Ainda não foi desta que o Benfica quebrou o enguiço milionário. Antes de entrarem hoje em campo, contavam-se nove derrotas nos últimos dez jogos disputados para a Liga dos Campeões, quatro das quais de forma consecutiva na Luz, marcando golos apenas num único encontro dos últimos nove. Somado o empate de hoje, a aritmética só tende a piorar. Houve muito coração, mas não houve o que interessava: um golo que valesse três pontos.
Antes de os artistas subirem ao palco, existiam dúvidas se Jonas seria ou não titular face à recuperação do internacional suíço Haris Seferović, que tinha falhado o jogo da Liga com o Moreirense, devido a queixas físicas. Porém, essas mesmas questões ficaram dissipadas assim que saíram os 'onzes' e o 10 encarnado estava lá no vértice mais adiantado.
Com o brasileiro em campo já se sabe que o jogo encarnado só tende a ganhar. Pela influência que tem, pelas movimentações, pela inteligência, pela dinâmica que acrescenta ao ataque. São características tão particulares que acrescentam muito ao jogo das águias. Tanto assim é que, ao intervalo, o Benfica parecia que ia conseguir ter uma noite europeia satisfatória. A exibição até poderia não ser a mais vistosa, mas o objetivo dos três pontos não era apenas uma miragem e o sonho de passar à fase seguinte ainda estava, afinal, vivo. Havia esperança e motivos para isso. E não se sabe se foi o vento ou o destino, mas algo ou alguém quis levar o brasileiro para fora das quatro linhas.
E o jogo mudou a sua cara. Sem Pistolas, não houve pólvora para alimentar a esperança.
Porém, a primeira surpresa da noite aconteceu mesmo antes do jogo começar: Vitória relegou Pizzi à condição de suplente pela primeira vez nesta temporada, deixando o meio-campo entregue a Gabriel e Gedson. No ataque, Rafa ficou igualmente de fora para ceder o lugar a Cervi, ao passo que Salvio recuperou a titularidade. Havia uma intenção clara com esta decisão: pressão sobre o meio-campo da turma de Amesterdão na tentativa de fechar espaços. Em certa parte, até resultou. Mas aquilo que se veio a revelar na segunda parte foi apenas mais do mesmo: sem Jonas, o ataque encarnado é, muitas vezes, um deserto de ideias. Sem Pizzi (em baixo de forma ou no banco) para construir, a bola não chega em condições ao homem da frente — seja ele qual for.
O Benfica vinha de três derrotas seguidas (sofreu oito golos, marcou cinco) e o Ajax ganhou os últimos cinco (marcou 13 golos, não sofreu nenhum). Momentos emocionais diferentes bem diferentes, portanto. Os primeiros ansiosos, os segundos galvanizados. E também se pode acrescentar que nunca se viu tal coisa no reinado de Rui Vitória. Duas derrotas seguidas, sim. Três jogos sem qualquer ponto, não. Tendo o ribatejano como timoneiro, o Benfica nunca tinha acumulado uma série tão negativa, após as recentes derrotas na I Liga com Belenenses (2-0), Moreirense (3-1), bem como a derrota com Ajax (1-0) em Amesterdão.
Todavia, os primeiros 45' mostraram que o plano de jogo do encarnado estava a funcionar. Pressão, pressão e pressão nos jovens do Ajax. Não é que o anfitriões estivessem a fazer uma partida incrivelmente brilhante, mas mereciam estar à frente no marcador. Se no início do encontro o Ajax parecia estar bem compacto e os encarnados sem conseguir muito bem penetrar no último terço, a verdade é que à medida que os minutos foram passando o Benfica foi equilibrando não deixando que a equipa Amesterdão fizesse o jogo habitual de posse. Depois, claro: Jonas. O Pistolas faz a diferença. Foi um lance fortuito, num lance em que o guarda redes adversário não esteve bem. No momento da asneira não deu golo, mas o lance deu canto e Jonas não voltou a desperdiçar. Salvio cruzou para a área, a bola sobra para o avançado goleador da Luz e este não desperdiça. Estavam disputados 29' de jogo. Até aqui, parecia que ia tudo correr bem.
Seguir-se-ia então um período bom do Benfica, até bem pertinho do fim do primeiro tempo. Com mais bola, os encarnados controlavam os espaços e não deixavam que a esta chegasse à sua baliza. Exceção feita à última jogada antes de se ir para intervalo, que resultou num susto enorme para o coração dos benfiquistas. Livre a 30 metros da baliza, exemplarmente marcado por Schöne — ainda que com apenas dois homens na barreira. Deu numa excelente defesa apertadíssima de Vlachodimos. Porém, o que se segue é a uma mistura entre sorte e fortuna: na primeira recarga, a bola bate nas costas de Ruben Dias e não entra; na segunda, passa a rasar o poste mais distante. Oportunidade flagrante, mas que não entrou.
O árbitro apitaria de seguida e toca a recolher para o balneário. Para Rui Vitória mexer. Saiu Jonas, entrou Seferovic. Saiu Salvio, entrou Rafa.
Só que o técnico holandês do Ajax, Erik ten Hag, conviveu com Pep Guardiola em Munique, quando orientou a equipa secundária do Bayern. E nota-se a influência do treinador catalão do City neste Ajax de ten Hag. Especialmente na frente, com as constantes movimentações de Tadic, Ziyech e Van de Beek. E o intervalo fez melhor aos visitantes que aos da casa. Entraram melhor, focados e à procura do empate. De Jong, médio centro e motor do gigante de Amesterdão, não existiu na primeira parte, mas cresceu muito na segunda. E com o seu crescimento, veio também o da equipa, que chegou ao empate aos 61', por Tadic.
Foi quase sem surpresa que apareceu o lance do golo que empatou a partida. O sérvio correspondeu à chamada de um passe longo — soberbo — com conta, peso e medida de Ziyech, que pedia que alguém atacasse as costas da defesa encarnada. Esta ficou a vê-la passar, não atacou a bola e Tadic aproveitou para fintar Vlachodimos e depois picar por cima de Rúben Dias, num gesto técnico de difícil execução.
Pois bem, com o empate chegava o espaço para que o Ajax fizesse o seu jogo. A equipa de Rui Vitória bem tentava reagir, mas sem Jonas o Benfica não apresentava discernimento e qualidade no ataque. Seferovic estava lá, mas a bola não chegava em condições para este finalizar. Até final, foi ver muita vontade por parte dos jogadores do Benfica em chegar ao golo. Vitória ainda mexeu a última carta do baralho, ao fazer entrar Pizzi (aos 75' em detrimento de Gedson), mas a verdade é que a alteração não teve grande efeito no jogo corrido. Até final, o Benfica tentou apertar, mas só num lance de Rafa (74') causou perigo — o extremo podia e devia ter feito muito melhor, quando ultrapassou o adversário direto e falhou o passe recuado na linha de fundo.
Findo o jogo, Cervi explicou que "faltou definição no último toque" e que "a bola não quis entrar". Não quis, mas em abono da verdade esteve bem perto de o fazer, ao cair do pano, mas o guarda-redes do Ajax já tinha recuperado totalmente das decisões desconcertantes que conduziram ao golo do Benfica. Gabriel rematou aquilo que parecia um tiro destinado ao golo, mas Onana esticou a perna e salvou o seu conjunto. Porque até pode estar ligado ao golo do Benfica, mas neste lance conseguiu redimir-se. Antes, tinha estado bem frente a Rafa.
Quer isto dizer que, feitas as contas, no grupo E, o Bayern Munique lidera com 10 pontos (venceu esta noite o AEK de Atenas por 2-0), Ajax segue em segundo com oito, enquanto o Benfica tem quatro e os gregos zero. E que para seguir em frente na Liga dos Campeões e chegar os oitavos de final, os encarnados têm de vencer os restantes encontros (Bayern e AEK) e esperar que o Ajax faça somente um ponto. Se os holandeses fizerem mais, a esperança cai por terra. E o Benfica sai da 'Champions'.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Não foi o lance do golo, mas foi quase. E quase porquê? Porque a bola só não entrou por mero acaso. Jonas marcou aos 29', mas um minuto antes Onana, guarda-redes do Ajax, ia dando de bandeja o tento ao brasileiro, quando panicou com a bola nos pés bem colado à sua linha de baliza e teve de aliviar para fora já pressionado pelo brasileiro.
Jonas, a vantagem de ter duas (três) pernas
Jonas marcou apenas três golos esta época, mas fê-lo em todas as competições em que participou: Taça, Liga e agora na Liga dos Campeões. Esta noite, ameaçou duas vezes (24', 28'), mas à terceira (29') disparou. Ao intervalo saiu para dar lugar a Seferovic, mas o tempo que esteve em campo foi suficiente para deixar a sua marca.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
A Hakim Ziyech parece que não lhe custa criar situações de perigo. É verdade que na hora da decisão parece que nem sempre opta pela melhor opção — só fez um remate enquadrado à baliza —, mas é daqueles jogadores que quando sai para o drible, não engana. E se dúvidas existissem quanto a isso, basta rever o passe magistral no golo do Ajax para estas se esfumarem.
Nem com dois pulmões chegava à bola
Gabriel lutou, tentou muito e nota-se que é um médio esforçado e que taticamente não compromete. Só que demorou tanto tempo, em dois ou três lances, a colocar a bola com rapidez na frente — quando era pedida mais velocidade —, que genuinamente pareceu que lhe faltou capacidade para apressar todo aquele processo.
Comentários