“O que é o TikTok?”, perguntarão alguns leitores mais infoexcluídos que apenas usam redes sociais para comentar alarvidades em sites de notícias online (cf. comentários infra). Boa pergunta, o TikTok é uma rede social recente que começou a ganhar tracção, engagement e esses termos de start-ups, nos últimos tempos. Começou como todas as redes sociais, um lugar onde as crianças e adolescentes podiam fazer macacadas à vontade sem a supervisão dos adultos, mas, como todas as outras, viram chegar faixas etárias cada vez mais velhas para deturpar todo o conceito inicial. Viram também chegar influencers de outras redes que têm FOMO (pesquisem no Google que eu não sou vosso professor) e, com a sua chegada, deixou de ser um espaço de brincadeira e passou a ser um espaço de trabalho onde as pessoas se esforçam demais, desvirtuando assim tudo o que já era bastante mau. O que é feito no TikTok podia ser feito no Instagram, mas as pessoas começaram a fazer no TikTok porque no fundo tinham vergonha que a família e amigos vissem. Com o tempo, como foi ficando moda, as pessoas perderam a vergonha e começaram a partilhar os vídeos do TikTok também no Instagram e a querer ter o máximo de seguidores em ambas as redes. Quando o objectivo deixa de ser galhofa e passa a ser visualizações, já se sabe que o pior acontece.
Uma coisa é uma criança de 13 anos a fazer um desafio de dança. Outra coisa é o Roberto de 42, que vive em Mem Martins, a achar que tem de meter vídeos com coreografias mal feitas todos os dias. Isto é o mesmo que ver uma criança num parque infantil aos gritinhos e achar “Olha, não tem medo do ridículo, é feliz na inocência” ou então ver um adulto a fazer o mesmo e pensar “Este gajo é parvo? É atrasadinho ou acha que é engraçado?”. TikTok é isto, mas no telemóvel. Saudades de quando TikTok era só uma música da Kesha.
Com o surgimento das redes sociais o entretenimento tem vindo a ser transformado, cada vez mais, em fast food. O que funciona são formatos curtos: “não escrevas muito, o vídeo não pode ter mais do que três minutos, tem de caber tudo em 15 segundos para a story.” Com o TikTok não só o conceito de rapidez se mantém nessa comida enlatada como o próprio conteúdo é de consumo rápido. Algures no tempo, fazer coreografias todas iguais e playbacks com perucas passou a ser entretenimento e comédia. É conteúdo requentado dez vezes, mas as pessoas parecem gostar. Talvez seja o mesmo fenómeno que nos leva a ver aquele episódio do "How I Met Your Mother" pela 62ª vez enquanto jantamos. Queremos descansar o cérebro e estar em modo auto-piloto.
Quem tem mais seguidores no TikTok? Mulheres giras que fazem danças sensuais. É um bocado como todas as outras redes. O problema é que aqui a maioria dessas mulheres ainda são menores e têm milhares e seguidores que as devem estar a usar como metadona do Porn Hub. Não é pelas tuas incríveis capacidades de playback ou pelo teu talento para a dança que tens dois milhões de seguidores. É por um outro par de razões.
Claro que há quem faça bom conteúdo, há sempre quem consiga usar qualquer rede e ser interessante, engraçado ou entertainer. Há muitas ideias giras, apesar de nunca sabermos se é original ou apenas uma cópia de uma cópia de uma trend copiada que surgiu numa barraca na Ucrânia.
Depois, aos poucos, começaram a chegar os velhos sem noção. Os velhos sem noção são como a Covid, uma pessoa tenta manter distância social, mudar de rede, mas eles vêm atrás e rapidamente se espalham. Basta uma tia velha dizer num jantar de amigos que tem TikTok e de repente toda a gente está lá a fazer vídeos que fazem envergonhar os filhos e os tios a fazer comentários “És linda!” em miúdas de 16 anos.
O TikTok tem sido alvo de várias notícias que dão conta que pode ser uma aplicação perigosa porque os seus termos e condições são duvidosos e porque é uma aplicação chinesa e já se sabe que os chineses, além de cão, adoram dados para controlar e manipular populações. Não sei se é verdade ou não, acho que quem usa Facebook e outras redes não pode estar muito preocupado com a privacidade dos seus dados, mas mesmo que a China use os dados para efeitos nefastos, nada me parece pior do que a malta que faz mil playbacks com as vozes dos concorrentes do Big Brother. Nem me façam falar do TikTok do Kapinha e da família que se os chineses vêem isso, das duas uma: ou nunca vão ter coragem de nos invadir, ou vão enviar já as ogivas nucleares para matar o mal pela raiz. Usando linguagem de quem usa o TikTok, é capaz de ser a coisa mais cringe da Internet e já estou a contar com aquelas pessoas que partilham citações foleiras como indirecta a alguém.
Outra polémica é o facto de haver teorias que dizem que o TikTok censura, ou corta o alcance, de contas pertencentes a criadores de conteúdos obesos. Primeiro, chamar criador de conteúdo a alguém que abana as banhas num desafio de dança ou que faz playback, é um bocado exagero. Depois, é contraproducente, já que ao menos a fazerem as coreografias sempre é uma forma de levantarem o rabo e queimarem umas calorias. Se o TikTok os censura vão ter menos motivação. Além de que há sempre fails nesses desafios e poucas coisas divertem mais do que ver gordinhos a cair.
Posso ser eu a ficar um velho do Restelo, a achar que a juventude está perdida, é possível, não digo que não. Eu olho para o TikTok como os meus pais olham para as stories do Instagram, talvez. Grande parte do meu trabalho é criar conteúdo para as minhas redes sociais. Talvez encontre um conceito que me faça sentido para o TikTok, não digo desta água não beberei que eu antes não fazia stories no Instagram e agora às vezes pareço a Isabel Silva ou a Helena Coelho a partilhar merdas sem interesse nenhum.
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