A 10 de julho foram votados e chumbados os Projetos de Lei do BE, PAN, PEV, da deputada não inscrita Cristina Rodrigues e de um grupo de cidadãos que visavam impedir a utilização de dinheiros públicos para financiamento de atividades tauromáquicas. Estava em causa a liberdade de cada um e a autonomia do poder local.
Apesar da derrota na Assembleia da República, alguns cronistas insistiram no tema nos dias seguintes. Foi o caso do cronista Diogo Faro que, aqui no SAPO24 publicou um texto cheio de sarcasmo e ironia intitulado “Adoramos todos pagar para haver touradas”.
O problema destas iniciativas legislativas ou destes artigos de opinião, apelando de forma popular a um não financiamento de atividades taurinas, é que se baseiam em profundas mentiras, falsidades e hipocrisia. Não pretendo convencer ninguém a apreciar o espetáculo taurino numa ou nas suas inúmeras vertentes, no entanto penso que seja importante, até para com os leitores, repor a verdade dos factos, retirando assim as falsidades que surgiram pela mão daqueles que, não gostando de atividades taurinas (direito que lhes assiste), usaram mentiras para tentar chegar a um fim que pretendiam (e aqui já não é um direito deles).
Ficarei sempre com uma dúvida: os opinion makers que escreveram esses artigos e os deputados que as defenderam na AR, sabem que estão a mentir? Usando esse sistema para criar uma opinião de acordo com a sua vontade, ou, trata-se apenas de ignorância?
Tomando como exemplo (até porque saiu neste site de informação) o artigo de Diogo Faro, onde ele afirmava: “Entre financiamento público direto e isenções fiscais… são uns belos milhões por ano". Pela própria forma como escreve, assumindo que nada sabe do assunto, revela a sua ignorância. Esclarecendo: as touradas não recebem NENHUM subsídio do estado! Zero, nenhum, népias.
E isto acontece erradamente! As touradas são parte integrante da cultura, podem não servir os gostos de todos, mas é o que está definido. E são um dos poucos espetáculos culturais que não recebe qualquer subsídio.
De onde vem então o mito dos subsídios ou isenções fiscais às touradas?
O Campo Pequeno, praça de touros de Lisboa, é propriedade da Casa Pia. A Casa Pia é uma instituição de Solidariedade Social e por isso isenta de IMI. Por esse mesmo motivo, o Campo Pequeno, a sua sala de espetáculos e as suas lojas não paga, IMI. Não é por ser um recinto taurino, é porque os seus donos são isentos. Da mesma forma, há diversas praças de touros em Portugal, propriedade de Santas Casas da Misericórdia, que não pagam IMI, em virtude destas entidades estarem também isentas de imposto. Por outro lado, existem Praças de Touros que são propriedade de empresas (como a da minha terra, a Praça de Touros Daniel do Nascimento, na Moita, que é propriedade de uma sociedade por quotas) que, naturalmente, pagam IMI.
Outra questão que suscita esta mentira tem a ver com os apoios autárquicos. De uma forma geral, nenhuma câmara dá apoios económicos à realização de corridas de touros. Naturalmente, como para qualquer espetáculo, há maior policiamento nas ruas adjacentes e algumas alterações de trânsito quando as corridas acontecem, mas tal não pode ser considerado um apoio, trata-se antes da defesa do bem estar dos seus habitantes e de quem nos visita (qualquer autarquia faz o mesmo para uma prova de atletismo, um jogo de futebol ou um espetáculo musical).
As câmaras municipais dão apoios económicos, sim, a grupos e associações. Isso é um facto. Seja um clube de futebol, um clube do jogo da sueca ou… um grupo de forcados. As associações (desportivas, culturais, etc.) são o pulsar de uma sociedade que desejamos viva e atuante, logo, é natural este apoio por parte dos poderes autárquicos a estas associações.
Por outro lado, não se tratando de “touradas”, mas de outros festejos que envolvem o mundo taurino, é verdade que as autarquias subsidiam em muitos casos “largadas de touros”. Há municípios onde tal é feito por uma comissão de festas, outros há em que tal é feito pelas próprias autarquias (câmaras ou juntas de freguesia). Acontece que ver as despesas de uma festa e não olhar para as suas receitas é revelador de falta de carácter.
Por regra, quando uma câmara ou junta de freguesia, organiza as festas de uma dada região, vende (arrenda, para usarmos o termo correto), os terrados a feirantes. Ou seja, é com o dinheiro do arrendamento de terrados a feirantes que a autarquia organiza as festas… Sim, a autarquia “gasta” dinheiro nas largadas de touros, tal como gasta nos artistas que atuam (ou no fogo de artifício, ou nos arraiais), mas também é verdade que a autarquia recolhe dinheiro dos terrados e das licenças. De uma forma geral, as festas das várias terras não atingem os custos que muitos pensam e, na realidade, nas terras que possuem largadas (desde as largadas à corda dos Açores, até às de rua ou as da praia), o preço do aluguer dos touros é muito menor que o preço dos artistas que cantam, atraindo por vezes mais pessoas e aumentando assim a oferta pelos terrados.
Por aqui se comprova que as autarquias onde há tradições taurinas beneficiam dessas tradições e não têm custos com elas, e nem afloro a questão de lucros indirectos com o aumento de vendas de produtos (nos vários cafés e lojas) e, consequentemente, o aumento de receitas por via dos impostos.
Mas deixem-me ainda esclarecer a maior hipocrisia de toda esta história: as touradas são o único espetáculo cultural cujos bilhetes são taxados a 23% de IVA. Quando vai a um teatro, a um concerto ou qualquer outro espetáculo, o Estado apenas fica com 6% do bilhete que paga (IVA de 6%), quando vai a uma tourada, o Estado fica com 23% do valor do seu bilhete. Isto, sim, é anticonstitucional. Enquanto a tourada for considerada uma expressão cultural, o IVA dos seus bilhetes deveria ser do mesmo valor que todas as outras expressões culturais.
Considerei ainda muito curioso em toda esta discussão o facto de as mesmas pessoas que pedem mais verbas para a cultura, pedirem também que certos campos da cultura não os recebam. Mas será que ainda há quem se considere o dono da designação do que é ou não cultura?
Há quem não considere a tourada uma expressão cultural. Muitos diriam que estão no seu direito. Eu não o digo, pois na realidade não estão no seu direito.
Ninguém tem o direito de se advogar o detentor de dizer o que é cultura e o que não é. E, enquanto as touradas forem consideradas, por lei, parte integrante da cultura portuguesa, terão de receber do Ministério da Cultura o mesmo apoio que as outras formas de cultura recebem. Reparem que permitir que alguém diga que “A” ou “B” não são formas de cultura legitimas, é algo muito perigoso: Hitler, ao subir ao poder, também fez uma lista do que seria cultura e do que não seria… seguiram-se o queimar de livros em praça pública, havendo livros que o regime nazi não considerou como parte da cultura e, como tal, passaram a ser proibidos. Agora alguns querem considerar que as touradas não são cultura, e eu pergunto: o que se vai seguir? Talvez um dia surja alguém a dizer que apenas a música clássica é cultura e que não se pode apoiar concertos rock? Ou no desporto, que apenas o ténis é desporto e que não se deve apoiar o boxe?
Constitucionalmente, é proibido opiniões fascistas e neo-nazis de querer impor o que é cultura, de proibir certas demonstrações culturais. Há pessoas que não gostam da nova arte urbana, graffittis e afins… Têm o direito de a proibir nos seus espaços privados (daí ser proibido pintar estátuas ou imóveis privados). Mas essa arte, gostem dela ou não, tem o direito de existir e, por isso mesmo, são diversas as autarquias que encontram espaços (muros e afins) onde incentivam essa forma de arte.
A opinião revelada pelos deputados que apoiaram estas iniciativas legislativas (ou pelo cronista do SAPO24, Diogo Faro) é o de assumir que não gostam do antropocentrismo (conceção que considera que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos humanos), que não gosta do especismo (ponto de vista de que uma espécie, no caso a humana, tem todo o direito sobre as outras espécies).
Esclareço: eu defendo o antropocentrismo. Para mim, as pessoas estarão sempre em primeiro lugar. Irrita-me a frase “gosto mais do meu cãozinho do que de pessoas”. Irrita-me e considero abjeta. As pessoas estarão sempre em primeiro lugar!
É por causa das pessoas que sou ecologista, que defendo a preservação da natureza, que me oponho quando alguém quer destruir toda uma espécie.
Há muitos anos, numa discussão com uma presidente de câmara que queria construir uma estrada em determinado local, eu explicava que havia nesse local um insecto único no mundo que iria desaparecer. Ela respondeu-me “deixe lá isso… deixe lá a formiguinha!”, ao que respondi “e se um dia, descobrirmos que a cura do cancro passa por um enzima produzido exactamente por essa formiga?”
Da mesma forma deixo a seguinte pergunta: a raça brava (touro bravo) é rara no mundo e, ao contrário de outras raças de bovinos, não se pode criar dentro de vacarias. A raça “Angus” - e outras de onde tiramos a carne que comemos - e a raça “Holstein-Frisia”, de onde tiramos o leite, são criadas em vacarias, sem se mexerem. Tal não é possível com a raça brava. Isto faz com que os custos de criar raça brava sejam enormes. O espaço que ocupam (e o espaço é um dos bens mais caros na Europa atualmente), faz com que se não houver touradas, deixará de haver produtores de raça brava. Pensemos agora na pergunta que há muitos anos fiz à presidente da câmara sobre o insecto e apliquemo-la para esta raça de bovinos.
Outra questão que chamou a atenção durante toda esta discussão,foi a rudeza das palavras, salpicadas por insultos de mau carácter que alguns utilizaram. No texto do cronista Diogo Faro a dada altura foi utilizada a expressão de “elite de agrobetos”, para se referir aos que gostam de touradas. Quando não se tem razão, passa-se para o insulto. Debati o assunto com calma e reparem que em momento algum chamei aos que têm diferente opinião “citadinos urbanos ignorantes da vida animal”… Somos diferentes.
A questão que estava em discussão não era se as touradas devem existir, nem sequer era se devem ou não ser consideradas cultura (se quiserem discutir esses temas, devem haver coragem de os colocar assim à discussão). A questão que estava em discussão era: deve a Assembleia da República definir a quais atividades culturais se dá apoio?, deve a Assembleia da República, fazendo tábua rasa da autonomia das autarquias, definir o que elas podem apoiar ou não?
Só o facto de se partir do principio de que isto é sequer legítimo de ser discutido, é revelador de que a democracia está em perigo. Só o facto de pessoas como o cronista Diogo Faro terem a coragem de vir defender estas coisas em público, é revelador de que as ideias de ditadura andam à solta.
Em Portugal, porque temos memória, sempre receámos o regresso de uma ditadura de direita e nunca olhámos para o perigo de uma ditadura de uma nova cultura urbano depressiva, liderada por uma pseudo extrema-esquerda.
Durante esta discussão, uma coisa ficou patente para mim: há perigos para a democracia com que eu não sonhava. Há pessoas, como o cronista Diogo Faro, que, sempre que falam, deviam os órgãos de comunicação social que lhes dão tempo de antena permitir de imediato a alguém defensor da liberdade poder responder. Caso contrário, podemos estar a caminhar no sentido da ditadura.
Luís Nascimento, Vereador na Câmara Municipal da Moita
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