Como 1907 é um centenário clube italiano de futebol fundado exatamente no ano que se segue à referência clubística. O nome, Como, meio desconhecido se nos cingirmos à indústria da bola redonda, mas mais reconhecido se colocarmos o prefixo, Lago, apresentou-se na Web Summit duas vezes no mesmo dia. Falou-se, ao de leve, de um passado recente preenchido de notícias pouco abonatórias, de um presente de mudança e um futuro de aspirações.
Regressemos à fundação. E contemos um pouco da sua história.
O primeiro registo do Como 1907 foi, no entanto, outro. Nasceu Como Football Club, teve passagens efémeras pela Série A, nas décadas 1940, 70 e 80 do século passado, navegou pelas divisões secundárias até dar, outra vez, um ar da sua graça entre os maiores do futebol italiano, em 2002-2003.
Uma aparição curta, e tóxica, para as cores azuis deste emblema histórico sentado nas margens do Lago Como, a norte da cidade de Milão, na região da Lombardia. Um local onde a palavra “localização” vale ouro ou não fosse um refúgio procurado por milionários, desde George Clooney a Sir Richard Branson.
O dinheiro, que à região desagua, é muito, é verdade, mas não impediu que o clube situado na Viale Sinigaglia 32 (local onde está o Estádio G. Sinigaglia, edificado em 1927 por indicação de Benito Mussolini) fosse à falência duas vezes nos últimos 20 anos. Desceu às profundezas dos campeonatos não profissionais, mudou duas vezes de nome, Como FC, primeiro, e depois para a atual denominação, Como 1907.
Fàbregas, Thierry Henry e Wise. Dos relvados à estrutura acionistas do Como 1907
Adquirido pelo grupo indonésio Djarum, um gigante da indústria do Tabaco, entrou na agenda mediática na época passada quando Cesc Fàbregas, ex-internacional espanhol, aí se despediu dos relvados, após cumprir o seu último contrato (um ano), e ter começado a carreira de treinador da equipa de sub-19 (Como 1907 Primavera) do emblema transalpino.
Esta semana, o Como 1907 entrou, outra vez, nos radares noticiosos quando o próprio Fàbregas, ex-internacional espanhol que vestiu as camisolas do Arsenal, Barcelona e Chelsea, foi convidado para, de forma interina, assumir o comando da equipa que segue no 6.º lugar da Série B italiana.
O convite surgiu um dia antes do antigo futebolista aterrar no palco central da Web Summit e ter dado um salto ao pavilhão 1, palco 3, da cimeira tecnológica que decorre no Parque das Nações, em Lisboa.
“Amanhã (hoje, quarta-feira) vou ter o meu primeiro treino e vou falar com os jogadores. Quero perceber quais as suas necessidades e também transmitir-lhes já alguns inputs. Tenho de lhes dar confiança e motivação”, disse na conversa no Sports Trade.
Meia-hora antes, perante uma audiência bem mais vasta, no palco central da Web Summit, ao lado de um dos representantes do grupo indonésio, Mirwan Suwarso, foi tempo de apresentar o Como 1907 a um mundo que não acompanha, tão de próximo, as notícias do futebol.
Uma família e um treinador feliz com ambições de Série A
Cesc Fàbregas, campeão do mundo (2010) e europeu (2008 e 2012), discursou sobre as ambições e sonhos desta sua nova aventura, num barco no qual está também o francês Thierry Henry, acionista, e o inglês Dennis Wise (ex-Chelsea), CEO, igualmente com participação financeira no emblema.
Na pele também de acionista, e de treinador, Fàbregas afastou de imediato que o lugar sirva de trampolim para treinar na Premier League inglesa. Garantiu, antes, ser um projeto para levar o clube da Lombardia à divisão de topo do futebol italiano (Série A). E não só.
“Obviamente, é um dos principais objetivos (subir à 1.ª divisão italiana), a 100 por cento”, disse. “Qualquer que seja o meu papel darei sempre o meu melhor”, atestou.
“Quando me juntei ao clube queria ser treinador do Como, não esperava que fosse tão cedo, porque retirei-me cedo demais, ainda podia estar a jogar”, confessou o ex-jogador de 36 anos. “Mas esta é uma oportunidade. É um projeto a longo termo, não estou aqui só por dois dias ou dois meses, é algo duradouro. Confio no clube, nas pessoas e a minha família encontrou ali a felicidade”, assegurou. “Sinto-me preparado. Tudo aconteceu muito rápido nos últimos dias”, continuou.
A sentir a respiração de Mirwan Suwarso afirmou ter “muito respeito pelo treinador (Moreno Longo) que esteve no cargo no último ano e meio”. Em relação ao tapete estendido, assumiu: “É um grande desafio para mim. Estou habituado à pressão e aos requisitos que o clube quer, estou ansioso e é muito, muito entusiasmante”, prosseguiu, elogiando a visão e o projeto do emblema onde investiu.
Doravante, as ambições crescem à medida dos sonhos. “Sonhamos alto e somos ambiciosos”, atirou. “Penso que estamos no bom caminho e temos a mentalidade certa. Temos de criar essa cultura no centro de treinos. Tentarei fazê-lo, com as minhas próprias ideias, e rodeado de gente competente. Se sonharmos alto, podemos chegar lá (à Liga dos Campeões)”, assumiu, citado pela Lusa.
“Não tínhamos campo de treinos há 14 meses”
As ambições são grandes para o futuro próximo, no entanto, Fàbregas não apaga das memórias o passado recente pouco abonatório.
“As pessoas estavam desconfiadas quando chegámos, tinham medo, mas temos estado a tentar demonstrar carinho a toda a gente. Estamos a tentar contribuir para a comunidade também, num clube que está a crescer muito rápido, não tínhamos campo de treino há 14 meses, podemos ter um novo estádio, estamos a assinar com bons jogadores”, descreveu.
Entre a realidade presente, um pormenor do passado não foi esquecido. “Mas esteve na bancarrota por duas vezes nos últimos vinte anos”, relembrou.
Por todas essas razões, “é um clube muito especial", tendo surgido num “momento especial da minha vida”, confidenciou. “Tocou-me no coração e é importante para a família crescer nesta atmosfera”, admitiu.
“Estou a aprender muito sobre outras partes do futebol e vejo coisas que não tinha visto até agora”, descreveu em tom apaixonado. “Estou muito grato nesse aspecto. Sei que vamos ter dias difíceis, mas adoro o que faço e sei que sou um privilegiado por poder dizer isso”, acrescentou no Sports Trade, onde viria a receber o Web Summit Innovation In Sports Award, prémio de reconhecimento de excelência na comunidade desportiva.
Ainda sem cheirar o balneário, ressalvou que “não podemos mudar tudo num segundo. Quer “conhecer as necessidades, dar ideias e soluções”, e devolver aos jogadores, a quem deseja que “sejam felizes”, um papel principal.
“É preciso ter disciplina, trabalhar muito e sermos humildes, mas é preciso deixar os jogadores expressarem-se”, revelou, alertando para o facto de “a arte e o talento” se estarem a “perder” e que os “os treinadores não se adaptam aos jogadores” e “os jogadores é que têm que adaptar-se aos treinadores” uma situação que considera “errada”, finalizou.
Um clube à beira de um lago onde nascerá um destino turístico
A conversa de Fàbregas está encerrada. Para o fim, rebobinamos a fita para o palco principal do Altice Arena e devolvemos a palavra a Mirwan Suwarso, o orador que veste a pele de representante do “dono” indonésio do clube. Tempo de antena dado, não para falar de táticas em campo, mas sim para apontar novos caminhos ao emblema que bem podia nascer sob o grito de localização, localização e localização.
“Quando conhecemos o clube de futebol de Como percebemos que tínhamos uma grande oportunidade. É um ótimo destino turístico, mas ao mesmo tempo não há nada ao seu redor”, assinalou o indonésio. “Portanto, o nosso objetivo é construir o melhor destino turístico de futebol do mundo e o Lago Como é o cenário perfeito para isso”, antecipou.
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