Um estudo liderado por investigadores canadianos, publicado na revista científica Environmental Science and Technology, concluiu que podemos estar a ingerir 50 mil micropartículas de plástico e a consumir uma dose semelhante através da respiração. E segundo este estudo o número aumenta significativamente se formos consumidores exclusivos de água engarrafada (mais 22 vezes) e diminui, fortemente, se dermos primazia à água da torneira. Dá que pensar por que razão ainda alguns de nós continuam a beber água engarrafada que, para além dos microplásticos na água, ainda vem engarrafada em grandes quantidades de plástico, aquele que muitas vezes vemos no meio ambiente, nos rios, albufeiras e oceanos e que tanto nos incomoda e revolta.
Este estudo vem demonstrar o tempo que se demora a tomar simples decisões: como a de substituir um reconhecido mau hábito, de beber água engarrafada, pela opção simples, barata e segura da água torneira, que é do ponto de vista racional a escolha mais inteligente e do ponto de vista ambiental a mais ecológica. Porque será? Importa aprofundar as respostas a esta questão.
Considero que é aqui que se vê a força dos lóbis junto dos decisores e a importância estratégica dos investimentos em campanhas publicitárias, efectuadas nos órgãos de comunicação social, e nos patrocínios definidos pelas grandes marcas no apoio aos principais eventos públicos (sejam eles musicais, festivos, de lazer, culturais ou desportivos), garantindo que a população não tenha acesso à água da torneira nestes locais, e onde só existe a opção obrigatória de beber água engarrafada, a preços exorbitantes e com margens de lucro pornográficas.
Permitam-me que vos conte uma história, que deixa a nu o poder do lóbi das águas minerais. Há cerca de uma década, exerci funções de deputado à Assembleia da República e era o coordenador do Grupo Parlamentar do PS para a área do Ambiente, do Poder Local e Ordenamento do Território. Em 2010, tive oportunidade de apresentar no parlamento uma iniciativa legislativa que instituía o consumo da água da torneira na casa da democracia, assim como, em todas as entidades públicas do país, tendo como objectivo principal realçar o investimento público que permitiu garantir a água de excelente qualidade produzida em Portugal, reduzir os resíduos e a produção de plástico e evitar a associação do parlamento a marcas. Em reunião plenária, a proposta que apresentei foi aprovada pela maioria dos deputados mas, na verdade, foi imediatamente metida na gaveta pelo Conselho de Administração da Assembleia da República, que teria a responsabilidade de implementar a medida aprovada pelo parlamento, com a simples emissão de um parecer negativo.
Em 2011, o deputado Pedro Farmhouse, coautor comigo da iniciava legislativa em 2009, voltou a propor esta medida na legislatura seguinte, desta vez apenas para implementar na comissão. E nesta segunda oportunidade de mudança, o Conselho de Administração da Assembleia da República decidiu demonstrar, num estudo enviado aos deputados, que a água engarrafada servida nas reuniões da comissão custava apenas 259,20 euros por mês. E que para implementar o consumo da água da torneira, o valor era cerca de dez vezes mais, pois até chegaram ao ridículo de considerar os custos de pessoal “para o enchimento, limpeza, colocação e arrumo dos vasilhames”.
E se tem dúvidas sobre a minha história, só precisa de saber que hoje, passados cerca de dez anos, só a Comissão do Ambiente, consome em exclusivo água da torneira, medida implementada, em finais de 2017, com a parceria de sustentabilidade de adesão ao consumo da água da torneira promovida pela EPAL em Lisboa. Todas as outras comissões e o plenário da Assembleia da República continuam a consumir água engarrafada, como se nada tivesse sido deliberado. O Planeta, no Parlamento, parece não existir.
Couto dos Santos, deputado do PSD e Presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, em 2011, representa bem a falta de sensibilidade e estupidez ambiental de alguns dos nossos políticos: “É um absurdo populista que até custa a acreditar que venha de deputados”, referindo-se à proposta de implementar o consumo da água da torneira no parlamento. “Se isso é a resolução dos problemas do país? Temos tanto para nos ocupar.”
Temos tanto para nos ocupar que alguns de nós se esqueceram de tratar da nossa casa, do nosso Planeta. Salvar o Planeta tem que passar a ser uma prioridade de todos.
Questiono-me hoje se seria também este o “pântano” a que António Guterres (hoje Secretário Geral da ONU, por mérito próprio, e um dos principais defensores do nosso planeta) se referiu quando abandonou, em 2001, as funções de Primeiro-Ministro de Portugal. É que o “pântano” está na falta de valores, na falta de princípios e na falta de ética. Está na forma em como nos comportamos e em como vivemos!
Hoje tenho uma certeza: António Guterres, Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, eu e 87,5% da população portuguesa bebem água da torneira, porque é a melhor, a mais segura, a mais barata e a mais amiga do ambiente.
Afinal, quem é que encontra, nos dias de hoje, uma razão válida para pedir água engarrafada?
Só nos locais onde não nos é dado acesso à água da torneira! É por isso que é determinante apostar numa rede de bebedouros públicos de âmbito municipal, regional e nacional. Nos jardins, nas praias, nas empresas, nos ginásios, nas repartições públicas, nas escolas, nos hospitais, em todos os eventos ou festas de concentração massiva de pessoas num só local, em todo o lado. E já agora, também na Assembleia da República, que é um bocadinho da nossa casa. Defender o nosso Planeta e o interesse público são desígnios imprescindíveis num político que se preze.
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