“Embora tenha sempre reservado esse espaço do Instagram para a minha vida profissional, este momento é especial: sim, eu gosto de meninas”, escreveu Isabela Sousa a 30 de junho, mesmo a terminar o mês do orgulho LGBTI, e onde admite que passou “por altos e baixos”.
Isabela Sousa é uma atleta de bodyboard brasileira a viver em Portugal há quatro anos, no Estoril Praia desde 2018, tendo sido bicampeã da modalidade em 2012 e tetracampeã em 2016.
Desde que está com o Estoril Praia já alcançou o top 3 do circuito mundial e sagrou-se campeã do circuito europeu em 2018, sendo bicampeã no ano seguinte.
Em entrevista à agência Lusa, Isabela Sousa explicou que nunca escondeu das pessoas mais próximas, família e amigos, “este assunto muito pessoal, muito íntimo” que, por essa mesma razão, entendia que não tinha lugar na sua página profissional na rede social.
Na vida pessoal “toda a gente sabia”, mas enquanto atleta foi vivendo “situações de preconceito”, fosse por parte de outros atletas ou por parte de marcas e patrocínios, o que a levou a amadurecer a ideia no decorrer do mês do orgulho LGBTI, em junho, de fazer o ‘coming out’ na sua rede social.
“Não diz respeito a ninguém o que eu faço, mas o facto de eu ter passado por algumas coisas achei importante assumir-me, mas mais para normalizar isso porque apesar de não dizer respeito a ninguém, ainda é preciso”, contou.
Para Isabela Sousa, a sua homossexualidade “é um facto” da sua vida, mas que não define a sua vida, e espera que a sua atitude possa “ajudar algumas pessoas que estão a passar pelo processo”.
As reações foram mais positivas do que negativas: “Teve gente que me começou a seguir justamente nesse dia e teve gente que deixou de me seguir”.
Para a presidente da Amplos — Associação de Pais e Mães pela Liberdade de Orientação Sexual já não deveria ser necessário fazer um anúncio público e isso já não deveria ter o impacto que tem.
“O ideal era não ser preciso. A pessoa é e só interessa a ela própria e às pessoas a quem ela quererá dizer, mas, como nós ainda não atingimos esse estado, é importante [anunciar publicamente]”, defendeu Manuela Ferreira.
Na opinião da responsável, é importante desde logo para a própria porque o facto de dizer abertamente aquilo que é e não ter vergonha de o fazer “acaba por tirar um peso de cima dela”, e depois porque traz visibilidade e “dará confiança aos jovens que ainda estarão dentro do armário deles”.
“O trazer a visibilidade por parte de uma figura pública é sempre importante porque é mais uma pessoa que diz sem ter vergonha daquilo que é, é mais um ponto que se acrescenta, é mais uma naturalização destas questões em particular”, defendeu.
Para Manuela Ferreira, a atleta “teve muita coragem” e isso merece uma só reação: “Os meus parabéns”.
Também a presidente da ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo) concorda que a atitude da Isabela Sousa foi muito importante.
“Só temos a agradecer à Isabela Sousa por este ato de coragem que pode ser tão significativo e impactar tantos e tantas jovens no mundo do desporto que neste momento ainda se sentem sozinhos, ainda se sentem isolados e incapazes de experienciar as suas vidas na plenitude das suas identidades”, disse Ana Aresta.
A responsável apontou que no mundo desportivo há muito pouca visibilidade de atletas LGBTI, “há muito medo” em exporem-se, e o insulto homofóbico continua a ser usado para “denegrir a performance dos atletas e das atletas sejam essas pessoas LGBTI ou não”.
Quando assumiu a sua homossexualidade no Instagram, Isabela reparou que grande parte dos comentários positivos que recebeu eram da parte de homens, que agradeceram tendo em conta que estarão a passar pelo mesmo.
“Acho que no surf em geral a maior parte dos praticantes são homens e é uma comunidade muito machista e, para um homem se dizer gay, é uma quebra muito grande do ‘status quo’. Não há ninguém assumido, que eu saiba, de homens, que estejam ali nos melhores”, apontou a atleta.
Para a presidente da ILGA, a “saída do armário” é uma decisão individual, mas fundamental para que mais jovens se sintam à vontade para fazer o mesmo, mas a responsabilidade não pode ficar apenas em cima dos atletas, defendendo um papel mais interventivo por parte das estruturas desportivas.
Da parte da Federação Portuguesa de Surf não foi possível obter qualquer posição sobre este assunto, mas o clube que representa Isabela Sousa fez saber que foi para que acontecessem tomadas de posição como a dela que o Estoril Praia lançou a campanha “Um Clube para Todos”, em 2019.
“Precisamente para os atletas se sentirem seguros, confortáveis e apoiados numa altura em que decidirem assumir aquilo que são, independentemente do que são, da sua raça, credo, orientação sexual ou forma de ver o mundo”, explicou Filipe Mendonça, membro da direção do Grupo Desportivo Estoril Praia.
Fundadora da Amplos e atual presidente da Rede Europeia de Associações de pais de pessoas LGBTI+ (ENP), Margarida Faria aponta que Portugal “está mais ou menos a meio da escala” entre os países europeus e tem das melhores leis, “o que não significa que a sociedade seja muito aberta, porque não é”.
Lembrou que a discriminação leva ao isolamento e defendeu um papel mais ativo das federações desportivas, bem como mais tomadas de posição e intransigência com a homofobia.
Para Isabela Sousa este foi apenas mais um passo no seu ‘coming out’ que começou ainda na adolescência e que levou a reações negativas por parte de alguns membros da família mais religiosos e conservadores.
A reação levou a um corte com alguns desses familiares e hoje admite que isso teve até impacto na sua performance como atleta e ajudou a “uma evolução grande”.
“Fiquei mais livre”.
Comentários