Desde novembro de 2019 que o filme Blade Runner está no nosso passado. Aliás, não há filme de ficção científica que não tenha uma forma ou outra de carros voadores num futuro mais ou menos próximo. Em 1989, o filme "Regresso ao Futuro (parte II)" já mostrava, projetando o ano de 2015, carros a circular em autoestradas suspensas no ar.
Os sonhos e as promessas não se ficaram pelo cinema. Em 2005, dizia-se que os carros voadores estavam prontos para "descolar". Em 2009, um antigo aluno do MIT fez um voo de teste daquilo a que chamava um "avião que pode andar na estrada" e apontava o início da produção para 2011. Em 2014, Elon Musk achava que um carro voador era algo que a Tesla poderia fazer "apenas pela piada". Em 2015, mais um carro voador estaria "pronto a descolar" dai a dois anos. Em 2017, a Uber apontava para 2020 o início dos testes da sua rede de carros voadores. Com toda a probabilidade, será mais uma promessa que ficará por cumprir, mas isso não abranda os anúncios de que esse futuro está próximo.
Os carros voadores dos filmes, que populam o nosso imaginário são, normalmente, veículos com muitas semelhanças com os carros de estrada. Têm um habitáculo espaçoso e confortável, muitas vezes um volante e painel de instrumentos mais ou menos futurista e são fáceis de conduzir (ou pilotar), quando não são completamente automáticos, e são capazes de todo o tipo de manobras, incluindo, parar no ar. Alguns têm rodas que permitem também andar na estrada, mas a característica que, invariavelmente, distingue os carros voadores dos filmes é que aterram e descolam na vertical de forma suave, quase como se levitassem.
Na realidade, qualquer máquina voadora depende sempre do princípio da conservação do momento linear e da aerodinâmica para poder voar. Para produzir na aeronave uma força de sentido ascendente é necessário acelerar o ar no sentido contrário, transferindo para ela a quantidade de movimento necessária. Este é o mesmo princípio que faz com que, estando numa jangada que flutua num lago, se atirar uma pedra para fora da jangada, esta vai-se mover no sentido contrário. Em termos simples, para que um helicóptero suba ou paire no ar, é necessário que as suas hélices acelerem uma massa de ar suficientemente grande para compensar a gravidade. Os motores a jato ou de foguete funcionam pelo mesmo princípio.
Ao longo dos anos, têm surgido tanto conceitos de asa fixa como de aterragem e descolagem vertical, mas um "carro voador" de asa fixa precisaria sempre de um aeródromo, de uma pista, para descolar e aterrar. Apenas um carro voador de descolagem e aterragem vertical poderá alguma vez vir a ser utilizado pela generalidade das pessoas e evitar a necessidade da construção maciça de novas infraestruturas. Concluímos, portanto, que um carro voador não é nada mais nada menos do que um helicóptero, mais ou menos glorificado, com mais ou menos hélices.
Outro problema que precisaria de ser solucionado é o da condução (ou pilotagem) e do controlo de tráfego. Uma pessoa que queria pilotar uma aeronave passa, no mínimo, por vários meses de formação de um nível de exigência e com um custo várias vezes superior ao que é necessário para conduzir um automóvel. Por outro lado, imaginemos o impacto de ter milhares de pequenos veículos a voar sobre as nossas cidades e o pesadelo que seria em termos de controlo de tráfego aéreo. Ainda assim, estes são dois problemas para os quais, com a evolução da automação e da inteligência artificial, é possível hoje antever soluções.
O problema mais difícil de resolver é mesmo um problema de física fundamental e de engenharia. O projeto de um carro voador enfrenta todos os constrangimentos comuns a qualquer projeto de engenharia aeronáutica, onde o peso assume um caráter especialmente crítico. É por essa razão que é tão difícil de substituir os combustíveis tradicionais, que têm uma densidade energética muito elevada.
Para armazenar a mesma quantidade de energia que está em 1 kg de JetFuel são necessários, no mínimo, 50 kg de baterias de lítio, com a desvantagem adicional de que é necessário continuar a transportá-las depois de consumida a energia. Daí a grande dificuldade que sempre existirá em eletrificar a aviação. No caso de aeronaves de descolagem e aterragem vertical, o problema é agravado. O consumo de energia de um helicóptero pode ser 2 a 3 vezes superior ao de um avião de asa fixa.
Na WebSummit de 2019 surgiu mais um "táxi voador" que prometia viagens entre Lisboa e Faro por 6 €. Fazendo alguma engenharia inversa com este valor, admitindo que tal corresponde apenas ao custo da energia elétrica, com um preço de 0,15 €/kWh, significa que os proponentes do conceito estimam em 80 kWh (o equivalente a cerca de 7 litros de gasóleo) a energia necessária para voar de Lisboa a Faro com 2 passageiros. O que, certamente, não foi contabilizado foi a necessidade de transportar o equivalente ao peso de mais 4 passageiros, cerca de 300 kg, em baterias de lítio para conseguir fazer a viagem.
Não será fácil ultrapassar estas dificuldades, pelo menos, até que apareça alguma tecnologia que se aproxime da "levitação mágica" que vemos nos filmes. Entretanto, há outras tecnologias no futuro dos transportes, algumas delas que já existem, e que nos ajudarão a resolver os nossos problemas de mobilidade.
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