Domingo, dia 18 de abril
Doze clubes — AC Milan, Arsenal, Atlético de Madrid, Chelsea, FC Barcelona, Inter de Milão, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Real Madrid e Tottenham — anunciam formalmente a intenção de criar uma Superliga Europeia, horas antes de a UEFA divulgar o novo modelo das competições europeias a partir de 2024/25, no caso concreto da Liga dos Campeões.
Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, assumia também o cargo de presidente da estrutura que faria nascer a competição. Nas primeiras palavras no novo cargo, afirmou que os grandes clubes “têm a responsabilidade de responder aos desejos dos adeptos” e que a criação na nova competição corresponde a essa vontade dos adeptos.
"Vamos ajudar o futebol em todos os níveis, para levá-lo ao lugar que merece, disse Pérez, citado no comunicado que anunciava a criação da Superliga.
Os promotores da competição adiantavam ainda que a prova seria disputada por 20 clubes, pois, aos 15 fundadores – apesar de terem sido anunciados apenas 12 —, juntar-se-iam mais cinco clubes, qualificados anualmente, com base no desempenho da época anterior.
A época arrancaria em agosto, com dois grupos de 10 equipas e os jogos, em casa e fora, seriam realizados a meio da semana, mas todos os clubes participantes continuariam a disputar as respetivas ligas nacionais.
Os três primeiros classificados de cada grupo e os vencedores de um ‘play-off’ entre o quarto e o quinto posicionados disputariam os quartos de final, em duas mãos, seguindo-se a fase a eliminar até ao jogo decisivo, em terreno neutro.
Se o comunicado da Superliga se antecipou à reforma da Champions League, não se antecipou a um primeiro comunicado da UEFA quando, no domingo, os rumores começaram a adensar-se. O organismo que tutela o futebol europeu reafirmou que excluiria os clubes que integrassem uma eventual Superliga europeia de futebol, e que tomaria “todas as medidas necessárias, a nível judicial e desportivo” para inviabilizar a criação de um “projeto cínico”.
Na luta contra a pretensão de alguns dos mais poderosos clubes da Europa, a UEFA disse contar com o apoio das federações de Inglaterra, Espanha e Itália, bem como das ligas de futebol destes três países.
“Tal como já foi anunciado pela UEFA e por aqueles seis organismos, informamos que os clubes envolvidos serão impedidos de disputar qualquer outra competição, a nível nacional, europeu e mundial e os seus jogadores não poderão representar as respetivas seleções nacionais”, informou a UEFA, em comunicado.
Em janeiro, a FIFA já tinha avisado, num comunicado conjunto com as confederações do futebol mundial, que impediria de participar nas suas competições qualquer clube ou jogador que integrasse uma eventual competição de elite, disputada por convite por alguns dos maiores clubes europeus.
Segunda-feira, dia 19 de abril
Os primeiros minutos do dia trouxeram uma reação mais atualizada da FIFA ao anúncio, afirmando que “se posiciona fortemente a favor da solidariedade no futebol e de um modelo de redistribuição equitativo”, apelando “a todas as partes envolvidas para que tenham um diálogo calmo, construtivo e equilibrado, para bem do jogo”.
Quando o sol raiava em Espanha, o rol de críticas à nova competição era longo, passando a contar também com políticos para além da gente do futebol. Um dos primeiros foi o comissário europeu Margaritis Schinas que afirmou que a União Europeia deve defender “um modelo europeu de desporto baseado na diversidade e na inclusão”, opondo-se ao projeto de criação de uma Superliga europeia.
Com mais apupos do que aplausos, os clubes ingleses, espanhóis e italianos que pretendiam criar o projeto avisaram que iriam recorrer ao tribunais para que UEFA e FIFA não pudessem impedir a criação da liga.
“A SLco (Super League Company) deu entrada de uma moção nos tribunais relevantes para garantir o estabelecimento da operação sem problemas, de acordo com todas as leis aplicáveis”, pode ler-se na carta, que não identifica os tribunais onde a ação foi submetida.
A Superliga tentava proteger-se, mas parecia completamente despida de apoios. As Federações dos países dos clubes fundadores da competição opuseram-se à mesma e Bayern de Munique e Borussia Dortmund, dois dos emblemas alemães que se esperava que preenchessem as vagas no clube dos fundadores, opuseram-se ao projeto.
No entanto, nenhuma destas desaprovações mexeu tanto com o projeto como a conferência de imprensa que Aleksander Ceferin daria naquela segunda-feira, onde o presidente da UEFA classificou a competição como sendo movida pela “ganância”, considerando que são planos que vão “contra tudo aquilo que o futebol deve ser”.
“A UEFA e o futebol estão unidos contra a proposta que vimos de alguns clubes na Europa que são movidos pela ganância. Toda a sociedade e os governos estão unidos contra estes planos cínicos, que são contra o que o futebol deve ser. A integralidade e o mérito desportivo são essenciais e não vamos deixar que isso mude nunca”, disse o esloveno em conferência de imprensa.
Para que não ficassem margens para dúvidas, Ceferin deixou bem claras as sanções que seriam aplicadas: todos os clubes que viessem a integrar esta liga seriam excluídos do organismo, contando o presidente da UEFA com o apoio direto das federações de Espanha, Itália e Inglaterra, para além de que os jogadores destas mesmas equipas ficariam impedidos de serem chamados às respetivas seleções e assim de competir em Europeus e Mundiais.
O nome de Florentino Pérez não foi mencionado pelo dirigente, mas o do seu número dois, o presidente da Juventus, foi arrasado, quando Ceferin abordava os clubes dissidentes.
“Andrea Agnelli é a maior desilusão de todos. Não quero ser muito pessoal, mas nunca vi alguém mentir como ele e de forma tão persistente. Falei com ele sábado, disse-me que eram só rumores e que me ligava dentro de uma hora. Depois desligou o telefone e no domingo à noite...”, explicou.
Visivelmente chateado, Ceferin assumiu estar “zangado por ver que estes 12 clubes ricos querem roubar o futebol da nossa sociedade. Escrevem sobre solidariedade e não sabem o que é isso, só olham para os seus bolsos. Estou zangado, mas muito calmo. Mas por outro lado também feliz que tenha acontecido, porque agora sabemos quem é quem. Ouviam-se rumores, mas agora sabemos”, frisou.
Se as segundas-feiras já parecem dias longos por natureza, aqui ainda íamos na hora de almoço. A tarde ainda seria igualmente comprida, mas não muito diferente da manhã, com várias posições alinhadas com a UEFA e poucas ou nenhumas com o projeto da Superliga Europeia.
A salientar a intervenção do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que afirmou que ia fazer “tudo o que puder” para impedir a criação da Superliga europeia de futebol.
“Vamos analisar tudo o que podemos fazer com as autoridades do futebol para garantir que a Superliga não aconteça como está planeada. Isto não é uma boa noticia para os adeptos nem para o futebol deste país. Não gosto da aparência desta proposta e farei tudo o que puder para que não aconteça”, afirmou Boris Johnson aos jornalistas ingleses.
Depois de um dia de ataques dos dois lados da barricada, ninguém caía, mas nada parecia avançar, Florentino Pérez deu uma entrevista ao programa El Chiringuito, do canal de televisão Mega, em que disse “fizemos a Superliga para salvar o futebol”.
O presidente do Real Madrid disse que o futebol tem de continuar a evoluir ou então “perde o interesse”, afirmando que “os jovens de 16 a 24 anos já não têm interesse pelo futebol".
Segundo o dirigente espanhol, “existem muitos jogos de má qualidade”, o que acaba por levar os jovens a procurar outras plataformas para se entreterem.
Sobre as várias críticas que foram feitas ao longo do dia, Pérez disse que este projeto “não é coisa para ricos. Fazemos isso para salvar o futebol, que se encontra num momento crítico".
Terça-feira, dia 20 de abril
O terceiro dia desta pequena novela começou com as críticas do presidente do Paris Saint-Germain, Nasser Al-Khelaifi, à prova. Aquele que os 12 clubes fundadores esperavam que se juntasse ao grupo, rejeitou liminarmente uma restrita Superliga de futebol “motivada por interesses pessoais”, recusando apoiar qualquer iniciativa fora da UEFA.
“Acreditamos que qualquer proposta sem o apoio da UEFA — uma organização que tem trabalhado para promover os interesses do futebol europeu durante quase 70 anos — não resolve os problemas que a comunidade do futebol enfrenta atualmente, mas é motivada por interesses pessoais”, criticou o dirigente.
Mas piorou: horas depois foi Pep Guardiola, treinador do Manchester City, um dos clubes fundadores da competição a criticá-la, afirmando que não se pode chamar de desporto a uma competição onde a participação é garantida.
“O desporto não é desporto quando não existe relação entre esforço e recompensa. Não é desporto se o sucesso é garantido ou se a derrota não importa”, disse o catalão, ressalvando uma opinião definitiva sobre o assunto quando tiver mais informações.
Mas no ringue tudo pode acontecer e o lado da Superliga Europeia, que perdia claramente na opinião pública, ganhava um ponto nos tribunais ao ver um tribunal do comércio de Madrid determinar medidas cautelares para impedir qualquer ação que inviabilizasse a competição.
As medidas cautelares visavam impedir ações da FIFA, UEFA e todas as suas federações ou ligas associadas que “proíbam, restrinjam, limitem ou condicionem de qualquer maneira, direta ou indiretamente, o avanço da Superliga”.
Da mesma forma, segundo a EFE, o tribunal proibiu que se adotassem “quaisquer medidas sancionatórias ou disciplinares contras os clubes participantes [na Superliga europeia], os seus jogadores ou dirigentes”.
Mas à medida que a tarde avançava tornava-se claro que aquela era a única vitória do lado dos dissidentes. Primeiro, surgiram notícias de que um dos clubes ingleses do grupo dos fundadores não estava certo do projeto e que ponderava sair. Pouco depois, já eram dois. Mais tarde ficámos a saber que em causa estavam os londrinos do Chelsea e os azuis de Manchester.
Perante a informação veiculada na comunicação social, centenas de adeptos reuniram-se à porta de Stamford Bridge, casa dos Blues, para protestar contra a competição e, depois, para celebrar a decisão de recuo do clube, mesmo que esta só tenha sido oficializada muitas horas depois.
Perante protestos, intervenções políticas e institucionais, tanto do futebol como da sociedade civil, o Manchester City foi o primeiro a recuar e a anunciar que iria deixar a Superliga Europeia. Poucas horas depois, Arsenal, Liverpool, Tottenham e Manchester United também abandonaram a organização da prova.
Quarta-feira, dia 21 de abril
Os primeiros minutos da quarta-feira trouxeram a confirmação daquilo que já todos antecipávamos: o Chelsea estava fora da Superliga, perfazendo um Brexit da competição e cortando para metade o número de clubes presentes na mesma.
Já pela uma da manhã, a organização da Superliga Europeia reagiu, afirmando que "apesar da anunciada partida dos clubes ingleses, forçados a tal decisão devido à pressão exercida sobre eles, estamos convencidos de que a nossa proposta está completamente alinhada com as leis e regulamentos europeus, como foi demonstrado pela recente decisão judicial de proteger os direitos da Superliga".
Aquela estrutura acrescentou ainda que "dadas as correntes circunstâncias, vamos reconsiderar os passos a dar para remodelar o projeto, tendo sempre em conta que os nossos principais objetivos são oferecer aos adeptos a melhor experiência possível, além de garantir os mecanismos de solidariedade para toda a comunidade do futebol."
Mas quando o dia nasceu, percebemos que as saídas não tinham ficado por ali, com Atlético de Madrid e o Inter Milão a abandonarem o projeto da criação de uma Superliga e resumindo o grupo de fundadores a quatro equipas: AC Milan, Juventus, FC Barcelona e Real Madrid.
Os emblemas italianos pronunciaram-se ainda durante o dia, afirmando reconhecer a necessidade de avaliar o projeto, ao passo que o FC Barcelona fez depender a sua permanência da aprovação (vontade) dos sócios. O Real Madrid é o único dos 12 clubes fundadores da competição que ainda não emitiu uma posição oficial sobre o tema.
Este foi o verdadeiro dia da derrota da Superliga, consumada pelo presidente da Juventus, Andrea Agnelli, que admitiu que o projeto não podia continuar com cinco ou seis equipas.
Agnelli, que falou antes de ter sido também oficializada a saída de Atlético de Madrid e Inter de Milão, disse à Reuters estar convicto da importância que a Superliga teria, mas admitiu que, naquelas circunstâncias, o projeto não tinha condições para avançar.
“Continuo convicto da beleza do projeto, do valor que poderia ter dado à pirâmide, da criação da melhor competição do mundo. Mas admito que não seja assim. Agora não acredito que o projeto esteja pronto para avançar”, considerou.
Também nesta quarta-feira, numa nova entrevista, desta feita ao programa El Larguero, da rádio espanhola Cadena Ser, Florentino Pérez manifestou-se “triste e dececionado” com a suspensão da nova competição europeia de futebol, mas também “surpreendido” com o que considerou ser uma campanha orquestrada pelo presidente da UEFA.
Pérez deixou duras críticas a Aleksander Ceferin, que se manifestou contra a criação da Superliga e que ameaçou excluir da UEFA todos os clubes que integrassem a recém-criada competição.
“Nunca vi tamanha agressividade como aquela manifestada pelo presidente da UEFA e por alguns presidentes de Ligas, de forma orquestrada. Surpreendeu-nos a todos. Depois de anunciarmos a notícia, pedimos uma reunião com o presidente [Ceferin], mas ele nem nos respondeu. Nunca vi tanta agressividade, ameaças e insultos, como se tivéssemos morto o futebol. Trabalhámos, sim, para ajudar a salvar o futebol”, afirmou.
Florentino Pérez admitiu que “o projeto da Superliga ficou em ‘stand-by’” e que Juventus e AC Milan “não desistiram” da prova, enquanto o FC Barcelona “está em reflexão”.
“Estamos há muitos anos a trabalhar num projeto que não fui capaz de explicar. Estou triste e dececionado. Era algo fácil de entender, a Liga é intocável e é preciso arrecadar dinheiro nos jogos a meio da semana. O formato da Liga dos Campeões está obsoleto e só tem interesse a partir dos quartos de final”, referiu o presidente do Real Madrid e da Superliga.
O presidente do Real Madrid e da Superliga disse ainda que o protesto de adeptos do Chelsea “eram umas 40 pessoas e sei quem as levou”
Quinta-feira, dia 22 de abril
Ao quinto dia, a polémica acalmou. Sem grandes desenvolvimentos, o dia ficou marcado por uma entrevista do presidente da UEFA a um canal esloveno em que este garantia que as meias-finais da Liga dos Campeões, onde se encontra o Real Madrid, uma das equipas que não arredou pé da Superliga, iriam decorrer normalmente.
"Há relativamente poucas hipóteses das partidas não serem disputadas, mas no futuro será diferente", disse o dirigente. “O fundamental é que a temporada já começou. Se cancelarmos os jogos, as redes de televisão vão exigir indenização”, explicou.
Sexta-feira, dia 23 de abril
A sexta-feira começou com uma declaração do banco norte-americano JP Morgan que reconheceu ter avaliado mal o projeto da Superliga europeia de futebol, que iria financiar com cerca de quatro mil milhões de euros.
"Obviamente, avaliámos mal como esta operação seria percebida pelo mundo do futebol em geral e o impacto que teria no futuro. Vamos aprender as lições", disse um porta-voz do banco.
Contudo, o banco não revelou se vai cortar definitivamente as ligações com a Superliga.
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