Um dérbi entre SL Benfica e Sporting CP é sempre um jogo de honra. Seja para o campeonato, para a Taça de Portugal, para a Taça da Liga ou para o Torneio Internacional do Guadiana. É um jogo para vencer. Sempre. Sejam quais forem as condições de cada equipa, seja qual for a importância da competição em que o encontro acontece.
A honra raramente é verbalizada nestas ocasiões. É tão óbvia que se for dita até pode causar estranheza ao deixar a impressão de que alguém pudesse achar que este era um jogo como os outros. Porque não é. No entanto, o dérbi disputado este sábado era uma exceção. Uma daquelas que confirma a regra. O Sporting, pela primeira vez desde sempre, chegou ao estádio da Luz como campeão nacional, naquele que foi um pontapé demorado e doloroso na honra dos encarnados para esta época, que depois de terem feito o maior investimento da história do clube, terminaram a época a lutar por um lugar de acesso direto à Liga dos Campeões em vez de pelo título.
Com os Leões campeões com duas jornadas ainda por disputar, a pergunta a Jorge Jesus na conferência de imprensa de antevisão do encontro, tornava-se obrigatória: vai o Benfica fazer uma guarda de honra ao Sporting?
O gesto que consiste, basicamente, num corredor de jogadores que antes do jogo recebem a equipa campeã com aplausos, como reconhecimento pelo feito conseguido, é tradição do futebol inglês, mas tem sido várias vezes importada. A Sampdoria de Claudio Ranieri, por exemplo, foi notícia recentemente por ter recebido os recém vencedores da Serie A, o Inter de Milão, com uma guarda de honra.
"Disse ao Quagliarella e aos rapazes que seria bonito marcar a ocasião como fazem em Inglaterra e eles imediatamente concordaram. Isto é desporto, acredito que o desporto deve estar nestes pequenos gestos, especialmente por uma equipa que vence a quatro jornadas do fim. Aconteceu-me no Leicester, onde recebi uma homenagem do Chelsea", recordou.
Em Portugal a tradição não existe e Jorge Jesus anunciou logo que não iam ser as águias a inaugurá-la.
“Não é por mim, é pelo que é tradição no futebol português. Já venci três vezes [o campeonato nacional] e ninguém me fez guarda de honra. Isso não é normal. O normal é dar os parabéns, que é aquilo que já fiz. O resto é o jogo e não mais do que isso”, resumiu o técnico ‘encarnado’.
Em relação à recusa do Benfica em fazer uma guarda de honra aos campeões, Rúben Amorim considerou que “não é uma tradição em Portugal” e “toda a gente assinalou o título como justo”, o que é “o mais importante”, tendo explicado ainda que Jorge Jesus enviou uma mensagem ao presidente Frederico Varandas a congratular o Sporting.
Quando os Leões subiram ao relvado da Luz, às 18h00, de facto não havia um corredor de jogadores encarnados à sua espera. Em vez disso houve um abraço cúmplice entre JJ e Rúben Amorim, ainda no corredor de acesso aos balneários.
Na verdade, o Benfica mostrou desde cedo que no que toca a honra, e a este jogo, só tinha vontade de impôr a sua e de assim desonrar a do Sporting que estava a caminho de uma época perfeita, com o título numa mão e uma estatística sem derrotas na outra.
O primeiro grande sinal disso surgiu aos 12 minutos, com um grande passe de Pizzi, na profundidade, a descobrir Seferović em velocidade entre Matheus Reis e Nuno Mendes. O avançado suíço rematou à saída de Adán e Mendes, apesar do esforço, não conseguiu evitar que a bola só parasse no fundo das redes.
Os Leões, feridos, responderam com dois bons momentos. Um primeiro aos 15 minutos: abertura na esquerda para Nuno Santos, cruzamento do extremo para o segundo poste à procura de Pote, que chegou ligeiramente atrasado e não conseguiu desviar para a baliza. Dois minutos depois Matheus Nunes ameaçou a baliza encarnada com um grande cabeceamento, contrariado por uma excelente defesa de Helton Leite e pela bandeirola do árbitro assistente que assinalou fora de jogo.
O placar viria a mudar aos 29 minutos, novamente por intermédio do Benfica que mostrava-se superior no jogo, a aproveitar-se em parte da ausência da dupla titular habitual do Sporting no meio-campo (Palhinha e João Mário) para explorar através dos médios o espaço nas costas de Nunes e Daniel Bragança, mais concentrados em pressionar a dupla Weigl-Taarabt e menos capazes de preencher os espaços.
Foi precisamente o médio que mais importunou a dupla sportinguista do centro do terreno que faturou. Pizzi recebeu de Everton, de calcanhar, fugiu à marcação e picou a bola por cima de Adán perante a saída do guarda-redes espanhol.
Aos 37 minutos, novo golo dos encarnados, com Lucas Veríssimo a responder a um canto batido por Pizzi com um bom cabeceamento.
Antes das equipas irem para o intervalo, o Sporting quis deixar um ponto de honra assente: vencer o campeão nacional não ia ser assim tão fácil como os encarnados estavam a querer fazer parecer. Pote pegou na bola da direita, levou-a para o interior e chutou-a com o pé esquerdo para o fundo das redes da baliza encarnada.
Apesar de o segundo tempo ter praticamente começado com um golo das águias (49’ Seferovic), na sequência de uma grande penalidade cometida por Matheus Nunes sobre Grimaldo, foram os Leões que mandaram no jogo na segunda parte, beneficiando sobretudo da restituição do seu meio-campo original e da entrada de Gabriel no lado dos encarnados, para o lugar de Taarabt, que não conseguiu oferecer uma solução tão boa na gestão do espaço como o marroquino.
Com menos bola e menos iniciativa, o Benfica acabaria por sofrer mais dois golos na partida, o que transformou uma eventual goleada num dos dérbis mais bem disputados recentemente. Aos 62 minutos, Paulinho respondeu a uma abertura na direita à procura de o encontrar no segundo poste com um toque para trás que Nuno Santos entendeu bem e respondeu com um bom remate com que fez o 4-2.
Depois do golo do extremo, Pote apropriou-se de todo o protagonismo. Primeiro, com um remate ensaiado na sequência de um canto, de primeira, que passou perto da barra (71’), depois ao ganhar uma grande penalidade, após falta de Lucas Veríssimo, (75’), depois ao convertê-la e, por fim, aos 79 minutos, com um enorme remate a ameaçar o golo do empate, apenas evitado por uma grande defesa de Helton Leite.
O jogo terminaria assim, com um 4-3, com as únicas honras a serem repartidas entre Pedro Gonçalves e Seferovic, com dois golos para cada um, o que mantém ambos os jogadores empatados na corrida ao melhor marcador do campeonato com 20 tentos cada um.
Além disso, há a desonra à época quase perfeita do Sporting, que na afirmação de um campeão em toda a linha, acabou por conceder a primeira vitória no campeonato, falhando assim a oportunidade histórica de terminar uma edição da liga invicto e de bater o recorde de pontos (86), naquele que foi também o primeiro jogo em que sofreu um golo de canto e mais do que dois golos - mesmo assim a turma de Rúben Amorim continua a ser de longe a melhor defesa da liga, com apenas 19 golos sofridos em 33 jogos, menos sete que o Benfica, a segunda melhor defesa.
Do lado dos encarnados, sobra uma honra ferida. O Benfica que com esta vitória, em que fez, em termos exibicionais, a melhor primeira parte da temporada, mostrou que podia ter feito muito mais esta época na liga e, depois de ter sido a primeira (e provavelmente única equipa a fazê-lo até ao fim campeonato) a infligir uma derrota ao campeão nacional, vai para a última jornada à espera de uma escorregadela do FC Porto à procura de garantir uma vaga na liga milionária. Perante as honras do campeonato do Sporting, esta vitória sobra só e apenas como ponto de honra numa época aquém.
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