Swipe para a esquerda, swipe para a direita. Estes gestos tornaram-se populares com a ascensão das apps de encontros, que vieram dar uma nova forma ao chamado online dating, nomeadamente, o Tinder. Para se ter uma ideia, os encontros online existem há quase 30 anos, com o lançamento do Match.com, em 1995. Mas foi com o lançamento do Tinder, em 2012, que a abordagem aos encontros online com base em gestos simples e fotografias em destaque revelou ser de tal forma eficaz que não tardou até que a concorrência replicasse a ideia e a tornasse num padrão para este tipo de aplicações.

Em pouco tempo, o Tinder e os seus concorrentes, como o Bumble, transformaram o panorama dos encontros online. Um relatório divulgado em 2022 pelo Pew Research Center revela que 30% dos adultos dos EUA já utilizaram um serviço de encontros online, incluindo mais de metade dos jovens entre os 18 e os 29 anos.

  • Mais: um em cada cinco casais nessa faixa etária conheceu-se através destes serviços.

Apesar de os mais jovens serem quem mais usa estas plataformas, os dados mostram ainda que 37% das pessoas entre 30 e 49 anos já experimentaram as apps de encontros online, bem como 20% das pessoas entre 50 e 64 anos. Estes números são indicativos da normalização do online dating e ajudam a combater a ideia de que este tipo de encontro é uma forma de desespero. A pandemia também contribuiu para esta realidade, já que a procura por este tipo de serviços disparou durante esse período.

De acordo com a plataforma Business of Apps, em 2023 a indústria das aplicações de encontros online gerou 5,3 mil milhões de dólares, uma subida de 8% face ao ano anterior. O Tinder é a aplicação que gera mais receitas e no ano passado faturou 1,9 mil milhões de dólares, duas vezes mais do que o seu concorrente mais próximo, o Bumble. Quanto aos utilizadores, cerca de 350 milhões de pessoas utilizaram as aplicações de encontros em 2023, um aumento de cerca de 12 milhões em relação a 2022. O Tinder tem cerca de 88 milhões de utilizadores na sua plataforma, mais do que qualquer outra do mesmo tipo.

A perder o encanto?

No entanto, o número de downloads destas apps mostra uma perspetiva diferente. De acordo com dados da Sensor Tower, citados pela revista The Economist, os encontros online parecem estar a perder o encanto. Isto porque as aplicações deste segmento foram descarregadas 237 milhões de vezes no ano passado, uma queda em relação aos 287 milhões em 2020. Também o número de pessoas que utilizam estas apps pelo menos uma vez por mês diminuiu de 154 milhões em 2021 para 137 milhões no segundo trimestre deste ano. O que pode explicar estes números? Segundo a revista, os utilizadores estão desiludidos, estão a gastar menos dinheiro nestas apps e os encontros offline parecem estar a regressar.

Ao The Next Big Idea, Rita Sepúlveda, investigadora, e autora do livro Swipe, Match, Date, que dá dicas sobre como potenciar um perfil em plataformas de encontros online e alcançar os objetivos traçados para estas apps, considera que, apesar de poder haver uma redução no ritmo de crescimento, isso não significa necessariamente uma perda de interesse generalizada.

A investigadora também aponta para a evolução natural do uso destas aplicações. Ou seja, depois do boom inicial de novos utilizadores, é natural que haja uma estabilização. "Houve um grande boom do número de utilizadores destas aplicações durante a pandemia. Isso é obviamente explicado pelo contexto. Estávamos em casa, tínhamos necessidade de nos relacionarmos com outras pessoas e tanto estas aplicações como outras responderam às nossas necessidades.

Com o final da pandemia e o desconfinamento em curso, a população voltou a sair de casa e as ruas voltaram a encher. Para Rita Sepúlveda, após meses a fio em frente ao ecrã, as pessoas desenvolveram uma fadiga associada ao digital e instalou-se a vontade de regressar ao “modelo antigo de dates. Ou seja, meter o smartphone no bolso e marcar um encontro presencial, como um café, por exemplo.

No mês passado, a Match Group, dona de aplicações como o Tinder e o Hinge, revelou que o número de utilizadores que pagam pelo Tinder, por exemplo, desceu 8% no segundo trimestre de 2024, em comparação com o mesmo período do ano passado. Além disso, de acordo com dados citados pela Reuters, o número de downloads da aplicação diminuiu 12% neste segundo trimestre. Já as receitas da Match Group cresceram 4%, o que está acima das expectativas dos analistas, mas abaixo dos 9% registados no primeiro trimestre deste ano.

Quanto à empresa rival Bumble, dona da aplicação com o mesmo nome, divulgou este mês que as receitas cresceram apenas 3% no segundo trimestre, abaixo das expectativas dos analistas e dos 10% registados no trimestre anterior, e reduziu as suas perspetivas de receitas para o ano. O anúncio teve consequências imediatas na bolsa, com as ações da empresa a caírem 30%, de acordo com a Reuters.

Estarão os jovens desiludidos?

Lê-se na imprensa que esta desaceleração reflete a crescente desilusão dos utilizadores com as aplicações de encontros e a vontade cada vez menor de pagar por elas. As apps que antes eram divertidas tornaram-se, para muitos, fontes de frustração, escreve a The Economist, que acrescenta que as pessoas queixam-se de passar horas a filtrar dezenas de milhares de perfis. E os dados do Pew Research Center vêm provar isso mesmo: metade das mulheres inquiridas dizem sentir-se sobrecarregadas com o número de mensagens que recebem. O facto de 84% dos utilizadores do Tinder serem homens também não ajuda. O mesmo acontece com 61% dos utilizadores do Bumble, que é direcionado para mulheres.

Além disso, o modelo de negócio destas aplicações também tem sido alvo de críticas. Em fevereiro deste ano, a Match Group foi alvo de um processo judicial que acusa a empresa de incentivar o uso compulsivo destas plataformas, para gerar lucros. A ação, refere que a empresa apresenta intencionalmente as suas plataformas de namoro com recursos semelhantes aos de jogos que “prendem os utilizadores a um ciclo perpétuo de pagar para jogar”, priorizando o lucro em vez das promessas de ajuda para os utilizadores encontrarem relacionamentos.

Outro inquérito, divulgado pela Axios no final do ano passado, indica que os jovens adultos dos EUA descrevem a sua experiência nas apps de encontros online como superficial e exaustiva e que apenas um quinto dos estudantes universitários do país as utilizava pelo menos uma vez por mês. Ao que o documento indica, a esmagadora maioria destes estudantes prefere conhecer pessoas cara a cara, em vez de usar aplicações. Alguns acreditam até que estas aplicações prejudicaram a dinâmica dos encontros e a autoconfiança dos jovens.

Também as questões de segurança têm sido uma preocupação crescente. O estudo do Pew Research Center indica que 49% dos inquiridos consideram que as aplicações de encontros não são uma forma segura de conhecer pessoas. Esta perceção é particularmente forte entre as mulheres, com 57% a expressar preocupações de segurança. Muitos utilizadores também se preocupam com fraudes.

A realidade portuguesa

Este ano, a investigadora Rita Sepúlveda divulgou um estudo sobre outras razões que levam os utilizadores portugueses a abandonar as chamadas dating apps e a principal prende-se com as experiências insatisfatórias. O motivo mais frequentemente apontado é a incapacidade destas plataformas em satisfazer as necessidades dos utilizadores, seguido pela falta de novidade e o não conhecer pessoas interessantes. Muitos utilizadores relatam sentirem-se desiludidos, aborrecidos ou frustrados com a monotonia da experiência, que frequentemente se resume a fazer swipe por vários perfis sem resultados significativos.

Além disso, as expectativas não correspondidas e as experiências negativas específicas contribuem para a desconexão. Estas incluem encontros com pessoas que mentem nos seus perfis, situações de ghosting (quando alguém corta abruptamente a comunicação), e até casos de fraude. A falta de autenticidade, a deceção com a qualidade das interações e preocupações com a segurança são fatores que levam muitos utilizadores a desistir destas aplicações.

Rita Sepúlveda também destaca que ainda existe algum estigma associado ao uso destas aplicações, especialmente no contexto português, o que pode contribuir para a relutância de algumas pessoas em admitir que usam estas aplicaçõesou para a perceção de que o seu uso está a diminuir. “Eu acho que esse estigma pode estar justificado, em parte, por as pessoas não partilharem que usam estas aplicações. Existe também uma ideia de que quem as usa tem poucas competências sociais e que este tipo de aplicações serve apenas para procurar sexo”, acrescenta a autora.

A investigadora dá um exemplo: “Se alguém perguntar onde é que nos conhecemos, no caso de um casal, dizemos que foi através de amigos comuns, num café, ou noutros contextos que não uma aplicação de dating. A não partilha é sempre com algum receio do julgamento dos outros”, afirma.

Por onde passa o futuro das aplicações de encontros?

Face a este cenário de crescente desinteresse e desilusão dos utilizadores, a indústria das aplicações de encontros está a procurar reinventar-se. Algumas plataformas estão a apostar em mercados mais específicos, como o Grindr, uma aplicação de encontros online para a comunidade LGBT+, que continua a crescer rapidamente, assim como o Feeld, que visa o público poliamoroso. Nos últimos anos, a Match Group também lançou aplicações direcionadas para pais solteiros e minorias étnicas.

Um outro relatório citado pela Axios, desta vez acerca da Eventbrite, uma plataforma dedicada às experiências ao vivo, revela que os jovens estão cada vez mais a procurar eventos presenciais para conhecer potenciais parceiros, o que, para a empresa, reflete uma diminuição do interesse nas aplicações de encontros e um aumento significativo nos eventos de speed dating. Os números da Eventbrite mostram que a participação em eventos para solteiros e de encontros na plataforma aumentou 42% de 2022 para o ano passado, o que sugere uma mudança na forma como os jovens abordam as relações e os encontros, ao trocarem o online pelo offline.

Questionada sobre o futuro destas apps, Rita Sepúlveda afirma que “o que nós temos visto tem sido uma evolução deste tipo de serviços em função da tecnologia que vai estando disponível, mas também do contexto sociocultural”. A investigadora destaca ainda que estas aplicações têm demonstrado capacidade de adaptação ao longo do tempo, desde a transição de sites para aplicações móveis até à incorporação de novas funcionalidades em resposta a desafios como a pandemia.

Outra adaptação em curso é a implementação da Inteligência Artificial (IA) nestas apps, que já está a acontecer. Rita Sepúlveda conta que a IA já está a ser utilizada para melhorar os algoritmos de correspondência, analisar perfis de forma mais eficiente e até mesmo ajudar na detecção de esquemas de catfishing.

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