Ao final da tarde, numa véspera de fim de semana prolongado que antecede um feriado, o movimento de pessoas nas ruas pedonais da baixa de Faro destoa das iluminações de Natal, que procuram despertar o espírito da quadra.

Ao longo das várias artérias do comércio local que a Lusa percorreu, são poucos os cidadãos que entram e saem das lojas e os comerciantes atestam que o movimento está longe do normal nesta época.

“Está muito calminho, estávamos à espera de mais pessoas, especialmente nestes dias [antes do feriado], mas a cidade tem estado vazia, há poucas pessoas”, afirma à Lusa o proprietário de uma sapataria.

Com grande parte dos clientes “de fora do concelho”, Luís Costa sublinha que a proibição de circulação entre concelhos imposta pelo Governo no âmbito do combate à covid-19 traz consigo uma perspetiva “negativa” para mais um fim de semana prolongado.

O comerciante ainda coloca alguma esperança nos “clientes habituais” e “na semana antes do Natal”, altura que se compram as “prendas de última hora”.

Nas montras das lojas são visíveis anúncios de promoções e decorações que apelam à habitual troca de prendas de Natal. À passagem por uma perfumaria, os aromas despertam o estímulo de compra e no interior a esperança é que “ainda venha a correr bem”, confidencia uma das empregadas.

Habituada a vários Natais com enchentes, Maria João Correia afirma que este ano os descontos “até são superiores aos do ano passado”, mas as “restrições” impedem que os clientes de “outros lados” venham à loja nos fim de semana “dos feriados”.

A ausência de estrangeiros que “movimentavam a rua” também é notada, quebrando a dinâmica de consumo onde “as pessoas de uns negócios consumiam nos outros”.

No entanto, lamenta, “quem não ganha de um lado não gasta no outro”. E questiona: “Nós no Algarve vivemos do quê?”.

Posição mais conformada manifesta José Lourenço, funcionário de uma loja de roupa, revelando que a situação é bem diferente da “dos últimos anos”, mas crente de que “há sacrifícios” que é preciso suportar.

“Vamos ter uns meses bem difíceis, mas creio que a vacina vai ter um impacto impressionante na moral das pessoas e mudar completamente a situação que estamos a viver”, destaca.

Preocupada com atual situação do setor, a Associação do Comércio e Serviços da Região do Algarve (ACRAL) realizou um inquérito em novembro junto dos seus associados e as mais de 300 respostas recebidas deixaram “preocupado” o seu presidente.

Paulo Alentejano revela que a situação é “muito grave”, com “um grupo muito alargado” de empresários a equacionar “despedimentos” ou o “encerramento da atividade”.

O responsável dá conta de “um desalento” por parte dos associados, que não acreditam numa retoma “antes de 2022”, ao que “se soma” o facto de “os apoios tardarem a chegar”.

Numa tentativa de dinamização do comércio local, a ACRAL está a promover com algumas câmaras municipais uma campanha de cupões, onde a cada compra o cliente se habilita a vales de compras nas lojas do comércio local da cidade.

O objetivo é criar “um movimento de compras cruzadas no comercio” à qual se soma também um “incentivo às crianças do ensino primário a ganharem cheques prendas para descontar no comércio local”, conclui.

Natal perdido na fronteira

A agência Lusa visitou também a localidade fronteiriça do distrito de Faro, habitualmente muito procurada nesta época por espanhóis pelos seus produtos atoalhados e artesanato, mas que agora regista uma acentuada quebra no movimento de turistas devido às restrições impostas pela pandemia de covid-19.

“Em 35 anos de empresário, a situação mais difícil é logicamente esta, porque nunca ninguém estava à espera de que estivéssemos numa situação destas”, afirmou à Lusa Luís Camarada, empresário de um grupo de estabelecimentos de restauração e hotelaria, que admitiu estar a pensar “fechar no Natal” devido à ausência de turistas e visitantes provenientes de Espanha.

Apesar de o verão ter sido um período com “alguma recuperação” do negócio, depois de um início de ano em que os estabelecimentos estiveram “muito tempo fechados”, a situação voltou a agravar-se com as restrições impostas na segunda vaga de infeções pelo novo coronavírus (SARS-Cov-2) e vai levar muitos comércios a encerrar.

“Agora, de há dois meses para cá, a situação tem estado extremamente grave, não sabemos como vamos subsistir, e provavelmente muitos de nós vamos fechar, porque não há alternativas, os apoios que existem são muito diminutos e a situação é extremamente grave”, advertiu.

Luís Camarada afirmou que, por isso, durante o Natal, o seu grupo “não vai trabalhar”, uma vez que os espanhóis não poderão ir a Vila Real de Santo António e são um mercado que “representava 75% da atividade” comercial antes da pandemia, quantificou.

Maria Adelaide, que gere uma loja de atoalhados na praça central da cidade, reconheceu que “tem sido muito complicado e difícil ter os estabelecimentos abertos, tanto pela falta de espanhóis, como de portugueses”, mas também “outros visitantes estrangeiros, como ingleses”, cuja ausência está a fazer com que as lojas “não faturem”.

“O Natal vai ser muito complicado e ninguém o vai já salvar, porque temos as fronteiras fechadas, mas também os concelhos, e os nossos clientes de Tavira, Faro, Olhão e Portimão não vão poder vir”, lamentou, assegurando que desta forma será “muito difícil mesmo” manter as portas abertas, embora esteja a “fazer das tripas coração para poder aguentar e garantir que o comércio continua”.

Armindo Veia também tem um quiosque de artesanato na Praça Marquês de Pombal e, se numa situação de normalidade, o negócio “de verão funciona razoavelmente”, embora no inverno as vendas baixassem muito, agora com o “confinamento” e “a ausência de espanhóis” as “vendas caíram 90%”.

“Há dias que abro e não funciona, não consigo vender nem um euro sequer, até chegar ao ponto de ter de fechar e abrir quando o tempo está bom. Mas não vejo muitas perspetivas para que isto funcione”, afirmou, mostrando-se convicto de que o Natal até não vai funcionar como é habitual.

As medidas para combater a covid-19 paralisaram setores inteiros da economia mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou que a pandemia reverterá os progressos feitos desde os anos de 1990, em termos de pobreza, e aumentará a desigualdade.

Para Portugal, o FMI prevê uma queda de 10% em 2020, e uma recuperação de 6,5% para 2021.

Estas previsões diferem das do Governo português, que antecipa uma queda da economia de 8,5% este ano, e uma recuperação de 5,4% em 2021.