O presidente da Autoridade Antidopagem de Portugal, Manuel Brito, confirmou a existência de cinco processos de passaporte biológico em fase de instrução, além de dois "resultados adversos positivos" no ciclismo nacional, explicando que no caso dos primeiros a lei portuguesa não permite a suspensão provisória.
“Há cinco processos de passaportes biológicos e dois processos de resultados adversos positivos. Neste momento, é a ADoP [Autoridade Antidopagem de Portugal] que está a fazer a instrução do processo e seguirá para o Colégio Disciplinar Antidopagem”, indicou à agência Lusa.
O que é o passaporte biológico?
"O Passaporte Biológico consiste numa estratégia inovadora no âmbito da luta contra a dopagem no desporto, que visa dissuadir os praticantes desportivos da utilização de substâncias e métodos dopantes. O Passaporte Biológico visava inicialmente combater as estratégias de dopagem para o incremento do transporte de oxigénio, mas recentemente foi implementado um novo módulo esteróidal, destinado a combater a utilização de esteroides anabolisantes. Futuramente, será implementado um terceiro módulo do Passaporte Biológico, o módulo endocrinológico, que permitirá detetar práticas de dopagem com recurso a fatores de crescimento, como por exemplo a hormona de crescimento e os fatores de crescimento insulina tipo-1", pode ler-se no site da ADoP.
O passaporte biológico foi criado pela Agência Mundial Antidopagem (AMA), tendo como base um projeto-piloto desenvolvido pela Union Cycliste Internationale (UCI).
Questionado sobre o facto de, ao contrário do que acontece com processos conduzidos pela União Ciclista Internacional (UCI) – em que os ciclistas com anomalias no passaporte biológico são suspensos preventivamente -, em Portugal estes poderem continuar a correr e até a desempenhar papéis de destaque nas mais importantes provas do calendário nacional, Manuel Brito evocou a lei portuguesa.
“A lei não permite, só no fim […] da análise e da decisão do Colégio Disciplinar Antidopagem é que eles podem ser suspensos. No caso, se fosse uma análise normal laboratorial, poderia ser suspenso depois de ser ouvido. Mas as garantias de defesa estão muito consagradas na lei. E, portanto, aqui não pode haver suspensão preventiva como a outra, digamos, nos casos mais usuais de processos de antidopagem. Aqui é mesmo só no final”, justificou.
O processo, admite, é moroso em casos de anomalias no passaporte biológico, um ‘mecanismo’ que se baseia na monitorização de determinados parâmetros biológicos [através de amostras de sangue e de urina], que, de uma forma indireta, podem revelar os efeitos da utilização de substâncias ou métodos proibidos, em oposição às estratégias tradicionais de deteção direta de substâncias ou métodos proibidos em amostras de sangue e de urina.
“Quando há um caso de passaporte biológico, há um relatório de três peritos internacionais, cientistas de renome, um deles português, um caso muito honroso para Portugal, que é o professor Paulo Paixão. São três cientistas respeitadíssimos. O relatório é em inglês e, pela lei portuguesa, pelo código administrativo, tem de ser traduzido, demora a ser traduzido, com custos. Depois, o arguido tem direito à defesa, explicar o que é que se passou. Esse relatório tem de ser traduzido, tem de ser enviado para os peritos. Os peritos dão uma outra resposta, em inglês, que tem de ser traduzida. Estes processos na UCI é tudo em inglês, não há traduções para ninguém. E, portanto, são muito mais rápidos do que em Portugal, em que temos de cumprir todas as exigências da lei”, elucidou.
Apesar de ser “difícil” e sair “caro”, Manuel Brito congratula-se por os ciclistas terem garantias de defesa nos processos do passaporte biológico.
“Estamos num país de direito democrático e, portanto, as garantias de defesa estão absolutamente consagradas na lei e elas são exercidas. Isso, para mim, tranquiliza-me. É lento? É lento. Mas não passamos por cima dos direitos individuais”, notou.
As declarações do presidente da ADoP enquadram-se no balanço dos quase dois anos de implementação daquele que foi descrito como um protocolo “pioneiro no ciclismo mundial”, estabelecido entre a instância antidopagem e a Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), que estendeu o passaporte biológico — só obrigatório para formações dos dois primeiros escalões mundiais da modalidade – à totalidade dos corredores das equipas continentais portuguesas, incluídas na terceira divisão.
Para Manuel Brito, a maior prova de que este protocolo está a funcionar é que “a Volta a Portugal só se define na última etapa”.
“A tal incerteza do resultado, que é um dos princípios do desporto, a equidade, está a ser bem clara na Volta a Portugal. Tive a oportunidade até de conversar sobre isto, várias vezes, com o presidente da FPC [Delmino Pereira], com o diretor da prova [Joaquim Gomes] também, [e] eles concordam. Portanto, há uma volta na Volta a Portugal. Eu creio que se deve ao passaporte biológico”, defendeu.
Depois de, na temporada anterior, o número de controlos para o passaporte biológico, fora e em competição, ter sido “muito elevado”, este ano “foi um pouco mais reduzido justamente por causa dos Jogos Olímpicos e dos Jogos Paralímpicos”.
“Mas também fizemos à mesma cerca de 200 controlos para o passaporte biológico, portanto o ciclismo, digamos, não ficou ‘desguarnecido'”, finalizou.
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