Em pleno tempo de cowboys, naqueles Estados Unidos da América da segunda metade do século XIX, viveu um homem singular: Henry George. Singular, porque quase todos os homens recheados de ideias vivem o suficiente para se tornarem heróis ou vilões, exceto George. As ideias deste economista americano não se tornaram “estado da arte”, mas têm colhido apoiantes desde que foram propostas, sem terem sido refutadas de forma contundente até agora. Então, por que é que não foram tentadas em larga escala? A razão mais evidente é falta de coragem política para fazer frente aos poderosos lobbies que se levantam. Assim, o George está num limbo: pode ter sugerido a medida mais revolucionária de sempre para a economia mundial ou algo que não pode ser implementado na prática.
O Georgismo tem como porta-estandarte a bala de prata do fisco: um Imposto Sobre o Valor da Terra (ISVT), um único imposto que sozinho seria capaz de financiar a despesa pública. O ISVT consistiria num imposto sobre o valor da terra, sem considerar, geralmente, o que nela se encontra. Ou seja, uma taxa fixa consoante a área de cada terreno, quer ele esteja a ser bem utilizado ou não. O efeito esperado de uma medida como esta seria o desenvolvimento ou venda de terrenos baldios: é pôr a render, ou vender a quem ponha. Uma economia eficiente é praticamente consensual e este imposto, ao contrário dos outros, não distorce o mercado, não desincentiva a produção, não cria peso-morto, isto porque a oferta de terra é limitada. Os apoiantes desta ideia, que é anterior a George (apenas encontra na sua figura o expoente mais mediático) e incluem Adam Smith e Milton Friedman, verdadeiros pesos pesados da história do pensamento económico, acreditam que este pode ser o caminho para uma maior eficiência económica.
Consideremos agora Portugal e os seus mais de 90 mil quilómetros quadrados de área. Não há grande perspetiva deste número aumentar, mesmo com Olivença e até a Galiza, não passaremos de um belo retângulo no extremo oeste da península Ibérica e os seus arquipélagos. Será justo dizer que cada cidadão português tem direito a uma parte do que cada centímetro de território rende? Sim e essa seria a receita do ISVT: dinheiro público proveniente do bem, do património que, em si, define Portugal.
Isto é tudo muito bonito, mas temos que ir a números! Qual foi a receita pública proveniente de impostos em 2023 (ano recorde em receita fiscal, já agora)? Ligeiramente inferior a 70 mil milhões de euros. Recordo que a área do nosso país ronda os 90 mil milhões de metros quadrados, o que inclui área que naturalmente não seria taxada (por ser pública, por exemplo). Convenientemente podemos arredondar a área taxável para os 70 mil milhões de metros quadrados (peço que me permitam este momento matemático à engenheiro, sobretudo para a minha felicidade mas também para a simplicidade deste artigo). A realidade, quase inacreditável, é que o ISVT poderia fixar-se em cerca de 1 euro por metro quadrado por ano! Isto na perspetiva de ser imposto único, sendo que até sou da opinião que poderia conviver com mais alguns impostos, nomeadamente aqueles que penalizam atividades com externalidades negativas (nomeadamente, o imposto sobre resíduos, a taxa de carbono e a taxa sobre o açúcar em excesso) e a taxa turística.
Dito isto, existem mais algumas considerações a fazer, podendo “afinar” este magnífico imposto, nomeadamente para benefício de atividades agrícolas que exijam terrenos extensos, ou até para penalizar terrenos com imóveis devolutos ou em ruínas (como é feito, em algumas instâncias, em sede de IMI). Não me iludo ao ponto de achar que o Georgismo seja uma página perdida de algum evangelho, antes pelo contrário, considero que quem tiver a coragem de avançar com estas medidas primeiro, tem o condão de as otimizar ao serviço do interesse público. E por que é que não podemos ser nós, os portugueses? Pese embora o pessimismo tão lusitano que sempre nos inferioriza, não fomos nós os primeiros a chegar a novos mundos? Que tal uma epopeia fiscal desta vez?
Come on Montenegro, give George a chance!
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