Portugal sempre teve aquele complexo de inferioridade de quem já teve meio mundo na mão, mas percebeu que tinha a mão pequena demais para ficar com algo que veio a descobrir ser tão grande. Desde aí, ficámos carentes de afecto e de aprovação dos maiores, tal como uma criança procura reconhecimento dos adultos ou do irmão mais velho. O riso após uma piada ou um “bom remate” quando jogamos com os maiores, dão-nos confiança naquilo que é nosso. Portugal é assim: valoriza o que é seu quando alguém de fora lhe diz que é bom.

O caso Jorge Jesus espelha isso, mal-amado por benfiquistas por ter desertado para o outro lado da segunda-circular e mal-amado por sportinguistas por não ter ganhado nada à frente do clube e pouco ou nada amado por portistas só porque sim, é agora idolatrado por todos depois de ter conquistado tudo no Brasil. Os que o diminuíam pela sua forma de falar, agora dizem “Ai os brasileiros não percebem o que ele diz? Aprendam!” numa espécie de vingança por todas as piadas brasileiras em que o português aparece como burro. Não é que o Jorge Jesus não reforce um pouco esse estereótipo com as suas calinadas, mas não saber as regras gramaticais e ser burro não é bem a mesma coisa. O Ronaldo talvez seja dos poucos casos em que a aclamação dos quatro cantos do mundo não foi suficiente para ser amado por todos, mas isso é porque nenhuma quantidade de aprovação estrangeira é suficiente para fazer com que deixe de haver muitos invejosos em Portugal.

Depois há aquela valorização hipócrita que acontece quando Portugal tem algum medalhado de uma modalidade diferente do futebol. Alguém ganha no judo, no atletismo ou ao berlinde e aparece sempre alguém a dizer “Pois, Portugal é só futebol e ninguém fala do Zé que ganhou o mundial de atletismo naquela prova que agora não me lembro”, dizem nas redes sociais onde exaltam a importância de valorizar um desporto que eles próprios nunca viram nem pagaram bilhete para tal.

Não sou historiador, mas olhando para trás parece-me que o fado teve o seu ponto alto com Amália, amada lá fora, depois foi desaparecendo e voltou a estar na moda quando os portugueses começaram a perceber que a Mariza vendia muito no estrangeiro e que o fado era muito valorizado além-fronteiras. De repente, todos em Portugal gostavam de fado, até os taxistas que recusam ouvir outra rádio que não a Amália, talvez por lhes fazer lembrar o Eusébio, devido ao casal de lontras já falecidas do Oceanário de Lisboa.

Andámos anos a elogiar a comida italiana e chinesa e a dizer mal das tascas com o chão a pegar, até que o Bourdain nos veio dizer que a nossa comida tradicional era mágica. De repente, toda a gente acha que se come bem é em tascas desconhecidas e que o cozido à portuguesa é melhor do que uma pasta carbonara. Se os pastéis de Belém não tivessem filas de estrangeiros à porta, já toda a gente tinha percebido que há pastéis iguais ou melhores em muitos sítios sem termos de esperar uma hora.

É normal que um país pequeno tenha esta necessidade de aprovação. Não somos um país alfa que lidera a alcateia, somos um lobito beta que quer estar nas boas graças dos mais fortes, à espera que lhe calhe um osso no fim. No entanto, tenho algum receio que esta moda de valorizar tudo o que o estrangeiro gosta nos traga problemas. É que os estrangeiros têm gostos duvidosos, basta olhar para os ingleses que comem peixe frito com batata frita, ou para os alemães que acham que salsicha é um prato típico. Ainda chegam cá e olham para a Maria Leal e acham que é artisticamente válida e que é uma metáfora para a celebração da mediocridade e atracção pelo abismo. Se eles vêm cá dizer isso, o Marcelo ainda a condecora e temos de a aturar nas rádios.

Os estrangeiros ainda vêm dizer bem das nossas rendas altas e ainda ficamos a pensar “Realmente, um país evoluído tem de ter cidades com rendas altas, quem quer rendas baixas vá viver para o Congo.” Sinto até que o português ficaria contente se tivesse um atentado terrorista pois era um sinal de aprovação: “Sim, Portugal já é relevante para o mundo de tal modo que achámos por bem explodir aí qualquer coisa pois irá ter muita repercussão mediática internacional”. Assim, ninguém rebenta cá nada, andamos tristes por não repararem em nós.

Qualquer dia, as grandes empresas e patrões portugueses fazem uma vaquinha para criar fake news em que os estrangeiros elogiam a capacidade de trabalho dos portugueses, que trabalham horas extra sem serem pagos para isso. Como portugueses, íamos ficar todos orgulhosos dessa nossa tradição de ser explorados!

É preciso ter cuidado com os possíveis efeitos negativos dessa estratégia de marketing interna embora, além de vermos estrangeiros a dizer bem de coisas nossas, haja uma outra forma de Portugal valorizar ainda mais o que é seu: é ter esses estrangeiros a dizer mal de coisas de que nós sempre dissemos mal.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Para ouvir: Sem Barbas Na Língua com o convidado Gregorio Duvivier.

Para ir: Sísifo, com Gregorio Duvivier. Bilhetes aqui.

Para ver: Barry – Não vi, mas disseram que era uma boa série.