O anúncio foi feito em várias mensagens no Twitter: a Web vai passar a ser web e a Internet será internet, a partir de 1 de Junho. Quem o determinou foi a Associated Press (AP), que nessa data lança um novo livro de estilo para os seus jornalistas com as alterações. Como a AP é uma agência noticiosa de referência - tal como o seu "stylebook" - é previsível que muitos orgãos de comunicação social ou estudantes de jornalismo sigam o exemplo em todo o mundo, usando termos como página web, a web ou browser da web, para citar os exemplos dados pela agência no Twitter.
A mudança não é pacífica e tem originado debates sobre a adopção desta terminologia. O Poynter, um site dedicado aos media, recordou a origem da palavra Internet quando "inter-network" era "uma colecção de pequenas redes que comunicavam usando os mesmos protocolos". A revista Wired também tentou explicar o que sucedeu na sua própria redacção quando em 2004 tentou generalizar o termo internet - algo que foi revertido após a editora Condé Nast comprar a revista, dois anos depois.
O objectivo de usar o termo internet era, então, "parte de uma tendência linguística universal para reduzir a quantidade de esforço necessário para produzir e processar as palavras mais utilizadas" na escrita diária. Não só se evita um toque na tecla "shift" (a tecla no teclado para escrever as letras maiúsculas) mas, citando um site de marketing não nomeado, estas letras "são redutoras de velocidade para os olhos durante a leitura. Elas devem ser eliminadas quando possível".
Mas a revista cita igualmente Bob Wyman, da Google, a explicar que Internet deve ter o I maiúsculo para "clarificar a diferença no sentido entre a Internet (a rede global que evoluiu da ARPAnet" e "qualquer internet genérica, ou uma rede de computadores ligando um número de pequenas redes". Se não se usar a maiúscula, escreveu Wyman, "está-se apenas a indicar que não se percebe a distinção técnica entre a Internet e uma internet". Ou, como dizia a revista The Verge sobre o assunto, é como falar do "Sol que orbitamos e o sol de outro sistema planetário".
A própria Wikipedia tem uma entrada sobre o assunto, onde explica como organizações de normas e técnicas do sector (Internet Engineering Task Force (IETF), Internet Society, Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), W3C e outras) usam a expressão Internet, embora também o termo internet seja frequente ou, como sucedeu num caso judicial em 1991, até mesmo INTERNET, "apesar de não ser um acrónimo".
É Rádio ou rádio?
Em português, a questão tem sido igualmente debatida, sem grandes resultados práticos. Em 1999, no seu Dicionário de Informática e Internet Inglês – Português, a autora braileira Márcia Regina Sawaya inscrevia Internet como a "maior rede de computadores do mundo, que se caracteriza pela forma descentralizada em que atua". Já a Web, entendida como "rede, teia, trama, entrelaçamento", era apresentada como "forma abreviada muito frequente para World Wide Web" e "um acervo universal de páginas da Web (Web pages) interligadas por vínculos (links), as quais fornecem ao usuário informações de um completo banco de dados multimídia, utilizando a Internet como mecanismo de transporte".
Num texto de Outubro de 2003, no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa uma questão apontava que "as palavras inglesas 'internet' e 'Internet' referem duas coisas diferentes. Em português, além do significado de 'Internet', parece-me que 'internet' é usada também com dois significados". A autora recordava a evolução tecnológica da Internet e as normas técnicas de "transmission control protocol/internet protocol" (TCP/IP), afirmando que "quando se refere o protocolo internet, a grafia é com letra minúscula". Mas, sendo um acrónimo e escrito em maiúscula, não se entende essa opção para o TCP/IP. Quando esses protocolos técnicos foram estabelecidos, nos anos 80 do século passado, passou-se a "chamar Internet à enorme rede assim obtida. Esta rede merece ser escrita com maiúscula!", enquanto para a World Wide Web "os anglófonos chamam-lhe 'Web' (Teia), e escrevem com maiúscula", segundo a autora.
O moderador do Ciberdúvidas respondeu que "Internet é o nome próprio do sistema", enquanto "a informação (dados, comunicação), a linguagem, etc. são a prática do uso da rede. Ex.: «Ciberdúvidas é uma página da internet»; «recebi pela internet»; «procurei na internet»; «liguei-me à internet». Em minúsculas, da mesma maneira que escrevemos: «divulgado no jornalismo»; «vi na televisão»; «soube pela rádio»; etc." Ora Ciberdúvidas não é uma página da Internet mas da Web, tal como não se procura na Internet mas na web. No entanto, as últimas definições fazem algum sentido: ver na televisão (ou na TV?) ou saber pela rádio, indicam o meio tecnológico pelo qual é transmitida a informação e esse é escrito em minúsculas.
A maioria das páginas de tecnologia nos jornais portugueses ou das revistas tecnológicas usam Web e Internet, com maiúscula. Já o dicionário online Priberam regista-as em minúscula. O substantivo feminino "internet" é uma "rede informática largamente utilizada para interligar computadores através de modem, à qual pode aceder qualquer tipo de utilizador, e que possibilita o acesso a toda a espécie de informação", sendo escrita "geralmente com inicial maiúscula". O mesmo é dito para "web", uma "palavra inglesa, redução de world wide web, rede mundial".
Um pouco de história
A origem do termo Internet está ligada à abreviação de "internetworking" ou "interconnected network" (interligação de redes ou rede interligada), dinamizada pela criação do modem em 1958, pelos Bell Labs, que permitiram a comunicação entre computadores. O primeiro registo do conceito da Internet está num conjunto de memorandos de J.C.R. Licklider no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Agosto de 1962, sobre o conceito de uma "Intergalactic Network" ou "Galactic Network", segundo a Internet Society.
Sete anos depois, ocorre a primeira ligação entre dois computadores, um na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e o outro no Instituto de Investigação de Stanford, dando início à ARPAnet (a ARPA - ou Advanced Research Projects Agency - era o braço de investigação tecnológica do Departamento de Defesa norte-americano, sendo actualmente denominado de DARPA).
A palavra Internet terá sido usada inicialmente em Dezembro de 1974, num documento técnico (denominado "request for comments" ou RFC 675) sobre uma "especificação do Internet Transmission Control Program". No relato da Internet Engineering Task Force (IETF), este Transmission Control Program foi separado, em termos de arquitectura tecnológica, dando origem ao conhecido TCP/IP: o Transmission Control Protocol referia-se à camada do transporte de dados e o Internet Protocol para as redes, que evoluiu da versão 4 (IPv4) para a actualizada IPv6. As versões do IP 0 a 3 foram usadas apenas entre 1977 e 1979, como versões experimentais, e a 5 não chegou a ser usada mas apenas testada para incluir voz e vídeo.
Em 1990, a ARPAnet foi cedida às instituições de investigação, através da National Science Foundation, dando origem à rede NSFnet, que permitiu o acesso de utilizadores universitários ou de instituições científicas não só norte-americanas como europeias (o primeiro nó foi estabelecido em 1970 para o University College de Londres). A NSF entregou o acesso da rede em 1995 a quatro operadores comerciais (Sprint, MFS, Ameritech e Pacific Bell), generalizando-se o seu uso.
Foi neste contexto que, a 30 de Abril de 1993, o laboratório europeu de física das partículas (CERN) lançou ao público a World Wide Web - ou Web, como ficou conhecida de forma generalizada. No documento original em duas páginas,"o sistema global de informação ligado por computadores" era também denominado por W3 e pretendia dinamizar a "compatibilidade, práticas comuns e normas numa colaboração suportada em redes e computadores".
O W3, desenvolvido por vários investigadores, dos quais o mais célebre ficou Tim Berners-Lee, foi conhecido em 1991 e funcionava para computadores Macintosh ou estações de trabalho NeXT. Foi esta base de desenvolvimento tecnológico que permitiu o aparecimento da Web, a forma mais fácil de aceder actualmente à Internet. Ou, segundo a terminologia da AP, de aceder à web através da internet.
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