A noite ia longa. O movimento nas chegadas do Aeroporto Humberto Delgado contrariava os tempos ainda pandémicos que se vivem. Alguns olhares, de forma desorganizada e nervosa, passam pelo ecrã de informação da chegada dos aviões com origem nos mais variados pontos do globo. Um vai e vem entre aquele tabela horária e a primeira fila do corrimão da espera.
Um pisca-pisca anuncia de forma intermitente “delayed” e “atrasado”. O voo proveniente de Frankfurt, Alemanha, previsto para as 21h50 ganhou nova hora. 22h10. Aterrou cinco minutos depois numa das pistas de Lisboa.
É esse o avião que inclinou uma multidão para o lado das Chegadas do aeroporto de Lisboa.
Os muitos turistas e algumas pranchas de surf que iam aterrando surpreendiam-se com um comité de boas-vindas, comité esse engrossado à medida da rotação dos ponteiros dos minutos.
Espantam-se com os cachecóis encarnados com a inscrição do clube Sport Lisboa e Benfica e outro da Casa do Benfica TAP (braço apoiante do clube da Luz dentro da Transportadora Aérea Portuguesa) e bandeiras de Portugal esticadas em pares.
Um grupo identificado por uma camisola branca e a palavra “Vila de Palmela” denuncia a localidade onde pertencem. São da Câmara Municipal e levam consigo igualmente uma bandeira da Vila conhecida pelo vinho e o Castelo. “O Pichardo vive no Pinhal Novo, Palmela e treina no Vale da Rosa, em Setúbal”, informa Abílio Costa, vice-presidente da Vila de Palmela.
À medida que os minutos que parecem uma hora avançam, uma cada vez maior multidão se afunila num dos lados da saída dos viajantes. A concentração antecipa a chegada de alguém VIP.
Contabilizadas, pelo menos, cinco câmaras de televisão errantes e várias máquinas fotográficas. Muitos jornalistas rodopiam sobre a necessidade do “Direto”, dando o microfone e palco a quem contribui em número para a azáfama fora de horas.
“O que se passa?”, ouve-se na boca de quem aterrou. “Estão à espera de quem?”, continuam a fazer-se ouvir.
Só pessoal autorizado (staff only)
Indiferente às questões em língua inglesa e francesa, uma senhora centra as atenções. Tem uma coroa de flores na mão. A espaços, é abordada por gente. Felicitam-na.
Um turista chegou sem máscara. De imediato a Polícia de Segurança Pública (PSP) foi reencaminha-o “dali para fora”, para lá de um painel gigante com uma cara, meio corpo e uma medalha de ouro, um espaço que mais se saberá servir de flash interview e momento fotográfico para a eternidade.
Um, dois, três, quatro, oito polícias desdobram-se em tarefas. Uns asseguram que ninguém passe a linha da tabuleta: “Só pessoal autorizado (staff only)”. Outros, mais acima na rampa que dá origem à bifurcação de saída depois do controlo de bens a declarar (ou entrada em Lisboa), garantem que ninguém a desce por um dos lados. O direito de quem sai. O esquerdo de quem espera. Por aquele caminho livre descerá quem é esperado.
O espanto continua a transbordar na face de quem por ali passa. “Quem está a chegar?”, pergunta um turista. Mais um minuto, a mesma questão. Quem chega com “ar de férias” pergunta. “Quem está a chegar?”. À terceira ouve-se. “É o Messi”. Não. É o Pichardo. Pedro Pablo Pichardo, medalha de ouros nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.
Às 23h06 é dado um sinal. A comitiva da missão olímpica portuguesa, personalizada pelo ciclismo de Pista, desliza rampa abaixo entre gritos de “Portugal” e aplausos.
À primeira nesga de imagem do luso-cubano, uma imensidão de jornalista quebra barreiras, sobe com as câmaras e vai esperá-lo uns metros mais acima.
O atleta do triplo salto caminha pausadamente. Acena. Abana a cabeça e coloca o indicador no ar quando escuta o nome da Pátria que escolheu representar. Agradece em vénia aos gritos “Pedroooo... Pedrooooo”.
Pichardo parou junto da senhora das flores. É a mãe. Seguem-se cumprimentos.
O palco é de Pedro, a mãe segue atrás dele, assim como faz o pai e o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo, Jorge Vieira.
Há dezenas de telemóveis no ar, bem acima das máquinas fotográficas. A estrela está entre os fãs. Pedro Pichardo entra para a zona onde só ele pode estar. Do lado das fitas ficou a comunicação social e quem quer ver o novo herói português de perto.
“Não vou para por aqui”
Escuta-se (23h11) a “Portuguesa”, tocada pela Banda Filarmónica da PSP, faz-se silêncio, interrompido com as palmas do atleta de Portugal e do Benfica.
Desta vez não cantou. Recordou saber a letra “há muito tempo”, embora se desculpe com o sotaque cubano, garantiu que "A Portuguesa" "faz parte" dele e reiterou o que já fora dito na hora de descer do mais alto lugar do pódio. O ouro olímpico foi “a única maneira de agradecer o apoio” dos portugueses e do país e promete “não ficar por aqui”, avançou entre o mascar da pastilha.
"Vou continuar a trabalhar para conquistar mais medalhas, sejam olímpicas, mundiais ou europeias. Espero bem voltar a ser recebido desta forma daqui três anos".
Voltou a agarrar na bandeira das Quinas. Aplausos. Mais aplausos. Fim de perguntas. Recebe uma camisola oferecida pelo COP. Início da sessão fotográfica. Sozinho, a morder a medalha, de bandeira hasteada, com o pai e a mãe, Jorge Vieira, Ana Oliveira, diretora do Benfica Olímpico e muitos outros. Um desfile ao qual não faltou a fotografia da comitiva de Palmela e de Setúbal.
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