Durante dois anos consecutivos, em 2013 e 2014, teve lugar um evento que atraiu as atenções em Angola. O“Angola Wine Festival”, realizado em Luanda, foi um evento que reuniu produtores de mais de cinco países (com destaque para Portugal, África do Sul, França e Espanha), distribuidores, consumidores e comunicação social em provas de vinho, showcooking e ações culturais. Os apreciadores de vinho estavam expectantes em relação à terceira edição, mas esta não veio a acontecer em 2015, ano em que as exportações de vinho para Angola conheceram a sua primeira queda depois de uma década de resultados positivos.

A crise económica no país interrompeu a rota de crescimento que o mercado dos vinhos vinha a registar e em que Portugal era o principal ganhador, já que liderava - e lidera - as exportações  do produto para Angola. Mas, apesar do balde de água fria, os promotores e as empresas não retiraram as suas fichas deste tabuleiro - o potencial continua lá.

Portugal e África do Sul têm disputado a hegemonia no mercado angolano e, por isso mesmo, mantiveram a regularidade dos eventos ao longo dos três últimos anos, embora em menor dimensão. Portugal, quer através da ViniPortugal, quer através de comissões vitivinícolas regionais, como a do Alentejo - que organiza provas de vinho no país há onze anos – é, de longe, quem mais investe em ações de marketing e formação.

“É uma abordagem de médio/longo prazo semelhante à nossa abordagem aos EUA, e que tem vindo a dar resultados. Hoje temos cada vez mais interessados em saber mais sobre Vinhos de Portugal, temos já no mercado angolano um jornalista que escreve sobre vinhos e um conjunto de líderes de opinião que nos ajudam muito na promoção da marca junto do consumidor, o que não acontecia no passado. Em fevereiro último este grupo de líderes de opinião teve a oportunidade de visitar novamente Portugal, pela segunda vez”, informou Sónia Vieira, coordenadora de Promoção e Formação da ViniPortugal.

A aposta das ações de promoção visa um investimento grande na educação dos profissionais e ações de notoriedade de marca, pois “Portugal continua a ser líder de mercado, com ¾ de quota face à concorrência, por isso é fundamental ter um plano estratégico de promoção contínuo”. Além disso, acrescenta Sónia Vieira: “os resultados que temos obtido ao longo dos últimos anos revelam de facto um aumento de interesse por vinhos portugueses e acima de tudo um reconhecimento crescente da qualidade que Portugal produz e uma exploração por parte do consumidor de outras regiões portuguesas na hora de comprar, assim como outros perfis de vinhos”.

Apesar dos efeitos negativos da conjuntura económica atual de Angola no negócio do vinho, Sónia Vieira garante que será mantido o plano de investimento em ações de promoção e formação. “Em  2018 iremos manter o momento alto do nosso plano de promoção, a Grande Prova dos Vinhos de Portugal, que será no dia 28 de junho no Hotel Convenções de Talatona (HCTA), em Luanda”.

créditos: ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Depois de uma grande quebra em 2016, houve recuperação em 2017

Em 2017, as exportações de vinho para Angola registaram uma recuperação, face a 2016, segundo dados analisados pelo SAPO24. 2016 foi um ano em que o valor global das vendas externas ao mercado angolano desceu 57,5%, em consequência do cenário económico que o país viveu a partir de 2014.

Ainda não estão disponíveis os dados globais de 2017 sobre a importação de vinho em Angola, mas sabe-se que Portugal se mantém na liderança do mercado com mais de 70% das vendas, à frente da Espanha, França, África do Sul e Itália, países com os quais constituiu, em 2016, o “Top 5” dos maiores exportadores de vinho para o mercado angolano. Depois de uma queda de 55% em 2016, as exportações de vinho português a Angola obtiveram um crescimento de 39,9% em valor. “Significou fechar o ano com o mercado a valer 45 milhões de euros e recuperar um lugar no ranking das exportações portuguesas de vinho, para o sétimo”, disse a ViniPortugal ao SAPO24.

A instituição que cuida da promoção dos vinhos portugueses no exterior reconhece que a crise cambial em Angola afetou “muito” as exportações para o país, sendo que o ano de 2016 foi a confirmação do cenário negativo já verificado em 2015. “Se em 2015 a queda das exportações já tinha sido significativa, -16,4% no volume e -23,7% no valor, ou seja, menos 22,5 milhões de euros exportados para Angola, em 2016 a queda foi ainda mais acentuada, com as vendas a atingirem menos de 40 milhões de Euros”, detalha a ViniPortugal numa entrevista por email.  Em valores acumulados, depois de ter atingido em 2014 cerca de 90 milhões de euros, no final de 2016 esse valor não passou dos 33 milhões. “Esta queda acumulada atirou Angola, enquanto destino das nossas exportações, do 1º lugar em 2014 para o 8º lugar em 2016”.

Entretanto, se Portugal recupera de uma queda de 55% do valor das exportações de vinho a Angola, a África do Sul, apontada como o principal concorrente português, teve em 2016 uma quebra de 69,3% do valor das vendas, cedendo assim o segundo lugar à Espanha. Em entrevista ao site Wineland, Matome Mbatha, responsável dos Vinhos da África do Sul em Angola (WOSA, na sigla em inglês) “o mercado angolano é promissor” e pretendem aproveitar as “boas estimativas” de crescimento da economia angolana para investir nesse mercado, não só em canais de distribuição, através de uma parceria com a Shoprite, cadeia de supermercados sul-africanos, mas também na promoção de provas e ações de formação junto dos consumidores, jornalistas e comerciantes.

Por sua vez, Espanha, que em 2016 respondia por 8,9% do valor das exportações de vinhos a Angola, registou uma quebra de 52% naquele ano, ao passo que França, que se manteve como o terceiro maior exportador, viu reduzido o valor das exportações em 74%. Já Itália, posicionada em quinto lugar, registou um aumento de 23,9% do valor das suas exportações de vinho a Angola.

créditos: JOSÉ COELHO/LUSA

Mercado formal já representa mais 60%

Sendo Angola um país onde os níveis de informalidade da economia rondam os 60%, durante muitos anos, o mercado informal foi, segundo fontes consultadas, o principal canal de distribuição de vinhos. A ViniPortugal considera, porém, que  nos últimos anos, o mercado mudou muito. “Hoje, o mercado formal já representa certamente mais de 60% da totalidade dos canais de distribuição. O crescimento nos últimos anos das cadeias de hipermercados, com lojas especializadas no interior das grandes superfícies, com colaboradores alocados no sentido de prestarem um melhor aconselhamento ao cliente, tem vindo a contribuir para que cada vez mais os  consumidores recorram a este canal na hora de comprar vinho”, afirma a organização.

Segunda esta entidade, o canal HORECA é também um dos meios de distribuição de maior relevância, mas, dada a conjuntura económica atual, perdeu algum peso. “O supermercado e as lojas de proximidade são de facto onde se adquire mais vinho em Angola”, reforçou a ViniPortugal.

No período de 2003-2013, segundo o estudo da ViniPortugal, o consumo agregado de vinho em Angola registou um aumento superior ao consumo por habitante. Em 2013, o consumo de vinho estabeleceu-se nos 1.140 mil hectolitros, aumentando 129%, ao passo que o consumo por habitante cresceu dos 3,22 para 5,31 litros, registando um aumento de 65%, embora estes valores de consumo per capita estejam “ainda bastante longe do consumo de vinho em Portugal”, estimado, naquele ano, em 42 livros por habitante, lê-se no documento.

Em Angola, o vinho ainda perde terreno para cerveja, que é a bebida alcoólica mais apreciada, porém, a cada ano, intensificam-se as ações de promoção do vinho. Segundo Sónia Vieira, coordenadora de Promoção e Formação da ViniPortugal, os estratos sociais mais altos são os que consomem mais vinho, assim como nos meios urbanos é onde está concentrada a maior fatia do consumo.  “O vinho está muito associado à celebração, a momentos de consumo em casa, entre amigos, e é aqui que está concentrado o grande consumo”, diz, acrescentado que o consumidor angolano “é muito fiel a marcas, especialmente na gama premium, e dado ter uma curiosidade grande em experimentar novas propostas, é muito aberto a recomendações”.

Consumidores cada vez mais exigentes

O director-geral da Angonabeiro, empresa responsável pelos vinhos da Adega Mayor [Grupo Delta], reforça que “o vinho é um produto bastante apreciado em Angola, em especial o tinto”, sendo que “tem registado uma evolução no consumo, que refreou um pouco com a crise”. Segundo Pedro Santos Ribeiro, “nota-se também um crescimento do conhecimento dos consumidores a nível de castas e regiões e a preferência por vinhos portugueses, sul-africanos e chilenos”.

Questionado sobre os períodos em que mais se consome vinho em Angola, afirmou que se regista “alguma sazonalidade de consumo, com aumento do mesmo no cacimbo [estação seca que decorre de Maio a Agosto], provavelmente devido ao facto de as altas temperaturas do Verão pedirem bebidas mais frescas, apesar do vinho tinto em Angola também ser consumido ligeiramente refrigerado. É, no entanto, uma variação ligeira”.

créditos: NUNO VEIGA/LUSA

Por sua vez, Jacinta dos Santos, porta-voz do supermercado Candando, refere que o consumo de vinho em Angola “é regular em quase todos os meses do ano, excetuando nos períodos de feiras de vinhos e o Natal, em que o consumo aumenta, seja pela oportunidade de promoções, seja pelo momento, para oferecer a amigos e familiares”.

Segundo esta responsável, “o consumidor está cada vez mais conhecedor sobre os vinhos e nesse caminho vai evoluindo desde os vinhos mais económicos, para vinhos de qualidade e superiores”. No Candando, referiu, a maioria dos clientes procura vinhos tintos mas são os brancos e rosés que apresentam maiores crescimentos. “Trata-se claramente de um processo de conhecimento dos vinhos, de brancos e rosés bem frescos, num clima de Angola bem tropical. O consumidor começa também a saber com que pratos acompanhar cada vinho e nós damos uma ajuda com ações de showcooking onde apresentamos algumas combinações perfeitas de pratos e vinhos”.

Sobre a origem dos vinhos, que adquire através de vários distribuidores que operam em Angola, a porta-voz do Candando diz que comercializam produtos de França, Espanha, Portugal, Alemanha, Argentina, Chile, África do Sul, Nova Zelândia e EUA, mas têm mais saída os portugueses e sul-africanos. “Alguns dos distribuidores deixaram de operar em Angola nos últimos anos. Por esse facto, e com o propósito de apresentar, de manter a qualidade e diversidade da oferta a que habituou os seus clientes, o Candando acaba por ter necessidade de importar diretamente parte dos vinhos que comercializa”, disse Jacinta dos Santos.

Período 2003-2013: Uma década de crescimento

No período de 2003 a 2013, as exportações de vinho para Angola quase duplicaram no volume, o equivalente a 92%, e quintuplicaram no valor, passando de mais de 26 milhões de Euros para 129,7 milhões de euros exportados, aponta o estudo da ViniPortugal “Angola – Evolução da Posição Competitiva dos Vinhos Portugueses de 2003 a 2013”.

Segundo o documento, o preço médio de exportações registou, nessa década, um aumento de 160% para se estabelecer nos 1,35 Euros por litro. Nesse período, lê-se no documento, “as exportações de vinho com destino a Angola aumentaram regularmente até 2009, ano em que começaram a decrescer, tanto em volume como em valor. Todavia, se em volume retomaram o crescimento sem voltar a atingir o volume de 2008, em valor a retoma permitiu atingir em 2011 os valores de 2009”.

Em 20013, foram exportados para Angola 10,7 milhões de caixas – constituídas por 12 garrafas, o que totaliza nove litros cada -, equivalendo a 129,7 milhões de euros. Em termos de categorias do vinho, o maior aumento do preço médio das importações registou-se nos espumantes, que cresceram 19 vezes em dez anos, ao passo que o vinho engarrafado, a categoria mais importada por Angola (54% do valor das importações no período em análise), teve um aumento do preço médio de 114%, passando de 0,96 Euros para 2,05 Euros por litro, o que, por sua vez, fez aumentar o valor das exportações deste segmento em 381%. Finalmente, o segmento do granel, que representa 31% do total das exportações de vinho para Angola, “averbou um desempenho semelhante ao engarrafado, cujo aumento do preço médio (118%) levou a um aumento do valor de exportação (287%) ”.

Uma nota importante é que, se em 2003 o granel representava 69% do volume e 40% do valor total exportado para Angola, em 2013 o seu peso, em volume e valor, era de 64% e 31%, respetivamente, o que demonstra uma redução significativa do peso do granel no total de vinho importado por Angola.

Refira-se ainda que, ao longo dessa década, Portugal manteve-se como o maior fornecedor de vinho a Angola, tanto em volume como em valor, com uma quota de mercado de 65% no valor e 77% no valor em 2013.