As histórias de estudantes universitários que decidem, durante a época de estudos, aventurar-se no seu próprio negócio têm sido cada vez mais comuns nas últimas décadas. O acesso mais fácil a tecnologia, a simplificação da burocracia para criar e gerir uma empresa e a formação de ecossistemas empreendedores que intermedeiam o acesso a investimento e conhecimento levam a que uma série de startups saia de universidades no mundo inteiro.
No entanto, esta tendência não é tão comum em estudantes de Medicina que, para cumprirem o seu sonho de salvar vidas e tratar de pessoas, têm de passar longos anos a estudar e estagiar em unidades de saúde. Estas etapas não deixam muito tempo para iniciativas empreendedoras que “roubem” tempo precioso a um objetivo que não está ao alcance de todos.
Rodrigo e Alice, dois estudantes de Medicina na Nova Medical School, naturais de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, decidiram fugir à regra e lançar há um ano a Flip to Green, um marketplace de produtos sustentáveis ligado à higiene e cuidado pessoais. “Inicialmente não era para ser uma empresa a sério – nós tínhamos só uma ideia geral”, confessa Alice. De acordo com a jovem empreendedora, esta surgiu depois de uma série de conversas com amigos e família no qual perceberam que na sua região havia uma procura por este tipo de produtos que não estava a ser satisfeita e na qual podiam ser pioneiros.
A estudar em Lisboa, acabaram por pedir a ajuda (remotamente) à incubadora da sua terra, a StartUp Angra, com a qual o pai de Alice já tinha colaborado, e começaram a dar os primeiros passos. “A nossa ideia era só criar a loja, colocar lá os produtos, falar com os fornecedores e seria só comprar e vender. Não sabíamos que tínhamos de abrir atividade, de pagar segurança social, de pagar IRS. Não sabíamos nada dessas coisas e o Sebastião (diretor executivo da StartUp Angra) foi-nos ajudando nessa parte inicial: como se cria um projeto, o que tens de pensar antes do projeto, os prós, os contras, a competição no mercado, o que fazer diferente dos outros, como promover. Isto tudo, foi a StartUp que nos pôs a pensar sobre o assunto”, explica Rodrigo.
Passados sete meses: Ready for business
Neste período de tempo, Rodrigo e Alice trabalharam no desenvolvimento da sua loja online e na gama de produtos que iam começar por disponibilizar. Na abertura digital da loja começaram com 14 e, atualmente, já é possível comprar mais de 60 produtos diferentes na sua plataforma. Estes estão distribuídos por 3 categorias:
- Casa de banho, com pastas de dentes em boião de vidro, escovas de dentes de bambu, sabonetes artesanais, champôs e amaciadores sólidos.
- Para levar, com produtos para o dia-a-dia, como panos com cera de abelha (reutilizáveis) para guardar maçãs i.e ou palhinhas de bambu.
- Cozinha, com detergentes sólidos (mais amigos do ambiente) e esponjas de Luffa (um vegetal), que também são mais sustentáveis.
Atualmente, a Flip To Green já conta com 200 clientes que compram regularmente pela plataforma e que estão localizados principalmente na Ilha Terceira e em São Miguel, que acabam por ser os maiores mercados do arquipélago. Contudo, a empresa também se quer expandir para outras ilhas como as Flores ou Santa Maria, que apresentam outro tipo de desafios, nomeadamente em termos da logística de fazer chegar o produto ao cliente final.
“Queríamos que fosse uma coisa que fosse evoluindo por si. Começámos com um investimento pequeno e todo o dinheiro gerado com o que tem sido vendido na Flip to Green é utilizado para fazer anúncios e comprar produtos”, conta Rodrigo, ao relatar como é que a sua startup tem atraído mais clientes e crescido o negócio.
O maior obstáculo para os dois jovens empreendedores continua a ser o tempo que têm de gerir entre os estudos e a sua empresa. Em época de exames, os dois ajudam-se mutuamente para garantir conseguem dar conta do recado e têm a ajuda de familiares na Terceira, que dão apoio logístico na altura de entregar os produtos aos clientes locais. Por exemplo, o centro de encomendas da Flip to Green encontra-se perto da sede da StartUp Angra… no consultório da mãe de Alice. É o tipo de proximidade e informalidade comum num negócio de e-commerce regional que ainda está a dar os primeiros passos.
Apesar disso, Alice já tem algumas receitas para o sucesso. “Quando fazemos posts informativos, posts dos produtos e publicamos histórias, falamos com as pessoas e elas colocam as suas dúvidas, normalmente coincide com quando temos mais vendas, porque conseguimos ajudar a esclarecer dúvidas. Apesar de tudo, acho que há mais o “passa a palavra”, sobretudo na ilha Terceira, porque mesmo sendo uma loja online, temos na ilha Terceira a opção de levantamento gratuito, o que é uma vantagem “, concluiu.
Manter os planos em aberto
Rodrigo e Alice continuam as prioridades bem definidas: terminar o curso de Medicina e regressar aos Açores para poderem ser úteis “em casa”, onde a oferta de serviços de saúde também é escassa. Se, nesse caminho, puderem manter o seu negócio e rodear-se das pessoas certas, esperam poder manter estas duas faces da sua vida, apesar de saberem que não é fácil.
A curto-médio prazo, enquanto combinarem os estudos e a Flip To Green, a ideia passa por procurarem um crescimento sustentável que permita que os seus produtos cheguem a mais açorianos, espalhados por todas as ilhas. Por outro lado, o nome em inglês também deixa a entender que a Flip To Green poderá ter horizontes internacionais, especialmente numa região que, ano após ano, atrai cada vez mais turistas à procura de produtos locais que representem a distinção dos Açores como património da UNESCO e destino sustentável. “Nós pensámos, logo no início, e sendo jovens ambiciosos: ‘vamos abrir fronteiras, vamos para um nome internacional e caso um dia, no futuro, seja possível, também podemos vender para fora de Portugal’. E que todos possam perceber o conceito do nome”, rematam.
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Este é o quarto de uma série de artigos que resultam de uma visita do The Next Big Idea a Angra do Heroísmo, a convite da Startup Angra e da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo.
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