Em 2017, Peter Thiel, o bilionário que co-fundou a Paypal, e que assumiu a liderança das finanças do Facebook, além de ser conselheiro de Donald Trump, já tinha dito, como nota The New York Times, que considerava a Nova Zelândia “o futuro”. “Estou feliz por dizer que nunca encontrei um país que se alinhasse tanto com a minha visão de futuro como a Nova Zelândia”, afirmou o bilionário quando obteve a cidadania neozelandesa, mantendo também a norte-americana. A cidadania foi-lhe concedida rapidamente, embora o caso tenha permanecido em segredo por mais de seis anos.
Para além de ser conhecido por deter uma fortuna considerável, Thiel também tem tornado públicas as suas reflexões acerca da incompatibilidade da liberdade e da democracia. Não é por acaso que rebuscado e extravagante são dois dos adjetivos que descrevem Peter Thiel, que expressou, por exemplo, interesse na elaboração de uma terapia que envolve transfusões de sangue de jovens para reverter o processo de envelhecimento.
Em 2016, Sam Altman, um dos mais influentes nomes de Silicon Valley, disse em entrevista à The New Yorker que tinha feito um acordo com Thiel. Que acordo? Um que estabelecia que, no caso de ocorrer uma catástrofe nos Estados Unidos da América, - como a fuga de um vírus, a invasão do Estado Islâmico, uma guerra entre estados armados nuclearmente, etc - Thiel e Alman iriam num jato privado para a propriedade de Thiel na Nova Zelândia.
Quando a entrevista com Sam Altman foi publicada, Matt Nippert, jornalista da New Zealand Heard, revelou que Thiel possuía uma propriedade de mais de 193 mil hectares na Ilha do Sul - uma das ilhas menos povoadas da Nova Zelândia. Segundo o The Guardian, a propriedade de Thiel tem mais ou menos a mesma dimensão que a baixa de Manhattan.
Quando os estrangeiros pretendem comprar terras, com uma dimensão significativa, na Nova Zelândia, por norma o pedido é submetido a um rigoroso processo de verificação por parte do Governo. Contudo, no caso de Thiel, revela Matt Nippert, não existiu qualquer processo de controlo estatal, uma vez que o bilionário já era um cidadão na Nova Zelândia, apesar de não ter passado mais que 12 dias no país.
Aliás, o jornalista revela que Theil nem teve de viajar até Nova Zelândia para que lhe fosse concedida a cidadania neozelandesa; o acordo foi feito numa cerimónia privada num consulado localizado em Santa Mónica, nos Estados Unidos da América.
Por outro lado, no seu processo de cidadania neozelandesa, Thiel comprometeu-se em investir em startups tecnológicas da Nova Zelândia e em usar o seu estatuto para promover os interesses comerciais do país no exterior.
Quando estes dados foram divulgados, a suspeita de que Thiel preparava um refúgio para se abrigar de uma hipotética futura situação catastrófica começou a aumentar. Aliás, o próprio bilionário confessou que foi muito influenciado pelo livro “The Sovereign Individual: How to survive and Thrive during the Collapse of the Welfare State”, publicado em 1997, e escrito por Dale Davidson - investidor privado que aconselhava os ricos a tirar proveito da catástrofe económica - e o falecido William Rees-Mogg, antigo editor do The Times.
Donald Trump: catalisador da catástrofe?
De acordo com o Departamento de Assuntos Internos, dois dias depois da vitória presidencial de Donald Trump, o número de americanos a visitar o site onde estão partilhadas informações acerca do processo de obtenção da cidadania neozelandesa aumentou, em comparação com os meses anteriores. Aliás, também a vitória de Donald Trump contribuiu para a intensificação do discurso acerca de um possível “apocalipse”. Por exemplo, no rescaldo das eleições, a The New Yorker, escreveu uma peça sobre os ricos que se estavam a preparar para “destruição da civilização”.
Agora, de novo no artigo da The New Yorker, Nova Zelândia surge como a solução para a catástrofe americana. Reid Hoffman, o fundador do LinkedIn, colega de Thiel na empresa Paypal, refere-se a este país como “o refúgio favorito no caso de cataclismo”. “Se você disser que está a comprar uma casa na Nova Zelândia é como um piscar de olhos”, diz Hoffman.
Quando questionado acerca da quantidade de bilionários da Silicon Valley que tem algum tipo de “seguro do apocalipse” sob a forma de um refúgio nos Estados Unidos ou no exterior, Hoffman responde “acho que mais de 50 por cento”. Porém, acrescenta: “mas acho que isso é como a decisão de comprar uma casa de férias. A motivação humana é complexa, e acho que as pessoas podem dizer «agora tenho simplesmente um cobertura de segurança para algo que me assusta»”.
Esta entrevista voltou a reforçar a ideia de uma “salvação premium” em que, se algo correr mal em território americano, as pessoas mais ricas vão ser as únicas que se irão salvar. Para além do carácter paradisíaco, a Nova Zelândia é o refúgio ideal para os bilionários uma vez que é um país extremamente longínquo e isolado: as suas ilhas estão situadas a cerca de 2000 km a sudeste da Austrália, separadas através do mar da Tasmânia.
Uma exposição que alerta para o futuro
Simon Denny, artista plástico reconhecido internacionalmente, problematiza o futuro de Nova Zelândia na sua exposição designada “The Founder’s Paradox” - um nome que, segundo o The Guardian, satiriza o livro de Theil, “Zero To One”.
A exposição, apresentada em Auckland, Nova Zelândia, pretende forçar os visitantes a refletir sobre o futuro do país, dividindo-se entre dois espaços. Numa parte da exposição, a sala, iluminada e arejada, é ocupada por “esculturas de jogo” - de longe parecem peças de jogo móveis mas na realidade são esculturas. A construção das peças foi influenciada por um livro (“The New Zealand Project”) escrito por um jovem chamado Max Harris, que explorou uma política humana e coletiva relacionada com as crenças que a população indígena - māori - têm relativamente ao funcionamento da sociedade.
Já no andar de baixo da exposição, o ambiente envolvente assume contornos muito diferentes. A exposição encontra-se numa sala sem luz natural e limitada por tetos baixos. Aqui, as peças da exposição eram desenhadas de acordo com as regras rígidas e as estratégias seguidas pelos bilionários da tecnologia do Silicon Valley e representavam a visão que Thiel tinha para o país.
A peça central da exposição era um jogo de estratégia de mesa chamado Founders, que utilizava linguagem colonialista. No jogo, o objetivo dos Founders é explicado num texto adjacente ao tabuleiro: os Founders pretendem não só fugir do apocalipse, como também tirar beneficio dele. Primeiro, adquirem propriedades na Nova Zelândia para se afastarem do caos. Depois, pretendem construir ilhas artificiais nas águas internacionais. Nestes “micro-estados”, os inovadores tecnológicos teriam negócios “livres”, sem intervenção do governo - esta máxima, que tem o nome seasteading, já foi falada por Thiel. Por fim, depois de conquistar as águas, os Founders tentariam conquistar Marte - uma ambição que Elon Musk já tornou pública.
Trata-se apenas de uma exposição, mas já reflete alguma preocupação com a presença dos bilionários de Silicon Valley na Nova Zelândia. Presença essa que, na realidade, ainda está longe de ter uma justificação clara e inequívoca.
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