Vêm de todos os tempos e de muitos lugares acompanhados das mesmas gargalhadas e também de muitas lágrimas. Na mesa da minha sala de jantar, para além daqueles que fisicamente estarão presentes, estarão de novo o meu avô materno, a minha avó materna, o meu avô paterno, a minha avó paterna e o meu pai.
De novo, as velhas e eternas histórias irão romper em torno dos brilhos dessa mesa. O avô paterno, jovial, trocista, a avó delicada de maneiras finas, zeladora exemplar de fronteiras, um retrato da bondade. O meu outro avô, curioso, amante das coisas do espírito, um super-herói, a avó de pés bem assentes na terra, uma terra eternamente verde a partir da qual gostava de desfiar sobre aquilo que nela ouvira contar. E o pequeno e enfezado pinheiro manso enfeitado de cabelos de anjo e de ornamentos de vidro e de plástico que renovado, retorna para registar mais este tempo.
Outros que pessoalmente não conheci certamente lá estarão: a minha Bisavô, o meu tio, os meus outros Bisavós e Bisavô, os meus trisavós e trisavôs. Os meus tetravôs e os meus pentavôs e todos aqueles que os antecederam. Mais uma vez, ao jantar irão irromper por entre a luz e a treva, erguendo-se das margens do Douro, elevando-se pelos socalcos, virão de Viana, transpondo certamente o alto da Santa Luzia, cruzarão os bosques invernosos de Vila Verde e o coração vibrante de Guimarães, o nosso berço, e meu, por linhagens familiares. Estarão todos à mesa para celebrar mais um Natal com o incontornável bacalhau cozido, decorado com pencas, cebola, cenouras e batatas também elas cozidas. “Mais um brinde que a noite ainda é uma criança”, o tinto do Douro a escorrer pelas gargantas. Mais conversas e mais brindes e chegamos à aletria, ao leite creme, às rabanadas, aos bolinhos de jerimú e àquele bolo familiar que imita a coroa dos reis cravejada de pedras preciosas. O mesmo cheiro quente far-se-á sentir outra vez, aquele que mistura açúcar com canela e vinho do Porto. A toalha da mesa será a mesma, branca, rendilhada, imaculada, e com os mesmos bordados à moda do Minho feitos laboriosamente pelas avós passadas.
Os retratos da parede, os vidros e as porcelanas, e tantos outros objectos em nosso redor que outrora reflectiram natais antigos, terão de novo a oportunidade de reflectir este renovado Natal e de acolher novos objectos que a eles se irão juntar, compondo já a galeria do futuro.
No lado oposto ao Pinheiro, o mesmo velho Presépio de família, com um Menino de olhos de vidro que parece troçar – será que esconde um segredo?
A partir de um certo Natal também serei eu, e todos nós, um desses fantasmas. É por isso tempo de pôr a mesa, de sentar e de erguer os copos mais uma vez aos que à nossa frente estarão sentados, em alma ou em espírito, renovando eternas esperanças no tempo do futuro.
Nesta convivialidade familiar reside também a felicidade deste e de todos os Natais. Sempre tempo de celebrar o nascimento, mas também a renovação numa festa tão antiga, tão santa e que nos eterniza num tempo e num lugar que nunca nos deixará partir.
Feliz Natal.
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