O anúncio de que o primeiro-ministro falaria ao país às 20h00, ontem, deixou Portugal em suspenso. Enfim, talvez em suspenso seja um exagero, mas, no mínimo, em pulgas, para usar uma linguagem coloquial.
Afinal, o que teria Montenegro de tão importante para dizer ao país? Vamos finalmente invadir e reclamar Olivença? Entrámos em guerra? Não há dinheiro nos cofres do Estado - ou, ao contrário, o ministro das Finanças encontrou um saco "perdido" com barras de ouro alemãs nas caves do Banco de Portugal (já aconteceu)?
Não, nada disso. Montenegro pariu um rato. O que o primeiro-ministro veio comunicar ao país foi coisa nenhuma. Aproveitando, para isso, a abertura dos telejornais, tempo de antena grátis em horário nobre (a audiência dos noticiários da noite da RTP, SIC e TVI rondará os 1.500.000 telespectadores, números redondos).
Tanto espalhafato, afinal, para dizer banalidades: "Portugal é um país seguro". Excepto quando não é, como quando um motorista da Carris é atacado por um grupo de terroristas e lhe apontam uma arma à cabeça e o queimam, é internado nos cuidados intensivos, fica com lesões graves e perde 16 quilos. Ou quando a polícia precisa da permissão do chefe para entrar num bairro de Lisboa - não estamos a falar de autorização de um superior hierárquico, estamos a falar de ter licença do chefão do gang lá do sítio.
Primeiro-ministro, ministra da Justiça, ministra da Administração Interna, director nacional da Polícia Judiciária e sei lá quem, todos juntos para anunciar que as investigações aos tumultos de Outubro seguem o seu curso, que as polícias e os tribunais estão a fazer o que, obviamente, lhes compete e todos esperamos que façam: o seu trabalho.
Aquilo que foi dito por Luís Montenegro podia, na verdade, ser o comunicado oficial do Conselho de Ministros de hoje, por exemplo:
"O Conselho de Ministros, reunido no dia 28 de Novembro de 2024, na residência oficial do primeiro-ministro:
No cumprimento do objectivo de dar respostas no âmbito da segurança interna e no cumprimento da campanha "Portugal Sempre Seguro", o governo aprovou uma resolução do Conselho de Ministros que autoriza a despesa de 20 milhões de euros na aquisição de mais 600 veículos para a Polícia de Segurança Pública (PSP) e para a Guarda Nacional Republicana (GNR)."
Luís Montenegro não é o primeiro a usar esta técnica. No dia 17 de Outubro, o Partido Socialista enviou para as redacções em comunicado a avisar que o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, faria "uma declaração ao país sobre o Orçamento do Estado para 2025", às 20h00.
A 8 de Junho, a Presidência da República anunciou que Marcelo Rebelo de Sousa iria "dirigir-se aos portugueses" (véspera de eleições europeias) às 20h00.
Há um ano, no dia 11 de Novembro, foi a vez de António Costa, já depois de se ter demitido, anunciar nova "comunicação ao país" às oito da noite.
Luís Montenegro já usou esta estratégia antes, a 14 de Maio fez uma "declaração ao país" à hora do costume, depois de um Conselho de Ministros, desta vez para dizer qualquer coisa sobre o novo aeroporto de Lisboa (já ninguém se lembra muito bem o quê, temos mais de 50 anos disto).
Esta falta de noção da importância das coisas faz lembrar um pouco a história de Pedro e o Lobo, em que o pequeno pastor se fartava de estar sozinho e, para chamar a atenção, desatava a gritar que o rebanho estava a ser atacado. Até que o lobo veio e ninguém ligou nenhuma.
Só falta começarmos a receber alertas da Autoridade Tributária no email, abrir o correio com o coração nas mãos, e ler: "A Autoridade Tributária vem desejar-lhe um Feliz Natal". Ou receber no telemóvel um SMS como os da Protecção Civil a dizer: "AvisoGov: hoje vamos todos trabalhar, apesar da chuva".
Se é para fazer comunicados destes, fico à espera do dia em que, especada em frente ao ecrã da televisão, às oito da noite, oiça o primeiro-ministro anunciar que todos os portugueses têm médico de família, que os mais de 22 mil milhões do PRR estão aplicados e a dar frutos, que processos em tribunal há mais dez anos já têm sentenças finais, que dois milhões de portugueses saíram da pobreza, que a economia está a crescer 4% ao ano e o salário mínimo é 1.500 euros. Isto tudo, claro, sem logo a seguir bater com a cabeça na mesa de cabeceira para descobrir que tudo não passou de um sonho.
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