Vem isto a propósito da capa da Vogue que há dias gerou celeuma, por retratar a doença mental com a imagética dos manicómios onde tanta as vezes os doentes foram tratados com crueldade e como degenerados da sociedade. Rapidamente choveram críticas à falta de sensibilidade de quem teve esta brilhante ideia, romantizar esteticamente as doenças mentais e perpetuar o estigma de deslocados sociais que são encarcerados entre paredes de azulejo frio, isolados do mundo, fechados na sua mente. Por outro lado, surgiram defensores da ideia, clamando que o politicamente correcto quer destruir a arte. Ó filhos, normalizar, em vez de estigmatizar, as doenças mentais, não é politicamente correcto, é só decente.

A Vogue não tem de ser cancelada, não merece um boicote mundial ou que lhes cheguem fogo à redacção, mas as críticas são mais do que compreensíveis. Imaginem fazer uma capa destas, mas em vez de retratar a doença mental, era lepra, ou tuberculose, ou sida. Todas estas doenças, em diferentes alturas da História, foram estigmatizadas, usadas como insulto e podiam ter sido capa de revista. Mas a empatia, compreensão e, acima de tudo, conhecimento científico, foram falando mais alto, e as pessoas com estas e outras doenças começaram a ser tratadas com respeito e normalização, o que, consequentemente, também ajudou ao tratamento das próprias doenças.

Se não faria sentido nenhum em 2020 a perpetuação do estigma destas doenças, é bem possível que também não faça com as doenças mentais. E fala-se cada vez mais destas, de como é tão comum, de como a sua prevalência está a aumentar com o estado do mundo e da existência humana, que hodiernamente se desgasta cada vez mais na produção de bens e capital enquanto se enterra no isolamento social. Fala-se também de como tantas vezes é invisível, do quão chocante e surpreendente nos surge um suicídio porque aquela pessoa parecia estar tão bem. É que, precisamente, a estigmatização da doença mental é uma das causas para quem sofre, queira sofrer em silêncio. Imaginem ter gripe e não querer dizer a ninguém, nem ir ao médico, porque te vão chamar maluquinho e sugerir que uses uma camisa de forças, ou ter uma depressão e só ouvir “isso é só estares triste, anima-te, pá”. É capaz de ser chato, no mínimo.

É fundamental, para a saúde de todos, que se fale cada vez mais de doença mental, e isto inclui o papel importantíssimo dos meios de comunicação que respeitamos (não vamos pedir tal coisa ao Correio da Manhã, claro), sendo que a sensibilidade e empatia são uma necessidade, não são o politicamente correcto a estragar nada.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- The Sinner: temporada 3.

- Desportos do Mundo: série documental na Netflix.