Em 2010 eram 400 agora, agora, sete anos depois, num outro país os participantes ultrapassam os 60 mil. Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit, subiu ao palco da Altice Arena e deu o pontapé de saída para a segunda edição da maior cimeira tecnológica do mundo em território português. "Bem-vindos à incrível cidade de Lisboa", disse Cosgrave depois de uma sequência de imagens de Lisboa ao ritmo da música “Parte de Mim” dos Orelha Negra.

Depois de apresentar a mulher e a filha bebé, sentadas na plateia, Cosgrave garantiu, com o seu próprio telemóvel na mão, que o telefone portátil é a “ferramenta mais poderosa” na Web Summit.

Networking, a palavra de ordem

É que com a aplicação da Web Summit no telemóvel é possível “dizer ‘olá’ a qualquer pessoa”, incluindo responsáveis máximos de empresas, de governos ou ao secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres.

Mas os cumprimentos também aconteceram ‘ao vivo e a cores’, depois de o também presidente executivo (CEO) da conferência ter instado o público, que esgotou o pavilhão, a levantar-se e a apresentar-se a, pelo menos, três pessoas.

Para interromper os apertos de mão e sobretudo o burburinho que se instalou no pavilhão, Paddy Cosgrave, garantiu que “haverá muito tempo para conversar” e sobretudo para o denominado ‘networking’, ou seja, contactos empresariais, que, na Web Summit, podem significar investimentos, vendas e colaborações.

Recordando o 'nascimento' do evento, Paddy Cosgrave disse que a Web Summit “começou com uma simples ideia em 2010”, de “conectar a área da tecnologia”. Nesse ano, a cimeira contou com 40 mil participantes e apenas quatro investidores, lembrou o irlandês, notando que, nesta edição, este último número subiu para 1.000.

3,2,1... com sotaque português

créditos: António Cotrim/LUSA

António Guterres subiu ao palco da Web Summit, diante das 15 mil pessoas que 'penduraram' o letreiro "esgotado" à porta da Opening Night da sétima edição do evento, falar de danos colaterais, dois em particular: alterações climáticas e desigualdade. Sublinhou que o Acordo de Paris não é suficiente e apelou ao uso da inovação para o bem.

"Temos de evitar a reação estúpida de tentar parar a inovação, isso é estúpido porque é impossível e porque impede que tenhamos os benefícios positivos, mas temos também de evitar a ingenuidade de pensar que as formas tradicionais de regulação para setores como a energia ou o sistema financeiro podem resolver o problema", disse Guterres.

"São todos teus amigos?". Foi assim que o primeiro-ministro António Costa entrou em palco dirigindo-se a Paddy Cosgrave. Para depois pedir que da plateia lhe respondessem "presente" à chamada dos vários continentes, fechando com Portugal.

"A Web Summit não torna Lisboa apenas a capital do empreendedorismo em inovação tecnológica. Coloca-a também no coração do debate global sobre os grandes desafios da humanidade: Esperanças, medos, alterações climáticas, inteligência artificial ou combate às desigualdades", declarou o primeiro-ministro.

Tal como no ano passado, coube ao presidente da Câmara de Lisboa fechar a sessão de abertura.

Fernando Medina sublinhou que a parceria com a Web Summit é "de longo prazo" e ofereceu ao fundador da iniciativa um astrolábio. Símbolo das descobertas e do movimento de inovação que, afirmou, o país e a capital vivem de novo, mas também com uma segunda mensagem que é a de Lisboa como cidade de liberdade, diversidade e tolerância.

"Lisboa era a capital do mundo há cinco séculos, daqui partiram rotas para descobrir novos mundos, novas pessoas, novas ideias. De Lisboa partiu uma grande aventura que conectou a raça humana", apontou.

Ao oferecer o astrolábio, Medina apontou que a prenda é "em nome da cidade, em nome de todos", que simboliza duas coisas.

Hoje renova-se a aventura a partir de Lisboa, continuou o presidente, apontando que a parceira de Lisboa com a Websummit "é a longo prazo".

"Há 500 anos os navegadores cruzaram os mares. Hoje são vocês, os engenheiros, os empreendedores, os criadores, os inovadores, as start-ups, todas as empresas", disse o socialista aos 15 mil presentes.

Fernando Medina aproveitou também para marcar o caráter acolhedor da sociedade lisboeta e portuguesa, atirando que "a inovação que Lisboa atravessou há 500 anos deveu-se ao facto de a cidade e Portugal terem uma sociedade aberta".

Apontando que Lisboa "era o local para aqueles que escapavam a outras partes do mundo", o presidente elencou que o próprio astrolábio "foi desenvolvido por alguém que fugia de Espanha naquela altura".

Medina quis deixar então a mensagem de que é importante "para o futuro manter todas as sociedades e as cidades abertas".

"Liberdade, tolerância, diversidade, capacidade de compreensão e de falarmos uns com os outros são os valores de Lisboa e os valores que queremos manter", vincou.

Já no ano passado, o líder do executivo tinha oferecido a Paddy Cosgrave a chave da cidade.

Inteligência Artificial, ética, tecnologia e um futuro nas nossas mãos

O primeiro convidado da noite foi o português Nuno Sebastião, CEO da Feedzai,  fundador e dirigente da Feedzai, que opera na área da Inteligência Artificial para prevenir fraudes. Na sua intervenção recordou a herança que os exploradores deixaram aos portugueses, exemplificando com o navegador Fernão de Magalhães.

“A minha própria viagem começou na agência espacial europeia, a ultrapassar novas fronteiras”, referiu o CEO, que comentou a sua atual atividade na IA, na qual continua a querer “ultrapassar fronteiras” com inovação e conhecimento.

“E também para construir um novo mundo”, referiu o português, garantindo que neste caminho há responsabilidades, riscos e desafios, sublinhando a importância de colocar a IA com “bom uso”.

E assim deixar “filhos e netos agradecidos pelo pioneirismo”, concluiu.

Tudo isto foi o prefácio importante para iniciar uma das discussões que mais haveriam de marcar a noite, a importância da ética no mundo da tecnologia, nomeadamente noa caso da IA, e para apresentar o convidado surpresa: Stephen Hawking.

“Eu sou um otimista e acredito que podemos criar Inteligência Artificial para o bem do mundo"

"Nós não conseguimos prever o que podemos alcançar quando as nossas mentes são ampliadas pela Inteligência Artificial (IA). Talvez com as ferramentas desta nova revolução tecnológica nós consigamos corrigir algum do dano causado ao mundo mundo pela industrialização. Nós vamos finalmente erradicar doenças e a pobreza. Todos os aspetos da nossa vida mudarão", começou por dizer Hawking, uma das mentes mais brilhantes do mundo, continuando a explorar o tema da ética e tecnologia, assim como os grandes desafios que se avizinham, lançado por Sebastião.

“Eu sou um otimista e acredito que podemos criar Inteligência Artificial para o bem do mundo. Que isso pode funcionar em harmonia connosco. Nós simplesmente temos de estar conscientes dos perigos, identificá-los. Talvez alguns dos que me ouvem hoje já têm solução ou respostas para questões relacionadas com IA", disse o professor  antes de sublinhar que um mau uso desta tecnologia também pode ter um mau fim: “podemos ser destruídos por ela". Todos temos um papel a cumprir "para que possamos atingir o nosso potencial e criar um mundo melhor para toda a raça humana", observou.

O cientista enumerou algumas eventuais consequências pelo mau uso, como armas autónomas, que podem destruir seres humanos, para resumir que a AI pode ser o “melhor ou o pior que acontece à humanidade”.

Embalado pelas de medos e esperanças, envoltas na tecnologia de IA, proferidas nas palavras de uma das mentes mais brilhantes do planeta, Bryan Johnson, CEO of Kernel, subiu ao palco principal da cimeira, onde decorre a Opening Night, para exibir uma lista de medos da sua filha. Dos monstros das filhas aos monstros que muitas vezes são criados em torno da Inteligência Artificial, Johnson utilizou a analogia para explicar que, tal como os medos mais primários, o medo do que ainda pouco se conhece também pode ser ultrapassado. "Estou mais preocupado com o comportamento humano do que com a Inteligência Artificial", chegou mesmo a dizer o líder da Kernel.

O CEO da Kernel, uma empresa que estuda os limites e potencialidades do cérebro, criticou o facto de ninguém investir na  "mais poderosa ferramenta de que dispomos".

“Quem não quer ser o próximo Google?”

"Para nós o desafio é criar as ferramentas certas. Necessitamos de uma concorrência justa para ter um mercado justo” e de “ser rápidos” a atuar, declarou Margrethe Vestager, comissária europeia para a concorrência num dos painéis da noite conduzido por Kara Swisher, editora executiva da Recode, uma publicação digital norte-americana. E que melhor exemplo do que a Google?  “Todos aqui gostariam de ser o próximo Google” sublinha a comissária.

“Quando tu cresces, não deves rejeitar os teus concorrentes nem achar que não há mais desafios”,

A responsável confidenciou que nunca se sente “tão europeia” como quando está nos Estados Unidos, pelas diferenças entre o mercado europeu e o daquele país. “Construímos um mercado enorme [na Europa], mas é um mercado em que nos preocupamos com o ambiente, condições de trabalho”, enumerou, falando na necessidade de intervir para evitar que impere “a lei da selva, mas sim as leis da democracia”, numa altura em que os Estados Unidos assistem à revogação de vários quadros legais.

Questionada sobre as novas revelações do caso ‘Paradise Papers’, no qual foram divulgados documentos referentes a paraísos fiscais, Margrethe Vestager foi assertiva: “Isso tem de mudar”.

E isso passa, a seu ver, por obrigar os países a divulgar os seus rendimentos, “em nome da transparência”.

Depois das multas aplicadas pela União Europeia à Google, Margrethe Vestager referiu também que as empresas não devem temer a concorrência, exemplificando que “todas as empresas” queriam ter o sucesso desta gigante norte-americana, mas isso implica regras.

“Quando tu cresces, não deves rejeitar os teus concorrentes nem achar que não há mais desafios”, observou, adiantando que aí cabe às autoridades atuarem para “dizerem como é que o mercado tem de funcionar”.

créditos: ANTÓNIO COTRIM/LUSA

À semelhança do ano passado, a Web Summit decorre entre 6 e 9 de novembro no Altice Arena e na Feira Internacional de Lisboa (FIL), em Lisboa. Mais de 60 mil pessoas, cerca de 20 mil empresas e mais de 1500 startups, provenientes de 170 países, vão colocar a capital portuguesa no centro do mundo da tecnologia e inovação.

Fundada por Paddy Cosgrave e os cofundadores Daire Hickey e David Kelly, a conferência é um dos maiores eventos de tecnologia, inovação e empreendedorismo do mundo e evoluiu em menos de seis anos de uma equipa de apenas três pessoas para uma empresa com mais de 150 colaboradores.

A cimeira tecnológica, que nasceu em 2010 na Irlanda, mudou-se para Lisboa por três anos, com possibilidade de mais dois.