Paulo Pereira andou durante anos com um segredo guardado na mala que partilhava com aqueles a quem ensinava a sua arte ou que faziam parte do seu círculo de amizades. “Durante 10 anos fiz destilações, feitas em contexto de aula e em casa. Experimentava plantas e ervas presentes na minha memória sensorial”, uma reminiscência que remonta às suas suas origens, a Arganil, recorda este professor da Escola de Hotelaria Douro-Lamego.
Amicis. Do latim, amigos, é um “gin ligado às origens”, diz. “É produto diferenciador, tem uma identidade com a região, é inspirado nas Beiras, que estão bem presentes nas linhas do rótulo, onde estão desenhadas as serras da Lousã e de Sicó”, descreve.
A ligação ao solo não se fica pelos desenhos, mistura-se com os produtos da terra colhidos ao longo do ano. Ao todo, 14 botânicos: flor carqueja, que dá o toque floral, colhida em maio, erva Santa Maria e Eucalipto (que dão frescura), em abril, o alecrim (março-abril), noz (setembro) e o mel de urze, extraído durante todo o ano.
Com o conhecimento adquirido em cursos de escanção, por exemplo, acrescentou o “lado mais prático”, assimilado na aprendizagem ao lado do avô, que fazia “destilações de bagaços de mel, tinha uma produção própria, com um alambique em casa”, recorda.
Depois das “mono-destilações e blends que dava a provar às pessoas da área e às mais próximas” — um tempo que aproveitou para “projetar e arquitetar” o produto — foi incentivado, “nos últimos cinco anos", a "engarrafar o gin e a trabalhar mais a sério no projeto”. O “clique” surgiu em 2016, durante a segunda temporada do programa televisivo (SIC) “Lago dos Tubarões”, emitido em novembro de 2016.
Ali encontrou os “parceiros estratégicos” e ficou com “29%” da empresa. O produto conquistou, numa primeira fase, os três “tubarões (Mário Ferreira, Marco Galinha e João Rafael Koehler)”, cada qual com um investimento inicial de 13.300 euros. Hoje, Marco Galinha, CEO do Grupo Bel, é único que se mantém. Juntaram-se depois “Paulo Pereira e Miguel Gonçalves (ligado à área do turismo)” e foi “acordada uma forma de parceria”, informa Raquel Santos, gestora de projetos do Grupo Bel. “Não estipulámos valores, garantimos mil unidades no mercado, o que é suportado por nós. É uma abordagem mais justa do que dar 100 ou 200 mil euros”, adianta.
Num grupo que integra empresas de “engenharia aeroespacial, cafés e torneiras”, enumera, “investimos nas marcas e gostamos de conhecer as histórias das marcas”, diz Raquel Santos. “Uma marca é mais do que dinheiro e investimento. Temos o nosso papel, que não é só financeiro. Não esquecemos a essência e origem da marca”, acrescenta a responsável do Grupo Bel.
“Em 2016, fizemos um teste de mercado durante um ano e meio”. O resultado não podia ser melhor. O Amicis venceu “uma medalha num concurso em Bruxelas”, que serviu para alavancar o projeto. “Em 2018 fizemos o rebranding da marca, investindo 50 mil euros”, informa. “A cor, de cobre, remete para os alambiques onde fazemos o gin, na zona de Coimbra”, explica.
O “foco é o mercado premium. Hotelaria de luxo e zonas gourmet. Somos parceiros do Benfica, onde temos um camarote e um lounge”, sublinha. O Amicis tem atualmente “20%” da quota de mercado dos gins portugueses. "2020, será o ano de afirmação a nível interno e das exportações”, aponta Raquel Santos.
A exportação “representa, hoje, 5% da faturação (de um total 100 mil euros)”, divulga. “Embora seja uma minoria, regista-se um crescimento de 70%. Temos acordos com Canadá, Europa Central e Norte, Suíça e estamos a entrar na América do Sul, onde o mercado está a crescer. É uma aposta”, assume.
Quando olha para o setor e avisa que “já passou o boom do gin” e agora “procura-se qualidade”, frisa. “As marcas portuguesas têm muito por mostrar no gin. O que fazemos é muito bom. Falta consolidar a nível internacional, sendo difícil combater os gigantes, mas é um grande desafio”.
A outra dificuldade de um setor (destilados) que emprega “10 mil pessoas” e vale “700 milhões de euros” — num universo em que o vinho “vale 50%, a cerveja, 30% e o restante é ocupado pelos destilados” — prende-se com os impostos. "Gostaríamos de, pelo menos, ter estabilidade no que toca aos impostos”, diz Raquel Santos, acrescentando que “estabilizar daria margem de manobra para cimentar a nossa estratégia. Estamos a travar o crescimento de marcas portuguesas e a chegada de bons produtos ao mercado”, alerta.
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