Há exatamente uma semana, no domingo, dia 11 de setembro, os suecos foram às urnas e Magdalena Andersson, líder do Partido Social Democrata e primeira-ministra até estas eleições, sabia que não estava a errar quando, depois de votar, disse aos jornalistas que estava "muito, muito apertado".
Foi mesmo muito apertado. Primeiro no cenário de uma possível vitória para o bloco dos sociais-democratas, aliados nestas eleições aos Verdes e à esquerda, e depois já com os resultados finais, que deram a maioria ao bloco de centro-direita, liderado pelos Moderados, o maior partido de centro-direita, aliado aos democratas-cristãos e aos liberais e que contou com o apoio do partido de extrema-direita Democratas da Suécia.
Segundo os resultados oficiais, o bloco de direita conseguiu 176 dos 349 lugares no Parlamento, o que lhe dá uma vantagem de três deputados face ao bloco social-democrata e de esquerda. Mas, além da viragem à direita, a notícia destas eleições foi o facto dos Democratas da Suécia serem agora o segundo partido com maior votação no país - à frente dos Moderados, o partido que historicamente lidera a direita sueca, e ligeiramente atrás do Partido Social Democrata, que, sendo o mais votado, perde as eleições feita a contagem de deputados de cada bloco com o objetivo de formar governo.
Os Democratas da Suécia foram fundados em 1988 a partir de uma formação de extrema-direita e neo-nazis. Só conseguiram chegar ao Parlamento em 2010 e iniciaram aí uma purga que levou à saída do partido dos seus membros mais extremistas. Ostracizado pela maior parte dos outros partidos durante anos, e pela própria comunicação social, o partido continuou a crescer e fundou os seus próprios meios, sendo especialmente ativo no Facebook e YouTube.
Nesta campanha eleitoral, o bloco dos partidos de direita, e, de forma especialmente incisiva, os Democratas da Suécia, trouxeram para o centro da campanha os temas da imigração e da criminalidade. No país que acabou de pedir adesão à NATO (Portugal ratificou na sexta-feira esta adesão, com os votos contra do PCP e do BE), e que irá ter uma das presidências rotativas do Conselho da UE em 2023, os Democratas da Suécia, liderados por Jimmie Akesson, propuseram um plano de 30 pontos referente à imigração. O mesmo Jimmie Akesson que escreveu esta semana no Facebook: "é tempo de tornar a Suécia boa de novo".
Boa para quem? Presumivelmente para os eleitores dos Democratas da Suécia, que, em traços largos, são mais homens que mulheres, muitos a viver nas zonas rurais, mas também pequenos e médios empresários e cada vez mais jovens — que representam agora 20% do eleitorado.
A Suécia tem uma dimensão idêntica à de Portugal, com os seus 10 milhões de habitantes. Em 2015 abriu as portas a cerca de 150 mil refugiados de países como a Síria, o Iraque e o Afeganistão. Muitos foram viver para guetos das suas próprias comunidades, não tendo havido uma política bem-sucedida de integração. Ou seja, o que falhou, falhou também por políticas mal conduzidas.
O tema da imigração é sensível à direita e à esquerda. Durante a campanha, a própria ex-primeira-ministra social-democrata deu garantias de um maior controlo na concessão de vistos e disse que o país não hesita na deportação de quem não os tem.
A criminalidade tem estado nas primeiras páginas dos jornais, nomeadamente por episódios mediáticos como o tiroteio em agosto, na cidade sueca de Malmo, que elevou para 44 as vítimas mortais em tiroteios na Suécia, o número mais alto de sempre, e muitas delas relacionadas com confrontos de gangues. Tiroteios e gangues não são as primeiras coisas que associamos à Suécia e isso vale para os próprios suecos.
As soluções propostas pela direita e pela esquerda para endereçar estes temas não são as mesmas, nem o tom do discurso o é. E é aqui que entra a política, e que deve ser discutida no seu objetivo primeiro que é o de encontrar a solução que melhor serve um país.
Só que esta é uma discussão que dá trabalho aos políticos e aos eleitores e, numa época em que a atração pelo abismo dos extremos é irresistível, discutir ideias e problemas é muito pouco atraente, porque a probabilidade de não termos respostas absolutas é elevada.
Voltando à Suécia, uma boa parte da campanha foi mais passada a rotular cada um dos campos políticos e menos a discutir as propostas. Num comentário no podcast "The Globalist" da Monocle, Elisabeth Braw, sueca e membro do American Enterprise Institute, afirmou: “Estas eleições foram dominadas por uma campanha negativa do centro-esquerda, que tentou carimbar o centro-direita como fascista”. “Nunca vi nada assim. Um partido de centro-direita na Suécia não é fascista”.
Claro que também estas afirmações são questionáveis. O bloco de direita aceitou pela primeira vez um acordo com um partido que teve na sua génese uma formação neo-nazi e isto é, por si mesmo, auto-explicativo. O problema é que chamar fascista não encerra a discussão, não decide a eleição e não resolve as questões de fundo que levam as pessoas a votar. E não perceber isto é contribuir para aumentar os problemas que a democracia enfrenta e não para a defender.
É mais fácil e infinitamente mais simples centrar os argumentos contra o voto no bloco de direita chamando-o simplesmente fascista devido à aliança com os Democratas da Suécia. Seria porventura mais proveitoso e esclarecedor colocar as pessoas a discutir - efetivamente - as propostas que os Democratas da Suécia trazem e as suas consequências.
Vejamos a um exemplo concreto.
Estes são alguns pontos propostos pelos Democratas da Suécia (não estão por ordem e fica a ressalva de a tradução ter sido feita do sueco para o português com ajuda do Google Tradutor):
- Deve ser possível recusar o asilo a quem criou as suas próprias razões de asilo.
- A revogação do estatuto de proteção deve ser obrigatória em todos os casos no direito da UE.
- O PUT (visto de residência permanente) deve ser abolido
- O período de autorização de residência para familiares é reduzido para um mínimo de um ano.
- O direito à representação e assistência jurídica paga publicamente é limitado.
- Devem ser introduzidas todas as possibilidades de limitar os benefícios para os requerentes de asilo.
- A definição de família deve limitar-se à definição mais estrita da UE.
Discutir qualquer um destes pontos, caso a caso, é tempo melhor empregue a salvar a democracia dos extremos que simplesmente chamar fascista.
"Deve ser possível recusar o asilo a quem criou as suas próprias razões de asilo". O que é criar as suas próprias condições de asilo? Falar livremente é "criar as condições de asilo"? Defender a família infringindo leis injustas ou desumanas é "criar as condições de asilo"?
"O direito à representação e assistência jurídica paga publicamente é limitado", o que significa isso num Estado de Direito e num Estado de Direito dos mais avançados nas últimas décadas? Que é aceitável deixar sem representação jurídica quem não possa pagar?
E a definição de família, porquê uma definição "estrita" quando aplicada a culturas que têm exatamente a vivência oposta? A avó fica para trás?
Já para não falar da proposta prever que a revogação do estatuto de proteção seja "obrigatória em todos os casos no direito da UE".
Não tenho a ingenuidade de pensar que todos os eleitores que, somados, deram 20% aos Democratas da Suécia, se demoveriam do seu voto por causa destas discussões. Mas tenho a convicção de que mais facilmente um ser humano percebe o que significa o fascismo - aqui materializado na diabolização da imigração - com questões concretas do que com rótulos que à força de tão usados se tornam perigosamente banais.
O resultado é conhecido e não é sequer novidade. Quando qualquer ideia ou qualquer um é "fascista", o fascismo deixa de ser uma ideologia ameaçadora para as democracias e a palavra torna-se apenas uma arma de arremesso político. Quando a palavra não cola com a realidade que as pessoas (re)conhecem, soma-se outra consequência que é a da ineficácia. E os suecos, incluindo os 20% que votaram nos Democratas da Suécia, não se veem a si mesmos como autoritários, ditatoriais e repressivos, e têm um historial de décadas que lhes reforça isso mesmo.
Mas, sim, hoje uma parte da sociedade sueca é mais nacionalista, mesmo que não ultranacionalista, e a saúde da democracia depende de conseguir olhar para as razões desse sentimento e procurar soluções. E é muito pouco provável que se encontrem nas discussões das redes sociais que reduzem tudo ao binómio fascista/comunista.
Qualquer pessoa que já tenha participado ou assistido a estas “conversas” em ambiente de redes sociais percebe com relativa facilidade como recorrem à simplificação, à infantilização, quando não mesmo à manipulação dos factos e das teorias que invocam.
O que de pior pode acontecer a quem alimenta esse tipo de discussão? É bloqueado por dois ou três que perdem a paciência, a vida segue e amanhã há sempre mais matéria de indignação e mais nomenclaturas à mão de semear.
Qual é o objetivo último? Desmontar argumentos envenenados e persuadir para uma melhor solução? Ou será tão somente falar para os seus, a sua tribo, e procurar ser aclamado cada vez que saca um “fascista / comunista”?
Repetir insistentemente "extrema-direita" ou "extrema-esquerda" não está a produzir efeitos menos extremos - pelo contrário, está a arrumar as sociedades em dois grupos que aparentemente se odeiam. É a isto que se chama polarização.
Quem leva a democracia mais a sério do que a massagem ao ego dos bons seres humanos contra os terríveis inimigos da humanidade tem razões para estar preocupado.
Na Suécia, a imigração e a criminalidade não são problemas dos políticos que as pessoas não reconhecem como seus - mesmo que políticos como os Democratas da Suécia os ampliem de forma a favorecer a sua narrativa. Apontar para a culpa do "outro" é um velho estratagema político, fizeram-se muitas guerras assim, morreram muitos por causa disso.
A imigração e a criminalidade são problemas efetivos, que precisam de solução, mas que funcionam como o bode expiatório perfeito para ampliar problemas com narrativas menos épicas e que são como a chuva miudinha - vai molhando, mas não assusta como uma grande tempestade. Aumento dos preços, degradação na educação, na saúde - lá, como cá, estão a fazer mossa.
Se vamos resolver estes temas extremando cada vez mais as discussões, os extremos ganham. Os extremos já estão a ganhar. Os Democratas da Suécia foram ignorados porque não tinham representatividade na população, mas agora representam 20%.
Em democracia não resolvemos os problemas expulsando da conversa ou, no limite, da sociedade pessoas que pensam diferente de nós. Em democracia, seja na Suécia ou em Portugal, as pessoas que pensam diferente de nós e que não infringem os limites que nós todos, como sociedade, decidimos que eram os limites da lei, são igualmente suecos - ou portugueses. Habitam um mesmo espaço, partilham uma vida comum nos bairros, nas escolas, nas empresas, pagam impostos para o mesmo Estado.
Se queremos mudar como pensam, temos de conversar - com todos e muito em particular com eleitores que legitimam partidos com políticas que vão contra os valores democráticos e que custaram séculos de progresso social e humano. A melhor possibilidade que temos de não ver políticas fascistas é "ganhando" quem vota ou pode votar nelas para soluções democráticas - e é pouco provável que se consiga fazê-lo gritando a cada passo que são fascistas.
É preciso conversar, argumentar, debater, fazer o que tem de ser feito quando se divide a vida com outros tantos milhões e não estamos sozinhos, ou só com os nossos, numa ilha deserta. Continua a ser uma opção, mas não é a mais comum.
Dia 25 há eleições em Itália.
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