O Decreto-Lei n.º 75/2021 restaurou a esperança a todos os que tenham superado ou mitigado uma doença grave ou de deficiência, permitindo-lhes a normalidade na aquisição de determinado tipo de seguros e produtos financeiros.
Na Acreditar, associação que há quase trinta anos se justifica pela existência de crianças e jovens com cancro, a aprovação desse diploma foi uma boa notícia. Esta resultou de muito trabalho, levado a cabo sobretudo pelos grupos de sobreviventes de cancro pediátrico que trabalharam arduamente para verem consagrado um direito, a que deveriam ter “direito” sem a necessidade de uma lei específica para o efeito.
A sobrevida de um doente de cancro pediátrico é expectável e desejavelmente longa e por isso, melhor que ninguém, estes avaliam o impacto de não conseguirem comprar a sua primeira casa, fazer um seguro de saúde ou um seguro de vida. Estão no início das suas vidas. Venceram uma doença grave. Sentem vontade de viver, plena e livremente, sem terem de carregar o fardo da discriminação para o resto das suas vidas. Bem basta terem de se preocupar com a vigilância permanente da sua saúde para terem a certeza de que está tudo bem e que tudo vai continuar bem.
Em Julho de 2022, o decreto lei, que carece regulamentação para ser eficaz, permanece quase letra morta. Ao ser invocado, fica sempre na “boa vontade” de quem aceita ou não o contrato de seguro ou de financiamento pois não foram criadas as condições que levem à sua implementação.
Não é aqui o lugar para detalhar as condições técnicas que terão de existir para garantir a eficácia da legislação, mas é seguramente aqui que importa sensibilizar o cidadão, o político, o fazedor de opiniões, o decisor para a verdadeira ratoeira que é um sistema que consagra os direitos mais avançados, prometendo aos seus cidadãos um exercício pleno e justo da sua cidadania, mas que, na prática, não cria as condições para esse exercício.
Diria que essa é uma “tradição” legislativa em Portugal. É frequente legislarmos com arrojo e visão, mas não detalharmos logo - porque isso exige estudo, preparação e investimento - todas as condições que levem à exequibilidade de uma determinada legislação. Daria um pouco mais de trabalho no início, mas não criaria a falsa expectativa de que algo irá acontecer sem ter essa possibilidade real.
Seria bom escrever algo mais alegre e em tom de Verão uma vez que estamos em Julho e que o calor convida a conversas e temas mais leves, porém ainda não é possível porque deixamos uma parte decisiva do trabalho por fazer. É muito importante romper com esta tradição. É muito importante honrarmos os compromissos que assumimos. Esse será um legado que os sobreviventes com cancro, que trabalharam este projecto, querem deixar aos próximos sobreviventes com cancro e não podemos “tirar férias” deste seu desígnio.
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Sobre a Acreditar
A Acreditar existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.
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