Não era um mero regresso, este de José Mourinho a Stamford Bridge. Pela história de Mourinho com o clube e por tudo o resto que se sabe, era esperado que a partida de hoje fosse inevitavelmente especial. Mais, o agora timoneiro dos Blues é Frank Lampard, o seu capitão de outras conquistas. Recorde-se que, juntos, em 2004, lideraram o Chelsea ao seu primeiro campeonato em 49 anos. Ou será que foi tudo fogo de vista para jornalista escrever antes do jogo começar?
"Não. Não, não é especial. É mais um jogo. Porque eu sou profissional, porque disse, sempre que joguei pelos meus clubes anteriores, que pertenço ao meu clube a 200%. É só isso. A única coisa que seria diferente seria a parte em que ia a pé do estádio para casa. Mas nem vou tirar partido disso porque vou regressar com os meus jogadores", acabou por esclarecer Mourinho na conferência de antevisão do encontro.
Porém, sendo ou não especial, logo antes do apito inicial, parece que houve movimento de xadrez à José Mourinho. É que uma das estrelas da companhia ficou no banco — o que não deixa de ser uma surpresa (ou talvez não) ainda que este tenha saído meio chateado do último jogo e tenha atirado garrafas de água ao chão para demonstrar o seu desagrado por ter sido substituído. É que numa equipa sem Harry Kane e Son Heung-min, ambos lesionados, e que viu partir o dinamarquês Christian Eriksen para o Inter de Milão na última janela de transferências, era esperado que pupilo que completa aquele que era o quarteto valioso dos Spurs fosse a jogo. Não foi. E não foram poucas as vezes que o jogo pedia alguém que conseguisse criar perigo na frente de ataque e segurasse a bola. Mas lá iremos um pouco mais à frente.
Assim, José Mourinho fez três alterações em relação ao onze que saiu derrotado a meio da semana em jogo da Liga dos Campeões frente ao Leipzig: Serge Aurier, Gedson Fernandes e Alli deram lugar a Jan Vertonghen, Tanguy Ndombele e Japhet Tanganga. Do lado oposto, Frank Lampard, também apostou no efeito surpresa. Isto é, alinhou com Giroud de início — a primeira vez nos últimos três meses. Ou seja, em relação ao onze que defrontou o Manchester United, quatro alterações: Ross Barkley, Mason Mount, Marcos Alonso e Giroud entraram para o onze; Michy Batshuayi, Pedro, Willian e N’Golo Kante (lesionado) fizeram o percurso inverso.
Os primeiros minutos foram todos do Chelsea enquanto o Tottenham se limitava a correr atrás da bola — numa posição que parecia confortável e tudo. Aliás, nos primeiros 5' de jogo penso que a equipa de Mourinho não efetuou mais do que três ou quatro toques na bola. (E por falar tanto em bola num só parágrafo, refira-se que este jogo não se disputou com a de inverno, a amarela, mas sim com a branca e vermelha; um pequeno detalhe, aparentemente insignificante, embora o olho deste que assina a crónica fique contente.)
E se até foram os Spurs a dar o primeiro aviso através de Lucas Mouca (10') num início de jogo amorfo, foram os homens da casa que se adiantaram no marcador aos 15' — num lance que deve ter deixado Mourinho irado da cabeça apesar de as imagens mostrarem que o técnico pedia calma aos seus jogadores. Claro que, como tem sido hábito, o real festejo só veio após o golo ter sido confirmado pelo VAR. Contudo, em toda honestidade, não era lance para tal. Pareceu limpinho de início ao fim. A única coisa que o VAR podia avaliar seria a passividade pouco recomendável da defesa de José Mourinho.
Jorginho, de primeira e com o seu toque refinado e visão de jogo impressionante, faz um belíssimo passe a pedir que Giroud explorasse as costas da defesa — que meio desengonçado lá conseguiu sair por cima do lance graças à sua estampa física e chegou até área. O francês ganha posição, remata rasteiro com o pé direito, mas Lloris defende. A bola sobra para Barkley que dispara um remate que acaba por embater no poste direito do guarda-redes do Tottenham. Porém, a bola parecia destinada a entrar e foi ter com o pé esquerdo que esteve no início da jogada, o de Giroud. Este aproveita o ressalto da melhor forma, remata forte e colocado para o canto inferior direito da baliza. E assim se fez a jogada para o golo inaugural.
Aquilo que se viu no resto da primeira parte foi um jogo disputado. Demasiado disputado e muito tático, talvez. Tanto Lampard como Mourinho não queriam abrir mão do controlo daquilo que se passava perto de cada uma das balizas. Os lances de perigo que existiram aconteceram sempre em situações de contra-ataque em que os defesas apagaram os fogos que iam surgindo aqui e ali. O Chelsea dominava a posse de bola e nunca pareceu perder o controlo da partida. A única exceção foram uns cinco minutos (entre os 30-35') em que Tottenham acumulou cantos e obrigou a Caballero a uma defesa de recurso (36') em que com uma palmada cortou o lance de perigo (uma bola que pingou no meio da pequena área) por cima da barra. Não é nenhum eufemismo escrever que se esperava um pouco mais deste jogo.
Tanto assim foi que, mesmo com um lance de avaliação para golo do VAR, o árbitro tenha dado apenas um minuto de descontos quando apitou para as equipas recolherem aos balneários. Do lado do Tottenham, Lucas Moura bem que tentava remar contra a maré, mas nunca conseguiu materializar a força de vontade em golos nos lances em que teve oportunidade de visar a baliza de Caballero. Harry Winks, além do amarelo (23'), pouco mostrou além de uma exibição sofrida e algumas perdas de bola. Por seu turno, Mateo Kovačić e Jorginho pareciam chegar para tomar conta das rédeas do jogo. Ganhavam a maioria dos duelos no capítulo defensivo e mostravam mais discernimento na hora de levar o jogo para a frente. Se o jogo estava bonito ou não, a Lampard pouco interessava. Por esta altura, se as coisas se mantivessem, ganhava uma vantagem de 4 pontos sobre o adversário direto.
Não foi a primeira vez que o técnico português comentou a onda de lesões — nem deverá ser a última a julgar pelo desfecho deste encontro. Durante a antevisão com os jornalistas sobre o seu regresso a Stamford Bridge, Mourinho voltou a tocar no assunto.
"O Tottenham sem o Harry [Kane] ou Sonny [Son Heung-min], sem um deles, não ganha um jogo desde 2014. É algo muito significante. Isso quer dizer que o Sonny e o Harry marcam a maioria dos golos do Tottenham. Esta temporada tem sido tão, tão negativamente especial que vamos ficar sem os dois durante muitos jogos", lamentou o português.
Ora, após ver a primeira parte do jogo que marcou o regresso àquela que foi a sua primeira casa em Inglaterra, percebe-se os lamentos de Mourinho. Ter ou não um avançado de raiz a disputar as bolas lá na frente faz a diferença. Bergwijn é móvel, tecnicista e um bom reforço, mas não é um homem golo. Lucas Moura idem. A contar para a Premier League, o Tottenham ganhou os últimos 3 jogos — quase sempre de maneira sofrida. Mas pelo menos havia Son Heung-min. Hoje não havia. Portanto, partindo das palavras de José Mourinho, não foi com grande surpresa que o Chelsea se adiantou novamente no marcador à passagem do 48' e logo a abrir a segunda parte.
Giroud passou a bola ao jovem Mount, este deu curtinho para Barkley; o médio levanta a cabeça, vê Alonso a correr do lado esquerdo e mete a bola a jeito; quando o espanhol chega ao local onde estava a bola bem redondinha mesmo a pedi-las, remata cruzado para o canto inferior direito de Lloris. Um grande golo! De notar que a bola foi da direita para a esquerda e passou por quatro jogadores — precisamente os quatro que Frank Lampard chamou para alinhar de início esta tarde.
Não deixa de ser irónico que tenha sido Alonso a marcar (e meteu uma bola na barra aos 82'); é que Mourinho disse que estava à espera que o defesa figurasse entre os escolhidos por Lampard no início do jogo. Tanto que disse "estar preparado" para essa situação. Pelos vistos, não foi suficiente, tendo em conta que o espanhol acabou por ser determinado no esquema montado por Lampard e até marcou.
Quem não podia estar contente era José Mourinho — que só não deve ter ficado pior porque o VAR decidiu ser brando com Lo Celso (que até foi o melhor jogador do Tottenham durante o início desta tarde). Foi aos 52', envolveu Azpilicueta e uma disputada de bola a meio-campo. A entrada foi dura e já se viu jogadores a serem expulsos por menos. Além de que, claro, a perna do capitão do Chelsea ter ficado, de certeza, bem maltratada.
Depois do lance polémico que levou a Lampard a ser um pouco mais ríspido com o 4º árbitro, Mourinho foi à procura de virar o resultado e de tentar alterar os acontecimentos. Para isso, trocou Ndombele pelo argentino Lamela (62'). No entanto, a equipa de Mourinho só conseguia ter mais bola. Criar perigo que seria o desejável, nem por isso. E assim foi até final da partida. O Chelsea controlou, ainda que sem tanta bola como aconteceu na primeira parte, ao passo que o Tottenham tentava fazer o melhor resultado possível enquanto corria atrás do prejuízo.
Aos 71', foi a vez de Lampard mexer e trocou o autor do golo inaugural, Giroud, pela prata da casa: Tammy Abraham. O público não se fez de rogado e bateu muitas palmas ao francês que, a julgar pelos rumores que se escreveram durante o mercado de Inverno, esteve com um pé na porta de saída. Mas como não veio nenhum dos reforços que Lampard esperava, o treinador inglês optou por ficar com o gaulês. Hoje, deve estar mais do que contente por isso. Mourinho ainda colocou Serge Aurier (79') e Ali (78'), mas o máximo que conseguiu foi um golo de consolação aos 89', num momento infeliz de Antonio Rüdiger, que marcou o autogolo que ditou o resultado final.
O soundbite da conferência de imprensa a meio da semana de José Mourinho ecoou nos jornais britânicos. E tal sucedeu porque afirmou que se o Tottenham terminar a temporada nos quatro primeiros lugares, tal situação será um dos melhores feitos da sua carreira. E, sim. Um feito maior do que o 2º lugar conquistado pelo Manchester United em 2018. "Se conseguirmos acabar no top 4 será algo incrível. É um feito incrível para os rapazes. Então temos de dar tudo que temos", rematou.
Ainda faltam umas jornadas por disputar, mas com o jogo de hoje, o 4º lugar ficou um pouco mais longe. O Chelsea soma agora 44 pontos, ao passo que o Tottenham, de José Mourinho, soma 40, a 11 jornadas do fim.
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