Há poucos temas que atraiam mais demagogia do que a discussão sobre níveis salariais e ordenados mínimos. E a confusão começa logo na mistura pouco inocente ou pouco informada entre causas e consequências.

Que em Portugal o salário mínimo é miserável e as retribuições médias são medíocres é um dado objectivo. E não é preciso comparar com os países mais próperos da Europa, basta ter a noção do que pode uma família fazer com os 530 euros de salário mínimo ou mesmo com os cerca de 1.000 euros de retribuição média para perceber que somos um país pobre.

Estes são os dados. E a questão é esta: os salários são baixos porque a economia é pouco desenvolvida e competitiva ou a economia é pouco desenvolvida e competitiva porque os salários são baixos?

Não tenho dúvidas que os baixos salários são uma consequência e não uma causa. São uma consequência de um dado essencial, que é a produtividade.

Diz-nos a Pordata - pode consultar aqui - que em 2014, em média, cada português produziu 70,1 enquanto cada trabalhador da UE produziu 100. Esta é a causa. E a consequência da pobre produtividade são, entre outras, os pobres salários.

Podemos e devemos discutir quais são os motivos de produzirmos tão pouco quando até trabalhamos mais horas e como devemos aumentar a eficiência do nosso tempo. Esse é um exercício fundamental para que alguma coisa se altere.

É da fraca gestão e organização das empresas. É dos custos de contexto que o Estado impõe. É de maus hábitos de trabalho e fraca qualificação de muitos de nós. É dos custos excessivos de alguns serviços básicos como as telecomunicações ou energia. É do facto de termos um tecido empresarial que ainda está muito posicionado em produzir com baixo valor acrescentado, baixa inovação, baixo design. É da probreza da nossa marca-país e da inexistência de marcas de produtos e serviços fortes que levem os consumidores a pagar mais por eles. É disto tudo e muito mais.

O caminho para o desastre, que já percorremos abundantemente nas últimas décadas, é pretender aumentar os salários administrativamente mais do que a produtividade. A consequência disso é a perda de capacidade competitiva das empresas, a incapacidade de estas conseguirem meios para investirem e se modernizarem, as falências, os despedimentos, o aumento do desemprego, num ciclo vicioso que perpetua a pobreza ou, quanto muito, o país de "remediados".

Já tivemos tempo para aprender mas teimamos em olhar para as consequências, lamentando-as, sem observar as causas, combatendo-as.

E isso acontece porque discursos como o que fez o primeiro-ministro esta terça-feira são muito mais populares do que elaborar sobre a necessidade de aumentar a produtividade.

Disse António Costa: "Quando vemos alguns, cá dentro ou na Europa, a dizerem que em Portugal nós não nos desenvolveremos aumentando o salário mínimo nacional porque estamos condenados a viver num país de baixos salários e de pobreza, nós temos que dizer: Não. Não aceitamos viver num país de pobreza e de baixos salários". De facto, são palavras capazes de fazer levantar uma plateia. É importante este inconformismo de não aceitar viver num país de pobreza e baixos salários. Mas é altamente demagógico insinuar que isso acontece porque há uma espécie de forças ocultas que nos impedem de ter retribuições mais altas. A haver conspiração, os conspiradores somos nós. Somos nós - governos, empresários, gestores, trabalhadores - que não temos sabido criar condições para produzir mais e ganhar em conformidade. É legitimo ambicionar ter ordenados à dimanarquesa. Mas não é possível tê-los, de forma sustentada, enquanto mantemos a produtividade à portuguesa. E se isto não é assim, António Costa está no sítio certo para o demonstrar. E para, a seguir, ganhar um Nobel e ser canonizado. Seria totalmente merecido.

OUTRAS LEITURAS

- … e enquanto a economia não crescer bastante - a Irlanda anda já pela casa dos 5% ou 6% - durante vários anos, é certo que vamos continuar na mediocridade salarial e de properidade. As notícias são, nesta frente, más mas não surpreendentes. Se há coisa em que os políticos e governantes são peritos é em prever o futuro muito melhor do que ele acontece. No programa eleitoral do PS previa-se um crescimento de 3% para o próximo ano. A previsão do governo é agora de 1,8%.

- A ironia é que é um governo de esquerda a obrigar algumas empresas a aceitarem as regras de mercado mesmo quando os seus accionistas e gestores preferiam manter o seu "quintal" bem murado. A certeza é que o tema BPI está ainda no início. Aguarda-se a resposta angolana.