Ficámos a conhecer Hugo Strada, o Michael Jackson português, só que sem qualquer talento artístico, e com aquelas barbas desenhadas na cara que dão a qualquer homem o ar de quem nasceu de um subwoofer no porta-bagagens de um Citroën Saxo amarelo rebaixado, ao som de Pitbull e Daddy Yankee.
Além dos obviamente abjetos comportamentos de cariz sexual com adolescentes que se veem nos vídeos, fazendo a casa dos youtubers Team Strada parecer uma espécie de kidzania onde a única profissão disponível é influencer e o monitor é aquele tipo de senhor a quem nunca confiaríamos os nossos filhos, há um outro problema bastante complexo, tanto neste caso como em muitos outros.
Não é preciso ser propriamente um génio para percebermos um pouco os tempos que correm. Aliás, até o comentador-de-tudo José Gomes Ferreira é capaz de lá chegar.
Numa análise muito por alto, é fácil perceber que o capitalismo esmagador e embrutecedor com que vivemos a todo o instante já de há muitos anos para cá nos empurra constantemente de vazio em vazio, impingindo-nos uma angustiante necessidade de consumo que preencha, precisamente, esses vazios por si criados. Giro, não é? Agora, misture-se a isso a nossa luta contra a solidão tão permanente quanto a busca pela pertença social, e ficamos naquela situação que na gíria da sociologia é conhecida como “tem tudo para dar merda”. Queremos mais e mais, seja roupa, seja carros, seja likes e views, portanto, atenção.
Atalhando para o ponto onde quero chegar, vamos dar a isto dos influenciadores e youtubers. É certo que estes termos são muito abrangentes e não se pode pôr tudo no mesmo saco. É fácil gozar com a OCD [perturbação obsessivo-compulsiva] das miúdas influencers que têm o Instagram tão organizado cromaticamente que me causa ansiedade, ou com o facto de tirarem todas o mesmo tipo de fotos, às mesmas coisas, nos mesmos ângulos, para porem likes umas às outras. Mas é facto que isso é bastante inócuo e à partida não lhes fará mal algum, ou aos outros.
Nos youtubers, bem sei que também não podemos generalizar. Não é só Wuants, Windohs ou DarkFrames, também há gente com talento. Mas também é certo que talento não é garantia de sucesso, e que conseguir fazer partidas muito divertidas com balões de água e penas de pato pode ser confundido com talento porque tem sucesso. É o capital a funcionar.
A bolha está instalada e está a crescer. Este tipo de sucesso torna-se idolatrado por milhões de crianças e muitas delas vão crescendo a querer isto: a ilusão de sucesso na vida, e a fama fácil e sem qualquer razão que a sustente.
Juntando, em determinados contextos, os pontos referidos acima, da solidão e da necessidade de sentimento de pertença, está a porta escancarada para entrarem por aí adentro canalhas como o Hugo Strada que vendem estas ilusões a adolescentes para os explorar, no mínimo, financeiramente.
Estes miúdos, que pouca ou nenhuma culpa têm no meio disto tudo, acabam por ficar relativamente famosos. Mas porquê? Por cantarem? Escreverem? Terem boas notas? Nada. Por tirarem boas selfies com os dedinhos em V e pregarem partidas uns aos outros. Espetacular. É como um cão ter sucesso por conseguir mijar contra um poste.
Isto faz-me lembrar o Zé Maria do Big Brother. Cheio de fama e dinheiro, a bolha rebentou e num instante ficou tão deprimido que esteve internado e até se tentou matar.
Eu sei, eu sei. Se calhar estou a ser fatalista. Mas a verdade é que muitos destes miúdos provavelmente não têm grandes apoios familiares ou contextos que os protejam. Por isso a pergunta é: e quando rebentar a bolha da ilusão de influenciar?
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Jesus Bebia Cerveja: Afonso Cruz.
- The Great Hack: Netflix. O documentário mais importante e mais preocupante que vi nos últimos anos.
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