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Se hoje tivéssemos de fazer um ranking das empresas que tiveram a semana mais horribilis em 2021, o Facebook seria um fortíssimo candidato à liderança. Nas últimas semanas, a tecnológica já era um líder destacado com as repercussões dos “Facebook Files”: uma investigação conduzida pelo The Wall Street Journal que, através de uma fonte anónima, teve acesso a documentos confidenciais de uma investigação interna da empresa sobre as suas plataformas. Nestes ficheiros estavam identificados alguns dos impactos negativos que o Facebook e o Instagram têm em fenómenos como a desinformação, a polarização política e a autoestima de jovens adolescentes.
Não é uma surpresa para quem, no dia a dia, acompanha a influência destes serviços, mas acabou por ser uma surpresa a revelação de que o Facebook tivesse de facto conhecimento dos seus efeitos na sociedade e tenha decidido ignorá-los em prol do crescimento do negócio da empresa em termos de utilizadores e de receitas. A empresa de Mark Zuckerberg apressou-se a descredibilizar a investigação, mas os seus esforços foram por água abaixo quando a whistleblower (expressão inglesa para fonte anónima em processos corporativos) foi revelada no fim de semana de 1 de outubro. Trata-se de Frances Haugen, uma ex-gestora de produto na divisão de Integridade Cívica do Facebook, que tinha sido criada para moderar conteúdo nocivo e fake news durante as eleições americanas (e que entretanto foi dissolvida).
Numa entrevista ao programa americano “60 Minutos”, Haugen resumiu assim os problemas que denunciou nos ficheiros que tornou públicos:
Tudo começou com a alteração do algoritmo do Facebook e do Instagram em 2018. Nestas plataformas, os feeds passaram a privilegiar o conteúdo com maior potencial de interação, com base nos historial de utilização de cada um de nós.
Por um lado, significava que havia maior probabilidade de encontrarmos conteúdo do nosso interesse. Mas, por outro, também maior probabilidade de proliferação de conteúdo que pudesse despertar sentimentos mais negativos (por exemplo, fake news) que, em todo o caso, também gerava interação em termos de comentários ou partilhas.
No final, o que interessa é que os utilizadores passem mais tempo na plataforma e que possam mais facilmente passar os olhos pelos anúncios nos quais as marcas gastam milhões de dólares, anualmente.
Por outras palavras, o importante é dar prioridade a conteúdo que crie interação, independentemente do efeito que esse conteúdo possa ter na pessoa e nas comunidades onde está a ser exibido. No caso do Facebook, significa, por exemplo, dar destaque a uma informação falsa sobre a Covid-19 com muitos likes, ignorando o risco de saúde em grupos de população com graus de educação inferiores. Ou, no caso do Instagram, significa dar destaque ao conteúdo de uma influencer, ignorando os efeitos que pode ter na saúde mental de jovens adolescentes (não é um exemplo, é efetivamente um resultado da pesquisa feita pelo próprio Facebook).
Concluindo, as plataformas poderiam funcionar de forma diferente, mas o Facebook tem interesse e escolhe que assim seja.
Um blackout “mesmo a calhar”
No dia 4 de outubro, no meio da maior crise do Facebook desde o escândalo do Cambridge Analytica e no dia em que Frances Haugen ia depor perante o Senado americano, os servidores do Facebook, do Instagram e do Whatsapp ficaram inativos. E houve espaço para todo o tipo de reações:
Os trabalhadores do Facebook, que ficaram sem acesso aos escritórios e ao email, recorreram ao Zoom e ao Discord para resolver o problema.
Os utilizadores deslocaram-se ao Twitter para reagir ao sucedido com algum humor, incluindo a própria plataforma.
Quem queria comunicar com amigos ou familiares teve de encontrar outras soluções e as apps de mensagens Telegram e o Signal atingiram números de downloads recorde nesse dia e no resto da semana.
No total, as três plataformas estiveram em baixo durante seis horas e muito se especulou se teria sido um ciberataque ou um problema técnico. Inclusive, houve ainda quem colocasse a hipótese de ser uma manobra do Facebook para mostrar ao mundo a falta que fazia como resposta às revelações de Haugen. No entanto, de acordo com o Facebook, tratou-se de um erro técnico na rede que coordena comunicação online entre as plataformas que, devido à sua complexidade, demorou algum tempo a ser corrigido. Estima-se que no período de blackout o Facebook terá perdido entre 70 a 100 milhões de dólares de receitas.
Voltando a Haugen
Diante do Senado americano, Haugen voltou a reforçar as medidas que considera necessárias e sugeriu duas reformas para as plataformas se tornarem “melhores”:
uma medida de caráter técnico, que passa por uma mudança do algoritmo, mesmo que isso prejudique a experiência nas plataformas (e os lucros do Facebook)
uma medida de caráter legal, que introduza na lei americana uma alínea que torna as redes sociais responsáveis pelo conteúdo que é colocado nas suas plataformas, criando incentivos para que estas se foquem mais na sua moderação.
O Facebook não fez tardar a sua resposta através de Nick Clegg, o responsável pelas comunicações da empresa, que não só colocou em causa o real conhecimento de Haugen sobre os documentos que tinha “leakado”, como também reforçou o compromisso da empresa no combate à desinformação e conteúdo nocivo. De acordo com o executivo, o Facebook investiu cerca de 13 mil milhões de dólares e tem 40 mil pessoas a trabalhar na moderação de conteúdo. No entanto:
Depois desta capa da Time, o Facebook anunciou novas medidas para proteger os jovens de conteúdo nocivo nas suas plataformas, entre as quais um alarme para conteúdo nocivo no Instagram e a submissão de informações da plataforma a uma auditora independente.
Este é mais um caso nos vários com os quais a Big Tech tem lidado nos últimos meses, onde se incluem litígios com vários estados americanos, uma guerra com a Apple devido a novas definições de privacidade e ainda a ameaça crescente do TikTok, que vai acumulando cada vez mais utilizadores. Só nos últimos 30 dias, o valor de mercado do Facebook diminuiu 12%, uma redução de 120 mil milhões de dólares.
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