Depois de uma temporada de estreia infeliz, o futuro não se mostrava auspicioso para Haris Seferovic na Luz à entrada da época 2018/19. Com concorrência apertada e fraco currículo, poucos diriam que o suíço viria a tornar-se no maior goleador desta Liga NOS pelo Benfica. Mas para finalmente ficar com os ponteiros apontados à baliza, este relógio apenas precisava de um mestre relojoeiro que o calibrasse.
Que levante o braço quem previa que Haris Seferovic se viesse a tornar no maior marcador da Liga NOS nesta temporada. Pois, deixem-se ficar com as mãos nos bolsos. Escolher o suíço no início desta época seria uma aposta de risco, daquelas sujeitas a deixar alguém milionário.
Depois de uma fraca época em 2017/2018 - que até começou promissora com golos nas três primeiras jornadas mas cujo rumo em queda livre levou o suíço a equacionar fazer as malas - Haris Seferovic chegava ao verão de 2018 numa situação perclitante.
Apesar de deixar de lutar com Jimenez (saído para o Wolves) pela titularidade, o número 14 só pôde registar com temor (acreditamos) as chegadas sonantes de Nicolás Castillo e Facundo Ferreyra à Luz, ambos avançados com um registo bem mais goleador do que aquele que Seferovic vinha apresentando ao longo da sua carreira. A juntar-se à presença de um velho general de campo - fisicamente inconstante mas decisivo quando joga - como Jonas, ficava no ar a questão: será que valia a pena o Benfica continuar a contar com os préstimos do suíço?
Rui Vitória decidiu que sim e Seferovic foi mantido no plantel. Ao avançado bastou-lhe continuar a trabalhar e manter a fé que melhores dias viriam, já que o destino tratou do resto. É que tanto Castillo como Ferreyra se mostraram totais flops (também, diga-se, fruto de uma gestão algo bizarra de Vitória), ao passo que Seferovic mostrou consistência, ainda que nunca se aproximando duma verdadeira veia goleadora.
No entanto, algo teria de mudar para que Seferovic finalmente viesse a ter uma relação duradora com as balizas adversárias. Que era esforçado ninguém duvidava - sendo muçulmano, até o Ramadão interromperia para ajudar a equipa - e a qualidade técnica estava lá, pelo que o potencial para fazer estragos precisava apenas de ser finalmente desencadeado. Exemplos dessa capacidade o suíço deu três frente à Bélgica, num jogo da Liga das Nações em que fez o chamado hattrick perfeito - um golo com cada pé e de cabeça. Não sendo um goleador alquimista, daqueles mágicos que sacam golos do éter - vide Jonas ou Cardozo -, Seferovic revelou antes ser como uma peça num relógio de alta precisão que necessita que tudo funcione em harmonia.
Com Rui Vitória, o relógio estava parado e só acertava duas vezes por dia, mas eis que, a 3 de janeiro, tudo mudaria. Com a saída do treinador ribatejano, chegou um mestre relojoeiro de seu nome Bruno Lage, que meteu Seferovic a jogar nas horas.
Se com Vitória, o suíço ficava frequentemente abandonado na frente, em frustrantes batalhas solitárias contra a defesa contrária, o futebol de ataque apoiado de Lage surtiu maravilhas para Seferovic, que passou a estabelecer parcerias de sucesso com Rafa Silva e João Félix (outros dois jogadores que muito beneficiaram com a chegada do novo treinador). A alteração não demoraria a fazer efeito, sendo que a 6 de janeiro, três dias depois da chegada de Lage, Seferovic assinaria um bis frente ao Rio Ave, o primeiro ao serviço dos encarnados. Este seria apenas o início de uma corrida vertiginosa em direção ao topo da tabela de marcadores.
Recém-comandado por Lage, o suíço marcou durante 8 jogos consecutivos, assinando 11 golos, ou seja, mais do que o que tinha feito quando era comandado por Rui Vitória, quer na época passada (20 jogos, 4 golos), quer na primeira fase desta temporada (12 jogos, 4 golos). Se este registo já é impressionante por si só, repare-se então que nos meses de janeiro e fevereiro deste ano marcou tanto quanto na melhor temporada da sua vida até à data, em 2014/15 pelo Eintracht Frankfurt.
Com este surto de golos, Seferovic finalmente cimentaria o seu lugar no plantel encarnado - já os dois sul-americanos não teriam o mesmo destino, tendo Ferreyra rumado por empréstimo para o Espanhol de Barcelona e Castillo sido colocado a título definitivo no América, do México. A perda de profundidade do plantel na frente revelou-se uma oportunidade de ouro para Seferovic agarrar o lugar, e este não a desperdiçou.
Neste final da temporada, Seferovic regista 22 golos na Liga NOS nas 28 partidas que disputou. Convém dizer, porém, que para atingir este marco goleador, o suíço teve apenas 12 jogos em que totalizou os 90 minutos, sendo substituído em sete e entrando como suplente noutros nove. Foi nesta condição, aliás, que revelou ser uma arma proveitosa, partilhando com o colega Jonas e com Bryan Róchez (do Nacional da Madeira) a distinção de ser o jogador que mais golos marcou enquanto suplente, quatro.
Na Europa, o seu registo foi bem mais modesto - fazendo apenas um golo frente ao AEK na Liga dos Campeões (o 100.º dos encarnados nesta competição) e outro perante o Galatasaray para a Liga Europa -, totalizando a contagem com dois tentos na Taça da Liga. No final de contas, segundo o website zerozero, o suíço fez 50 jogos esta época e marcou 25 golos, ou seja, em média um tento em cada duas partidas - isto, apesar de também muito desperdiçar.
Mas mais do que apenas marcar golos - porque, exceto em provas a eliminar, goleadas gordas valem o mesmo que vitórias por 1-0 -, foi a sua propensão para ser decisivo em momentos chave do campeonato aquilo que deve ficar patente na sua prestação nesta época, em que os seus tentos solitários valeram três pontos aos encarnados. Os golos marcados nos 10 últimos minutos de jogo contra o Tondela (em casa) e o Guimarães (no Minho) são exemplos dessa tendência salvífica.
Porém, o golo que todos os benfiquistas certamente recordarão com amor será aquele que marcou frente ao FC Porto na Luz, num jogo francamente mal-disputado que as águias venceram pela margem mínima, correspondendo certeiro a uma assistência de luxo de Pizzi. Com a época terminada, é sedutor fazer leituras simplistas, mas é muito possível que o suíço se tenha agarrado com unhas e dentes ao lugar com esse golo, aguentando-se o tempo suficiente para Lage encontrar o seu diamante em bruto.
A atravessar um estado de graça, Seferovic já prometeu ficar na Luz para os anos vindouros. Aos adeptos benfiquistas, resta-lhes a esperança que o suíço se mantenha tão afinadinho com a baliza, como os relógios do seu país com o tempo.
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