O mundo dos negócios é como um xadrez. A equipa executiva de qualquer empresa, independentemente da indústria da qual faz parte, está quase sempre a pensar no seu posicionamento a 6 meses, a 1 ano ou a 5 anos e as jogadas necessárias para chegar onde quer. Há uma entrevista popular de Jeff Bezos em que ele afirma já saber com alguma certeza quais é vão ser os resultados financeiros da Amazon três anos à frente e que, enquanto organização, ele estava a prepará-la para esse período e não para quaisquer desafios que estivessem a decorrer no presente. À partida, a maior parte deles já tinham sido identificados com alguma antecedência.
Claro que nem todas as empresas conseguem fazer isto e é por isso que dois dos fatores de diferenciação no mercado são a capacidade de planeamento e a eficiência operacional ou, por outras palavras, o talento de antecipar problemas e a capacidade de desenvolver soluções para os resolver da melhor maneira.
São estes as duas grandes incógnitas que estão a ser colocadas à Tesla, em 2024. A maior marca de automóveis no mundo (em termos de valor de mercado) apresentou na semana passada os dados de produção e de entregas para o primeiro trimestre do ano e não foram nada animadores.
- A produção caiu 1,7% face ao mesmo período de 2023 para 433.371 carros.
- O volume de entregas foi 8.5% inferior ao registado no mesmo intervalo em 2023, com 386.810 veículos elétricos.
Foi a primeira vez que a empresa liderada por Elon Musk teve uma redução nas entregas, desde 2020, o que levantou uma série de questões relativamente ao seu momento atual. Por um lado, o que está a causar está a causar esta evolução negativa. Por outro, se esta tendência significará uma espécie de fim do estado de graça que a Tesla goza desde a pandemia.
Entre o previsível e o imprevisível
Em defesa de Musk e do argumento feito no início deste texto, o bilionário avisou em janeiro que os resultados da Tesla poderiam ser mais fracos neste início de ano. A produtora automóvel já trazia de 2023 algumas informações que indicavam que tal era passível de acontecer. O contexto económico mundial, com taxas de juro mais altas e redução do poder de compra, teria inevitavelmente um impacto na procura por carros elétricos, mesmo que continuem a representar uma fatia crescente no mercado. Foi por este motivo que a Tesla decidiu aplicar descontos em vários dos seus modelos, uma iniciativa que, ao que tudo indica, acabou por não ter o sucesso de tentativas anteriores.
Ao mesmo tempo, o maior mercado automóvel do mundo - a China - apresenta-se como um desafio cada vez maior para as aspirações da empresa americana. No último trimestre de 2023, a marca chinesa BYD ultrapassou a Tesla em volume de veículos vendidos e já este ano a também chinesa Xiaomi anunciou o seu primeiro veículo elétrico que, dada a familiaridade, poderá roubar alguma quota de mercado. Face a isto, Musk deu ordem para diminuir a produção na fábrica da Tesla em Xangai e reajustou os horários de trabalho de seis dias e meio por semana para cinco.
Internamente, a marca enfrentava uma série de problemas ao nível dos seus carros. Em primeiro lugar, o Cybertruck, um modelo muito antecipado pela Tesla e com o qual procurou criar um grande “hype”, recebeu reviews mistas e as vendas, que começaram em dezembro, não tiveram o impacto esperado. Em segundo lugar, o Autopilot, que foi marketizado pela empresa como um sistema de condução autonónoma, provocou uma série de acidentes e de processos judiciais para empresa, tanto que foi obrigada a emitir um alerta para mais de 2 milhões de veículos e fazer uma atualização remota. No mesmo comunicado de janeiro, Musk disse que parte da redução da produção na Tesla ia dever-se a uma refinação dos seus processos de produção para preparar o ano de 2025 e novos modelos.
Adicionalmente, eventos alheios acontecem em todos os negócios e a Tesla não foi exceção no início de 2024: em janeiro, um ataque de milícias no Mar Vermelho quebrou a cadeia de abastecimento de componentes da Tesla e levou a empresa a suspender a produção na sua fábrica de Berlim; em março, um conjunto de ativistas ambientais incendiaram uma infraestrutura essencial nessa mesma fábrica, impedindo que tivesse força operacional suficiente para funcionar, obrigando a nova suspensão.
No entanto, o maior imprevisto parece mesmo ser o comportamento de Elon Musk.
- No último ano, a gestão do X (ex-Twitter), rede social que comprou por 44 mil milhões de dólares, tem levado a que esteja regularmente presente em controvérsias na praça pública. Sendo a cara da Tesla, algumas das suas ações podem ter afastado alguns compradores.
- Cada vez mais investidores têm dúvidas quanto à alocação de tempo de Musk aos seus diferentes negócios. O empresário é atualmente CEO da Tesla, da SpaceX, da Neuralink, da xAI e responsável de produto da X. É inevitável que várias pessoas questionem a sua capacidade de supervisionar todos estes negócios e que alguns deles, nomeadamente a Tesla (o mais valioso), estejam a sofrer com isso.
De Magnífico a Besta?
A Tesla foi uma das empresas mais queridas dos mercados financeiros no durante e pós-pandemia. O seu valor de mercado chegou a ultrapassar o bilião de dólares (trillion em inglês) e o crescimento estratosférico levou a que entrasse num grupo de elite de empresas americanas - os “Magnificent Seven” ou Sete Magníficos - onde estão a Apple, a Microsoft, a Alphabet, a Amazon, a Meta e a NVIDIA.
Contudo, no início deste ano, a sua performance em Bolsa tem sido bastante diferente da dos seus pares. Enquanto a maior parte deles (com exceção da Apple) tem experienciado crescimentos significativos em Bolsa, a Tesla perdeu mais de 33% do seu valor total. A tendência completamente oposta cria uma pressão ainda maior na empresa para apresentar resultados semelhantes.
Dito isto, é perfeitamente normal empresas terem fases menos boas e de recalibração do seu negócio. Qualquer uma das outras magníficas já a teve: foi o caso recente da Meta, que não teve uma primeira metade de 2023 nada fácil. Mas uma das principais diferenças da Tesla para as restantes empresas tem a ver com a correspondência entre o seu valor e a quota de mercado do setor em que operam.
- A Apple tem o iPhone e restantes wearables. A Microsoft é lider em aplicações para empresas. A Amazon é a referência no ecommerce. A Alphabet comanda a nossa entrada na Internet. A Meta tem as redes sociais onde passamos mais tempo. A NVIDIA desenha chips e tem infraestrutura para quem quer produzir IA.
A Tesla é “apenas” a 14.ª marca automóvel em termos de vendas, apesar de ser a mais valiosa no mercado. É verdade que ainda estamos nos primórdios da realidade elétrica, mas o enigma é perceber se, de facto, a Tesla tem o planeamento e as solução para ser líder desse universo ou se acabará ultrapassada pelos principais rivais.
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