A receita para ter uma plataforma de streaming de sucesso já não é um segredo guardado pelos deuses. Tendo em conta as restrições orçamentais que existem sempre, a ideia é ter uma plataforma com uma experiência de utilizador aceitável e depois investir num catálogo de conteúdos que cative o maior número de pessoas possível e que as faça regressar várias vezes ao serviço porque sabem que terão sempre algo que valerá o seu tempo.
Depois há modalidades de subscrição do serviço que variam, há estratégias de marketing distintas para aquisição de utilizadores e há, claro, um conjunto de visões para aquilo que deve ser a curadoria das plataformas tendo em conta aquilo que os algoritmos de cada uma ditam. E é aqui que está a beleza da coisa. Aquilo que era o caminho num determinado contexto, pode rapidamente deixar de fazer sentido se, por exemplo, as condições macroeconómicas se alterarem dramaticamente.
A Netflix, desde que criou o seu serviço de streaming, nunca equacionou ter uma modalidade de subscrição suportada por anúncios, chegando mesmo a dizer que não fazia parte da forma como olhava para o seu produto. Mas os tempos mudam, e depois de registar a sua primeira queda em termos de utilizadores em 2022, eis que vemos os anúncios a chegar à plataforma com a ajuda da Microsoft.
O mesmo se pode dizer sobre a Warner Bros. Discovery. A empresa, que resulta da fusão entre a WarnerMedia e a Discovery em abril deste ano, anunciou que em 2023 ia lançar um novo serviço de streaming que vai juntar a HBO Max e a Discovery+ numa única plataforma.
Recapitulando: A HBO Max foi lançada durante a pandemia como o serviço que ia rivalizar com a Netflix e a Disney+, tirando o melhor proveito dos franchises que fazem parte da HBO e da Warner Bros como "Game of Thrones", "Harry Potter" e os heróis da DC. Além disto, a WarnerMedia começou também a produzir conteúdos especificamente direcionados para o streaming (tal como os seus rivais) e inclusive lançar todos os filmes da Warner Bros. em simultâneo nos cinemas e na sua plataforma para atrair mais utilizadores (algo que deixou muita gente descontente). A Discovery+ foi lançada mais ou menos no mesmo período e funciona mais como um repositório on-demand do conteúdo presente nos canais Discovery.
Entretanto: A criação de uma nova empresa levou a que o ex-CEO da Discovery, David Zaslav, se tornasse CEO da Warner Bros. Discovery, gerando uma série de dúvidas sobre se seguiria ou não aquilo que era a estratégia da WarnerMedia para streaming, TV e cinemas. E a verdade é que o novo executivo não perdeu tempo a criticar a visão da antiga direção, escolher uma diferente e desmanchar algum do trabalho que vinha a ser feito (como acabar com a CNN+ ao fim de um mês), começando pela própria HBO Max.
O que vai acontecer agora?
Numa reunião com investidores na semana passada, Zaslav teve de apresentar aquilo que era o seu plano estratégico para empresa e como se queria posicionar no mercado. Mas aproveitou também para justificar o que já não ia acontecer. Vamos por partes:
A nova plataforma (ainda não tem nome) terá ao que tudo indica uma modalidade paga sem anúncio e outra mais barata assente em publicidade.
A tecnologia utilizada para o novo serviço de streaming será a da Discovery+, mas com uma curadoria mais semelhante à da HBO Max.
Os filmes Warner Bros. vão passar a ter lançamento exclusivo nos cinemas, sem ainda haver um período definido para chegar ao streaming (ex: "The Batman" ficou disponível na HBO Max apenas 45 dias depois de ter estreado).
Vai haver um corte na despesa, dado que a empresa tem atualmente 50 mil milhões de dólares em ‘debt’, um valor problemático numa altura em que as taxas de juro estão a subir em todo o mundo.
Este último ponto é particularmente relevante porque significa que a Warner Bros Discovery estará bastante mais preocupada com a otimização financeira que, por norma, significa corte de pessoal e cancelamento de projetos. E foi precisamente isso que aconteceu.
Por um lado, a empresa anunciou o cancelamento de diversos filmes e séries (alguns já produzidos ou em produção) com destaque para "Batgirl", um filme do universo de Batman que teve um orçamento de 90 milhões de euros na produção e que foi remetido diretamente para a gaveta pela nova direção.
Por outro, Zaslav apresentou uma perspectiva clara sobre a forma como olha para o papel da HBO e da Discovery dentro da empresa. A primeira será responsável por todo o conteúdo de ficção e documental, mais direcionado para um público masculino. A segunda estará focada no conteúdo de reality TV, mais direcionado a um público feminino. Ou seja, as pessoas que estivessem nestas empresas a trabalhar em conteúdo "alternativo" provavelmente serão despedidas.
Resumindo: É difícil dizer se esta será uma estratégia vencedora ou não. As estratégias dos grupos de media variam de acordo com aquele que é o seu principal negócio. No caso da Netflix é o streaming. No caso da Disney são os parques de diversão e os produtos de consumo, o que faz com que os filmes e o streaming sirvam mais como um canal de marketing para essas divisões. Na Amazon, o Prime Video é utilizado como um incentivo para as pessoas comprarem pela sua plataforma de ecommerce ou para utilizarem as suas soluções de cloud. O desafio para a "Warner" é perceber onde está o seu eixo vencedor e como é que esta nova plataforma poderá torná-lo mais forte.
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