O Papa regressou a Roma esta segunda-feira. No mesmo dia, soube da notícia da morte da Professora Filomena Barros. Para a maioria das pessoas, a relação entre uma coisa e outra será de pasmar. Para mim seria pretexto de conversa. Filomena Barros foi minha professora de Islão, no âmbito do Mestrado de Ciências da Religião, na Lusófona. Da primeira vez que a vi, entrou na sala de écharpe, despachada e informal, e disse: “Venho aqui islamizar-vos”. Durante este semestre de aulas fui dizendo a quem me quisesse ouvir: Todas as pessoas deveriam ter uma professora assim. E acrescentava sempre (e continuarei a afirmar exactamente o mesmo): Afinal, não sabemos nada sobre o Islão.

Tudo o que sei devo-o a Filomena Barros. Não só às aulas, mas às leituras recomendadas, aos artigos que me enviou, à sua contínua paixão pelo Islão e pelo entendimento entre religiões.

No mundo académico, Filomena Barros era Professora Doutora da Universidade de Évora, especializada em História Medieval. Algumas pessoas sabem quem foi esta mulher ímpar, reconhecem-lhe a qualidade do trabalho, a excelência ao nível humanista. Para o resto do mundo, a morte de Filomena Barros não terá o impacto de tantas outras, sobretudo se considerarmos os tempos que vivemos.

A verdade é que ficamos mais pobres e os estudos islâmicos irão sofrer esta perda de forma significativa. São poucas as pessoas dedicadas a esta área de trabalho e não deixa de ser estranho que esta seja uma realidade quase escondida. Filomena Barros era também uma mulher activista, defensora dos direitos das mulheres, capaz de, num ápice, desconstruir ideias feitas e preconceitos.

Quando foi anunciada a viagem do Papa Francisco ao Iraque, pensei, com certa ironia, tenho de admitir, agora é que os jornais e televisões estão lixados, não sabem nada de Islão e não terão a quem perguntar. Na verdade, a cobertura da visita papal foi muito bem feita e teve contributos excelentes, e ainda bem que assim aconteceu. Não é uma viagem qualquer e, decerto, seria tema de múltiplas conversas para alguém tão curioso e esperançoso quanto Filomena Barros.

Não se tratou apenas de uma visita de cortesia de três dias, foi a construção de um conjunto de pequenos gestos que, acumulados, transmitem uma mensagem maior: estamos no mundo juntos, temos de viver juntos, possamos então viver em Paz. Mais: de condenação clara ao Daesh, ao seu radicalismo, e da problemática das migrações. Não foi só o Papa Francisco a ir ao Iraque, foi o Iraque a receber o Papa Francisco. O Iraque, país conservador, e fechado num regime composto por intrincadas hierarquias ligadas a uma ideia de Fé, a uma religião. Francisco sentou-se com o ayatollah Ali al-Sistani, 90 anos de idade. O facto de Ali al-Sistani se ter levantado, para o receber, é um dos gestos simbólicos que fará passar uma mensagem importante de convivência possível, de respeito e de reconhecimento. Francisco disse que Ali al-Sistani é um homem de Deus. No final da visita, um comunicado do ayatollah falava da importância de trabalhar em conjunto para eliminar “a opressão, a pobreza e, em especial, as perseguições religiosas, as guerras, os actos de violência, os bloqueios económicos e a deslocação de muitos povos desta região”.

Nas ruas de Najaf viram-se cartazes com as imagens dos dois líderes religiosos e a seguinte mensagem: “Vós sois parte de nós e nós somos parte de vós.” Filomena Barros concordaria em absoluto com esta mensagem e começaria a contar-nos o que ainda não sabíamos, ou, já sabendo, gostávamos de a ouvir dizer uma vez mais. A voz dela calou-se, o seu trabalho continua.

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