, de seguida, Portugal (1-0), repetindo a vitória (3-1) de 1986, no Mundial do México, campeonato em que atirou a equipa das Quinas para fora da competição na fase de grupos.
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