A WNBA, campeonato profissional de basquetebol feminino dos EUA, celebra este ano a sua 20.ª época de existência e, "à americana", decidiu elaborar uma lista com as vinte melhores jogadoras que pisaram os seus pavilhões nestes vinte anos. Dessas vinte, dezoito são norte-americanas, uma é australiana e outra é europeia, mais precisamente portuguesa. “Tem um significado grande”, conta Ticha, diretamente dos EUA onde agora é agente desportiva. “Olho para trás e vejo a minha infância a crescer na Figueira da Foz, em Portugal, a jogar basket de rua com os rapazes e nem nos meus maiores sonhos podia imaginar que iria jogar 15 anos da WNBA e ser uma das jogadoras destacadas neste 20.º aniversário”. Por tudo isto, Ticha considera que “às vezes parece um pouco surreal, mas é definitivamente uma grande honra”, realçando ainda a importância do trabalho para chegar a este nível e, claro está, toda a ajuda que teve de “treinadores, companheiras de equipa e, acima de tudo, da família”.
Tendo em conta a relevância que a WNBA tem no panorama basquetebolístico mundial, sendo uma espécie de “casa” para as melhores jogadoras do mundo (um pouco como a NBA), será possível dizer que esta distinção faz de Ticha Penicheiro uma das 20 melhores jogadoras de basquetebol de sempre? “Eu penso que contribuí bastante para o desenvolvimento da Liga” e, ainda que nunca tenha vencido títulos relevantes por Portugal, esta distinção é acima de tudo o “reconhecimento do trabalho e de quase uma vida dedicada ao desporto e ao basquetebol”, pelo que ver esse “esforço reconhecido é uma grande satisfação”.
Quinze anos de carreira na WNBA são equivalentes a muitas recordações. Mas entre títulos, nomeações e prémios, Ticha destaca que o que fica “são as amizades que se fazem e as memórias que se vão criando ao longo dos tempos. Tenho amizades com jogadoras com quem joguei e com muitas que defrontei e isso fica para toda a vida”. E, vá lá, “algumas fotografias e vídeos”, ainda que estes últimos sejam difíceis de ver “porque já não há VHS (risos)”.
Quanto ao impacto que esta nomeação pode ter na modalidade em Portugal, Ticha Penicheiro acredita que, apesar de tudo, não terá assim tanta influência. “A mentalidade portuguesa continua muito virada para o futebol e quem gosta de basket é porque pratica ou por influência ou proximidade familiar.” De qualquer das formas, a ex-jogadora mostra-se contente com a decisão da Federação Portuguesa de Basquetebol de criar “um canal (online) para emitir jogos, porque isso é importante e parte daí” o fomento de uma cultura de basquetebol no país. De qualquer das formas, admite que, não obstante o diminuto impacto, o seu caso pode ser considerado “um bom exemplo” porque “mesmo nascendo em Portugal e não tendo as condições que outros países têm ao nível do basquetebol feminino, se me aconteceu a mim, pode acontecer a qualquer um”.
Uma portuguesa na WNBA (mas não só)
Corria o ano de 1998 quando Patrícia Penicheiro – Ticha, como ainda é conhecida no mundo do basquetebol – pisou pela primeira vez o pavilhão das (entretanto extintas) Sacramento Monarchs, equipa da WNBA. A competição (uma espécie de versão feminina da NBA, principal competição de basquetebol dos EUA e, muito provavelmente, do mundo) tinha sido criada um ano antes, para ocupar o espaço temporal entre o final e o início das temporadas da competição masculina. Ticha Penicheiro, a estudar na Universidade de Old Dominion, é selecionada no draft (processo em que as equipas dos principais campeonatos profissionais de desporto dos EUA escolhem, de acordo com uma ordem previamente sorteada, os melhores desportistas universitários ou de fora dos EUA) pela equipa de Sacramento e começou aí uma das mais belas carreiras do desporto português.
Foram quinze as épocas que Ticha Penicheiro passou na WNBA: doze nas Sacramento Monarchs (pelas quais venceu um título de campeã, em 2005), duas nas Los Angeles Sparks e uma nas Chicago Sky. Pelo caminho, liderou a liga em assistências em sete dessas épocas, foi escolhida quatro vezes para o All-Star Game (jogo que reúne as jogadoras preferidas do público) e duas vezes para a equipa do ano. Adicionalmente, é ainda a recordista da WNBA em assistências, ou seja, a jogadora que, durante os 20 anos de competição, mais passes para cesto fez, bem como a segunda com mais roubos de bola.
Paralelamente, e porque a competição da WNBA decorria apenas durante a paragem da NBA, Ticha Penicheiro jogou ainda na Polónia (Lotos Gdynia), Itália (Basket Parma, Geas Basket e PF Umbertide), Rússia (UMMC Ekaterinburg e Spartak Moscow, por quem venceu a Euroliga, uma espécie de Liga dos Campeões basquetebolística), França (Valenciennes), Letónia (TTT Riga), República Checa (USK Praha), Turquia (Galatasaray) e, claro está, Portugal (Algés). Uma verdadeira trota-mundos, portanto.
Para terminar, cumpria recordar as comparações com jogadores da NBA que sempre a acompanharam ao longo da carreira: Jason Williams (seu “companheiro” em Sacramento e que passou grande parte da carreira ao serviço dos Kings, equipa masculina da cidade), Jason Kidd e, claro, Magic Johnson (este último considerado por muitos um dos melhores jogadores de sempre). “São três jogadores que jogavam na mesma posição que eu e que tinham aquela ginga ou aquele toque de magia que eu também tinha”. E será que essas comparações a incomodam? “Acho que ser comparada com o Magic Johnson não é nada mau (risos)”.
Este país não é para basquetebol
Portugal é um país de futebol. As outras modalidades existem - é um facto - mas vão sobrevivendo um pouco à sombra do chamado “desporto-rei”, ainda que com algumas exceções aqui e ali (o caso do futsal e do seu crescimento nos últimos anos é evidente). Por tudo isto, não é errado dizer que o basquetebol nunca atingiu grande mediatismo no nosso país. Provavelmente, se fizermos um rápido vox-pop pedindo o nome de um jogador português de basquetebol, a maioria das pessoas que conseguisse responder mencionaria Carlos Lisboa, antiga glória do Benfica e seu atual treinador. Lisboa é, muito provavelmente, a principal referência do basquetebol português, uma espécie de Eusébio dos pavilhões. Mas isso só é verdade se olharmos para o desporto numa perspetiva masculina. Como prova a história de Ticha Penicheiro.
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