O Dia das Bruxas não tem tido muito êxito em Portugal, talvez porque se perderam os velhos rituais como a queima das bruxas. Há muito, muito tempo, quando quem mandava era a Santa Inquisição, a esta hora estavam a juntar madeira para fazer uma fogueira no Marquês de Pombal para queimar bruxas vivas. E não havia divisões. Não havia nem Benfica nem Sporting, as pessoas juntavam-se no Marquês, e era tudo do mesmo clube, que era um clube que gostava de queimar bruxas vivas. Eram outros tempos. Hoje, se a Maya fosse queimada viva no Marquês, tenho a certeza que as opiniões dividiam-se.
O Halloween é uma coisa parva que importámos e que ninguém sabe para que serve – é como os submarinos. Fui ao hipermercado e estavam abóboras com autocolantes a fazer de dentes assustadores e de olhos maus – se a intenção é assustar as pessoas, podiam fazer isso com autocolantes com o preço do lombo. Para mim, uma abóbora é sempre uma abóbora. De uma abóbora eu espero que seja capaz de dar origem a uma boa sopa, não espero que tente assustar o meu mais novo. Claro que se pudéssemos escolher a fruta e os legumes desta forma, tudo seria mais simples. Se o melão mau tivesse cara de mau, eu não tinha necessidade de lhe apertar as extremidades para ter um leve palpite sobre a sua natureza. "Não leves essa meloa porque está com cara de enjoada". Tornava tudo mais simples.
Portanto, senhores dos hipermercados e outras lojas em geral, eu queria pedir se evitavam de assustar os miúdos com legumes porque eles já os detestam o suficiente. Podem poupar tempo. Por exemplo, não precisam mascarar um espinafre porque as crianças só de ouvirem falar no nome choram. Não faz sentido mascarar abóboras só porque é Dia das Bruxas. Se vão por aí, no dia do pai têm que pôr tomates a sorrir. Não se brinca com a comida. O Dia das Bruxas não tem tradição em Portugal porque os portugueses não gostam de brincar com essas coisas.
Como costumo dizer quando me embebedo com aguardente de abóbora, esta tradição à força não bate certo. Os portugueses não gostam de misturar mortos e festa. Aquela tradição de que a seguir a um enterro há comes e bebes e festa em casa da família de quem quinou é um impensável para nós. "Morreu o Tio Heitor, não querem ir lá todos a casa comer um bacalhau com natas?" Ou "passa-me aí a mousse de manga que eu ainda não consigo acreditar que o primo Luciano já não está entre nós".
Resumindo: o Halloween é a época do ano preferida dos pedófilos góticos, e fica por aí. A mim é que não me apanham mascarado. Também fico por aqui. Este é uma tema que me emociona muito e tenho que me ir assoar por que tenho o nariz de bruxa a pingar.
Sugestões do autor
1. Uma peça. Os Velhos do Jardim. "Crise no Parque Eduardo VII" encerra a celebração dos 45 anos da Comuna. Estreou a 26 de outubro, no Teatro da Comuna.
2 - Um filme. "Ivan, O Terrível" de Sergei Eisenstein no Belém Cinema, no Centro Cultural de Belém. Raios, foi ontem!
3- Um livro. "A Conquista do Inútil", de Werner Herzog (Editora: Tinta-da-china). Neste diário da mítica rodagem de "Fitzcarraldo", o cineasta alemão narra a aventura da sua equipa de filmagem que sucumbe à voracidade da selva. É de devorar cada página.
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