Foi no dia 3 de abril de 1973 que tudo aconteceu. Joel Engel, diretor da empresa norte-americana AT&T, atendeu o telemóvel e não podia imaginar: do outro lado estava Martin Cooper, funcionário da rival Motorola. “Estou, Joel? É o Martin Cooper. Estou-te a ligar de telemóvel. De um telemóvel a sério. Móvel!”, ouviu-se do outro lado.
“Disse-lhe, da maneira mais educada possível, que estava a falar com ele de um telefone móvel, no meio da rua”, viria depois a contar Cooper.
E assim, caro leitor, se fez a primeira chamada sem fios. Assim se fez história.
O rosto por detrás da invenção do primeiro telemóvel esteve em Portugal para uma palestra nos Techdays, evento que decorreu em Aveiro, entre os os dias 12 e 14 de outubro.
Ao SAPO24 Martin Cooper confidenciou que quando criou o primeiro telemóvel não poderia imaginar que viesse a ter funcionalidades que hoje vimos como banais, como por exemplo uma câmara fotográfica ou acesso à internet. Mas de uma coisa tinha a certeza: no futuro toda a gente iria ter um.
Mas o futuro, para Cooper, é promissor. O norte-americano diz que o dispositivo ainda está longe do seu máximo potencial e imagina-o no futuro a ter influência na nossa produtividade, saúde e até educação.
O primeiro telemóvel foi criado em 1973, pela Motorola, mas só chegaria aos mercados 10 anos depois e mudou tudo. A partir da década de 80 deixava-se de ligar para locais para se passar a ligar para pessoas.
Por agora, pede que se deixe de tratar as pessoas como números e que a tecnologia se debruce sobre a individualidade específica que faz de cada um de nós seres diferentes. Este é o sonho do pai do telemóvel que sonha com um telemóvel escondido atrás da orelha, debaixo da nossa pele e que ficou boquiaberto com as ideias que encontrou em Aveiro.
Quando inventou o telemóvel, apercebeu-se de que estava a mudar o mundo?
Nós não podíamos prever que um telemóvel teria uma câmara fotográfica, porque simplesmente não existiam câmaras digitais em 1973. A internet como a conhecemos ainda não tinha sido inventada, os computadores portáteis não tinham sido inventados. Mas, ainda assim, nós sabíamos que um dia todas as pessoas no mundo teriam um telemóvel.
Como poderia prever tal coisa?
Nós tínhamos uma piada que contávamos na altura. Um dia, quando uma pessoa nascesse ser-lhe-ia dado um telemóvel. O telemóvel tocava, se não atendessem morriam. Por isso, nós sabíamos que toda a gente no mundo ia ter um telemóvel.
E agora, as pessoas têm o mundo num telemóvel.
Bem, isso é um problema, porque agora existem mais telemóveis do que pessoas, mas muitas pessoas não têm telemóveis e ainda mais pessoas não têm acesso à internet. Temos de resolver isso porque os benefícios do telemóvel são enormes. O que temos agora está apenas no estado inicial, quando crescermos vamos aprender a utilizar estas ferramentas para resolver alguns dos maiores problemas do mundo. Vamos resolver o problema da fome, problemas de saúde e tornaremos toda a gente mais produtiva.
É assim que olha para o futuro? De uma forma revolucionária?
Como disse, acho que o desenvolvimento do telemóvel está só no início. Vão acontecer grandes mudanças.
E qual é o próximo passo?
Customizar o telemóvel ao utilizador. O objetivo não é fazer um dispositivo universal que faz imensas coisas, mas não faz nenhuma de uma forma otimizada à pessoa. Temos de tornar cada função útil e conveniente às pessoas.
Personalizar, então.
Customizar e personalizar, esse é o futuro da tecnologia. Não tratar as pessoas como estatísticas, mas tê-las como diferentes individualidades.
Dar uma personalidade ao telemóvel?
Claro. Não deve ser esse o caminho? E a mesma coisa deve ser feita com a educação, por exemplo. Hoje em dia tratamos as pessoas numa linha comum, todos devem saber o mesmo. Isso não faz qualquer sentido.
Vivemos numa era da standarização?
Vivemos e temos de alterar isso. Tratar pessoas como números para além de não ser eficiente não resolve nenhum problema.
Também tem um trabalho reconhecido no campo do wireless e da conectividade. O funcionamento em rede também é algo pelo qual passa o futuro do agora smartphone?
A tecnologia não tem a ver com ciência, mas com pessoas. Se queremos saber em que trabalhar, quais são os problemas e soluções, temos de começar pelas pessoas e não pela tecnologia. Isso faz sentido?
Parece que sim. E assim sendo, o que é que pode ser ainda mais incluído nos nossos bolsos?
Wearables. Ter o telemóvel distribuído nos nossos corpos com funções especializadas. O telemóvel, por exemplo, devia estar junto à nossa orelha. Já pensaram como é pouco cómodo atender o telefone nesta posição esquisita [Martin Cooper leva o seu smartphone ao ouvido] e depois o telemóvel não encaixa na nossa cara porque é uma coisa lisa… Um telemóvel deve estar debaixo da nossa pele, com o nosso corpo a providenciar a energia necessária para pôr o aparelho a funcionar. E se nós queremos ligar a alguém só temos de dizer o nome da pessoa e já está.
É esse o seu ideal de telemóvel?
Sim! Mas o telemóvel ideal devia ser capaz de fazer muito mais, medir a nossa saúde, comunicar não só por chamada, mas de uma das várias formas que existem para comunicar, devia educar-nos… A boa tecnologia é invisível, nós não sabemos sequer que ela está lá, mas ajuda a melhorar a nossa vida.
Esse futuro… está próximo?
Nada está perto, tudo leva tempo. Para alcançar o tipo de coisas de que eu estava a falar… todas as revoluções levam gerações, não anos. A evolução do telemóvel até hoje… Quanto tempo foi? Mais de 40 anos.
Isso são duas ou três gerações.
E para ver o meu sonho cumprido serão necessárias mais umas quantas.
"Cá conseguem coisas na área das telecomunicações com alguns engenheiros enquanto lá fora seriam necessários centenas"
Foi convidado para os Techdays, em Aveiro. O que encontrou quando chegou?
É a minha primeira vez em Portugal e estou deveras espantado. É um país pequeno, mas por causa disso aprendeu a tornar-se muito eficiente. Cá conseguem coisas na área das telecomunicações com alguns engenheiros enquanto lá fora seriam necessários centenas. Estou impressionado. E as pessoas têm sido muito carinhosas comigo, não só as que sabem quem eu sou. Todas. Espero poder voltar um dia.
No dia anterior à conferência, visitou o Instituto de Telecomunicações. Teve a oportunidade de conhecer algum do trabalho que tem vindo a ser realizado?
Passei lá algum tempo, sim. E, à medida que ouvia as pessoas, a minha mente explodia. Todas as novas ideias vindas dos laboratórios são fantásticas. É um país muito avançado.
Talvez o próximo Martin Cooper esteja em Aveiro.
Espero que sim, que haja muitos, mas que sejam muito melhores que eu [risos]
Nem toda a gente pode dizer que mudou o mundo, mas você pode.
Muito obrigado, mas não o fiz sozinho, houve uma grande equipa por detrás daquilo que conseguimos.
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