Dirigindo-se à comissão parlamentar de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, para apresentar as prioridades da presidência portuguesa neste domínio, Augusto Santos Silva, confrontado sem surpresa por vários eurodeputados com questões relativas ao acordo comercial com os países do Mercosul, garantiu que “a presidência está muito consciente das questões legitimas que o acordo com o Mercosul suscita, designadamente quanto à desflorestação, à preservação da biodiversidade e alguns aspetos ligados ao clima”.

“Temos as negociações concluídas. A perspetiva da presidência é que não possível reabrir as negociações, mas é possível clarificar o texto, é possível clarificar os compromissos, e essa clarificação de compromissos pode responder bem a todas as questões legitimas que têm sido colocadas sobre desflorestação, biodiversidade, ação climática, segurança alimentar, cumprimento dos ‘standards’ europeus, e é nisso que nós trabalharemos em estreita ligação com a Comissão Europeia e sempre muito atentos às propostas e ao escrutínio do Parlamento Europeu”, assegurou.

Reiterando que, do ponto de vista da presidência portuguesa do Conselho da UE, “o acordo com o Mercosul tem uma importância estratégica, geopolítica e económica fundamental para a União Europeia”, o chefe da diplomacia portuguesa insistiu que a intenção da presidência é “avançar na finalização do acordo”, que deve ainda ser ratificado, o que considerou fundamental até por uma questão de manutenção da credibilidade da Europa “nas negociações em curso com outras parcerias”.

“Apoiamos ativamente o exercício que foi lançado pela Comissão Europeia, que consiste não em reabrir o acordo com o Mercosul, mas sim em identificar necessários compromissos adicionais, trabalhando com os países do Mercosul para esse objetivo. É necessário haver clarificações, é necessário haver compromissos adicionais, e a presidência apoiará a Comissão Europeia no trabalho que está a fazer”, reforçou.

Santos Silva revelou aos eurodeputados que, a partir dos contactos que já teve oportunidade de fazer com os seus “colegas de países do Mercosul”, retirou “o sentimento de que também o Mercosul está bem consciente da necessidade destas clarificações adicionais” e quer trabalhar com a UE para ser alcançado “um bom resultado”.

Já na semana passada, e dirigindo-se também ao Parlamento Europeu, o primeiro-ministro e presidente em exercício do Conselho da UE, António Costa, defendera igualmente que o acordo com o Mercosul é um acordo “pela geopolítica da Europa” e servirá para garantir que o Atlântico não perde a “importância que tem”.

“O debate sobre o Mercosul não é em primeiro lugar um debate económico. Claro que todos sabemos que é o mais importante acordo económico que a Europa pode celebrar. Mas é, em primeiro lugar, um acordo pela geopolítica da Europa porque neste novo mundo global, o Atlântico não pode perder a importância que tem, deixando a nova centralização do mundo incidir no Indo-Pacífico”, referiu o primeiro-ministro, num debate no hemiciclo em 20 de janeiro.

O acordo comercial, alcançado em junho de 2019 entre a UE e os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), após duas décadas de negociações, deverá entrar em vigor ainda este ano, cabendo agora aos países europeus ratificá-lo.

No entanto, vários Estados-membros, eurodeputados e organizações da sociedade civil têm manifestado fortes reservas relativamente à ratificação do acordo, por terem preocupações relativas à sua compatibilidade com o cumprimento do Acordo de Paris e com o impacto que terá para o aquecimento global, apontando, entre vários problemas, a desflorestação da Amazónia.

MNE crê que reforma da OMC será “mais fácil” com administração Biden

No debate, Augusto Santos Silva defendeu que “é muito importante aproveitar este ‘momentum’ da relação” transatlântica “também na agenda comercial”, considerando que o contexto é agora mais favorável do que nos últimos quatro anos, após Joe Biden ter sucedido a Donald Trump na Casa Branca.

“Não devemos seguir os Estados Unidos, mas devemos trabalhar com os Estados Unidos. Desde logo, para resolvermos o presente vazio institucional [na OMC]. Por divergências que não puderam ser ultrapassadas no tempo da administração Trump, nós ainda não conseguimos o consenso necessário para a escolha do próximo ou da próxima diretora-geral. Esperamos que agora, com a administração Biden, o consenso seja mais fácil”, declarou o chefe da diplomacia portuguesa.

Apontando que a conferência ministerial da OMC deve ocorrer já no segundo semestre do ano, sob a próxima presidência eslovena do Conselho da UE, Santos Silva defendeu, todavia, que a União deve preparar-se “desde já para essa conferência” e deve “fazê-lo em coordenação com os Estados Unidos”.

“Devemos contar com os Estados Unidos na nossa ação para a reforma da OMC e devemos mover-nos para um ambiente amigável, favorável à solução de vários diferendos comerciais que temos hoje com os Estados Unidos, designadamente no setor aeronáutico”, afirmou.

Em novembro passado, a Organização Mundial do Comércio decidiu adiar uma reunião prevista para dia 09 desse mês para tentar escolher um novo diretor-geral, após a seleção ter sido bloqueada pelos Estados Unidos.

Oito candidatos - cinco homens e três mulheres - estavam na corrida à liderança da OMC, uma instituição em crise e que foi duramente criticada pelos Estados Unidos durante a administração Trump.

Após um processo de seleção que durou seis meses, foi anunciado no dia 28 de outubro que a candidata que estava em melhor posição para suceder ao brasileiro Roberto Azevedo era a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala.

Os Estados Unidos manifestaram, no entanto, a sua oposição a esta escolha e disseram apoiar a outra candidata, a sul-coreana Yoo Myung-hee.

O veto norte-americano mergulhou a OMC, onde as decisões são tomadas por consenso, na maior incerteza, uma vez que Azevedo deixou o cargo no final de agosto, um ano antes do previsto, tendo vários países entendido que era preferível adiar o processo por entenderem que não era possível um entendimento enquanto Donald Trump estivesse na Presidência norte-americana.