Para atravessar o Oceano para estar num evento é preciso que ele faça valer o esforço. Após o curto-circuito criado pelas declarações de Paddy Cosgrave no X, fiquei em dúvida sobre o impacto que a desistência de algumas empresas e palestrantes, em apoio ao boicote israelita, causaria. Entretanto, a abertura da Web Summit causou uma imagem positiva, que procura recolocar o evento naquilo que é o seu papel: gerar conversas, ao contrário de ser o tema delas.

Foi isso o que Katherine Maher, uma mulher estadunidense que, coincidências à parte, tem uma longa experiência de Médio Oriente, já tendo vivido no Egito, Líbano e na Síria, disse na cerimónia de abertura, agora como nova CEO de um dos maiores eventos de tecnologia do mundo. E para mostrar que não estava ali a blindar ninguém, comentou sobre a “língua-solta” de Cosgrave, já conhecida por aqueles que se ofenderam. Claro que isso não justifica nada, mas alegou que precisava de tocar no assunto quase como uma dívida com a audiência do evento: “todos têm o direito de opinar sobre o que ocorre no mundo, mas é preciso considerar o peso das palavras”.

Dá para notar que essa mulher não está ali por acaso. “Sem a riqueza dos debates e a liberdade de expressão, os nossos palcos estariam vazios de ideias, sem desafios, sem gerar mudanças.”

É disso que se trata um evento como esse, inspirar o novo, ou ainda, inspirar a conversa que vai gerar o novo. Quantas ideias saíram dali por conta de debates que geraram um insight? O futuro que nos apresenta cada dia mais próximo é mais importante do que uma frase mal concebida. Ele não estará sempre ali adiante, o futuro não espera. A intolerância com o erro alheio gera uma cobrança em espiral infinita e desvia o foco que precisa de voltar ao que importa no evento.

É essa disposição que tenho encontrado ao longo desses anos com a minha presença na Web Summit. Vejo profissionais em busca de inspiração, novas conexões e experiências para transformar o futuro em algo realmente promissor, com um detalhe fundamental: fazer isso desde já. Por isso, Katherine afirmou que o evento continuará a ser um dos principais palcos para unir e conectar pessoas. Pessoas que estão no dia a dia das empresas, que criam modelos e projetos, que colocam a “mão na massa”. Essa gente não está preocupada, nem focada, em frases mal concebidas.

E já que é assim, o show não pode parar. Nos próximos dias eles estarão nos palcos como apresentadores ou espectadores, a partilhar ideias, energia e muita sinergia numa audiência de 70 mil pessoas, 2600 startups e cerca de 900 investidores, segundo a organização. A importância de estar conectado a esse universo é vital para sobreviver às transformações que estão mais rápidas a cada dia. A Web Summit fomenta “essa conversa” entre pensadores e executores. Perdeu um ou outro stand de grandes marcas, uns poucos palestrantes, mas as ideias que estão a transformar o amanhã desde já, estarão a fervilhar por aqui. Aqui o foco é outro.

*Paulo Cardoso de Almeida é jornalista e designer brasileiro