Rachael Gunn, de 36 anos, conhecida como "Raygun", tornou-se viral nas redes sociais com a sua prestação nos Jogos Olímpicos de Paris na modalidade de breaking, um estilo de dança de rua. De acordo com o The Guardian, a exibição da australiana tem sido alvo de múltiplas piadas, o que prejudicou não só a atleta como as suas colegas.
“Isto realmente afetou-nos. Temos as B-girls a chorar por isto”, disse Leah Clark, que é B-girl - termo usado para descrever mulheres que praticam o desporto - há 24 anos e lidera um espaço de dança em Brisbane, na Austrália.
“Como é que vou trabalhar agora e tentar obter patrocínios e dinheiro para um desporto que acabou de ser ridicularizado? E como é que vamos representar o nosso país noutros eventos, a nível mundial, quando a Austrália foi ridicularizada?", questionou, referindo que o sucedido "está realmente a afetar-nos numa escala muito maior do que apenas memes”.
Depois da prova dos Jogos Olímpicos, Clark e outras B-girls australianas, que não participaram na competição, foram gozadas, ao ponto de terem de tornar as suas redes sociais privadas para evitar as mensagens de ódio.
Alguns membros da comunidade de dança de rua australiana descreveram Gunn como um membro respeitado, mas confessaram que a sua prestação nas Olimpíadas não representava o padrão de dança break da Austrália. “Lamentamos pela Rachael e esperamos que ela esteja bem, mas, ao mesmo tempo, estamos desiludidos”, disse Clark.
As B-girls contaram que Gunn conquistou o seu lugar olímpico de forma justa e honesta, mas acrescentaram que o processo de qualificação falhou e que alguns fatores técnicos impediram os melhores talentos do país de irem a Paris.
O evento de qualificação da Oceania, em Sydney, em 2023 "foi uma reviravolta muito rápida", com pouco tempo entre o anúncio e o evento em si. As participantes tiveram de se registar em três órgãos diferentes para competir e tinham de ter um passaporte válido, o que, segundo Clark, muitas B-girls não tinham. Tudo isso resultou numa qualificação com pouca participação: “Não havia nem B-girls suficientes para [preencher] o top 16”, esclareceu.
Koh Yamada, um outro nome respeitado na comunidade de breaking e de outros estilos de dança na Austrália, acrescentou que a cidadania foi outra questão que impediu alguns atletas de competirem nas eliminatórias olímpicas. Apesar de ter vencido muitas competições nacionais de dança de rua nos últimos anos, Yamada foi uma das atletas que não competiu nos Jogos porque não tinha cidadania australiana, apenas residência permanente.
“Eu também sei que há muitas B-girls na Austrália que não [competiram] por razões semelhantes”, referiu.
Embora a dança de rua na Austrália seja comum, esta continua a ser dominada por homens, com muito menos B-girls do que em outros países. Clark disse mesmo que há apenas cerca de 30 a 50 B-girls competitivas em todo o país.
A repercussão da prestação de Gunn em Paris
Desde os Jogos Olímpicos que “tem sido muito difícil e avassalador para muitas das B-girls porque nunca tivemos este tipo de exposição antes”, disse a australiana Tsang.
Ao contrário de Clark, a atleta tem uma visão mais esperançosa sobre o que esta atenção pode significar para o futuro da modalidade: “Isto uniu-nos muito e espero que também nos forneça um palco para elevar as B-girls e impulsionar um pouco mais a cultura".
Ainda assim, demonstrou-se frustrada pelo momento viral de Gunn desviar a atenção de histórias mais positivas do desporto: “Ninguém está realmente a prestar atenção às medalhistas que venceram na categoria B-girls. Acho que foi incrível ver também a refugiada afegã [Manizha “b-Girl” Talash] a participar na categoria B-girls. Não ouço ninguém a falar sobre isso e acho que as pessoas nem sabem que isso aconteceu", disse.
Para Clark também é triste que o forte desempenho do competidor olímpico australiano de B-boy, Jeff “J-Attack” Dunne, de 16 anos, tenha sido ofuscado. “O Jeff tem 16 anos e estava a competir contra homens na faixa dos 30 anos com décadas de experiência a mais que ele. Ele classificou-se e esteve muito forte”, disse.
As reações
Apesar de as reações negativas serem, quase sempre, as que mais marcam, também houve espaço para reações positivas e algumas palavras de apoio. O primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, elogiou Raygun e congratulou-a pelo feito de participar na competição.
A atleta recebeu zero pontos na sua prestação, mas o júri principal da competição, Martin Gilian, salientou, mais tarde, que tal era indicativo de um sistema competitivo: “O breaking tem tudo a ver com originalidade e trazer algo novo para o palco”.
Agora, as colegas esperam que Gunn se recomponha e que o mundo tenha outras oportunidades para ver o seu talento no breakdance. “Nós obviamente importamo-nos com ela e esperamos que ela esteja bem. Ninguém merece o que está a acontecer com ela - é prejudicial e perigoso”, referiu Clark, apelando ainda: “Precisamos de apoio e que as pessoas venham ver os nossos eventos e vejam como é realmente o breaking e como a nossa comunidade é incrível”.
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