Nos últimos tempos, quando se fala de robôs autónomos inteligentes, o primeiro pensamento que ocorre à maioria dos leitores é que vem aí mais um sistema que nos vai tirar o emprego.
Com a chegada da doença COVID-19 passámos a viver momentos extraordinários, diferentes de tudo o que a maioria de nós alguma vez havia vivenciado. Também a perceção da utilidade dos robôs mudou para muitos, ainda que não para aqueles que os desenvolvem e que conhecem a realidade internacional.
Um dos problemas de substituir a atividade humana em muitas atividades de serviços onde a robotização já se iniciou, como os hotéis ou os restaurantes, é a falta de presença humana, do contacto social e do aspeto emocional. Mas contacto social, ou melhor, a sua componente física, é precisamente aquilo que temos que evitar por estes dias, por forma a reduzir a propagação rápida do vírus, que provoca todas as consequências nefastas que são agora bem conhecidas. É aí que os robôs, nomeadamente em serviços de saúde, ganham uma relevância ainda maior do que a que já tinham.
Os robôs são complexos sistemas eletromecânicos, dotados de atuadores (como as rodas ou as pernas que os fazem mover, mas também os braços para apanhar ou manipular objetos e mesmo os altifalantes que permitem comunicar através de fala ou simples sinais acústicos) e sensores (que replicam alguns sentidos humanos, como as câmaras de vídeo, os microfones, ou os sensores de toque e tato, mas também muitos outros, como medidores de distância, orientação ou velocidade). Para que sejam autónomos, em termos de capacidade de decisão, os robôs necessitam de processadores a bordo, como os dos computadores que usamos no dia-a-dia. Nesses processadores são executados algoritmos para os mais diversos fins, com maior ou menos sofisticação, que acabam por dotar o robô de autonomia a inteligência máquina, incluindo a capacidade de aprender.
No século passado, documentários de robôs automatizando a produção em fábricas de construção, montagem, pintura, transporte de peças e soldadura deslumbraram o grande público. Mas a versão mais moderna e desafiadora da robótica procura criar máquinas capazes de lidar com ambientes menos estruturados e previsíveis, como as nossas casas ou mesmo os ambientes exteriores, povoados de humanos e outros agentes que não se comportam de forma tão determinada como num ambiente fabril.
Uma dessas famílias de robôs são os usados em hospitais, seja para ajudar na cirurgia, seja para interagir com crianças hospitalizadas ou autistas, ou ainda para realizar tarefas rotineiras, como transportar medicamentos e roupa, por forma a libertar o(a)s enfermeiro(a)s e médico(a)s para darem a atenção devida aos pacientes.
Estes robôs ganharam uma importância suplementar em hospitais com doentes infetados pelo novo coronavírus, onde a distância do pessoal hospitalar é fundamental para evitar que médico(a)s e enfermeiro(a)s sejam contaminados. E foi assim que se tomou conhecimento de uma autêntica invasão de robôs em hospitais chineses, incluindo na cidade epicentro do problema, Wuhan, na China, onde estes ajudam a receber pessoas suspeitas de estarem infetadas, entregam alimentos, bebidas e medicamentos aos pacientes, incluindo entre armazéns e hospitais. Por outro lado, ficámos também a conhecer a tecnologia inovadora desenvolvida por uma companhia dinamarquesa, em que um sistema que emite luz ultravioleta de baixo comprimento de onda (UVC), com energia suficiente para destruir o ADN ou ARN de micro-organismos presentes em superfícies da sala onde o robô se encontra, é montado numa plataforma móvel.
Mas em robótica não há limites para a criatividade e as aplicações. Também sistemas manipuladores mais próximos da automação das fábricas do século passado são usados para grelhar carne em restaurantes, sem contacto humano com a comida. O governo espanhol adquiriu robôs que vão permitir automatizar testes para diagnosticar a presença do vírus, que muitas vezes não realizados em números superiores por falta de pessoal e não só de materiais. Não se sabendo à data detalhes técnicos destes robôs, é possível antever que se tratem de manipuladores rápidos ou mesmo sistemas mecatrónicos. E muito mais exemplos haverá e mais sistemas despontarão em breve.
Muitos questionarão se os robôs atuais estarão preparados para ser usados para estes fins de forma segura e fiável. A boa notícia é que se trata de aplicações em que os requisitos técnicos estão já demonstrados há alguns anos em fábricas e hospitais, mesmo na presença de humanos e obstáculos inesperados, como um objeto deixado caído no caminho planeado pelo robô. Todos os robôs móveis de serviços (aspiradores, transportadores de alimentos, roupa ou correio, cortadores de relva), mesmo que fabricados em uma ou poucas unidades para um fim específico (como um rover explorador de Marte) têm sempre como base uma plataforma móvel (normalmente com rodas) e sensores laser de distância que fazem varrimento num plano à volta do robô para determinarem a sua localização num dado espaço, com base num mapa previamente adquirido pelo robô usando os mesmos sensores.
É assim como que a generalização do uso de GPS em ambientes interiores, onde o GPS não está efetivamente acessível. O sistema de localização compara a informação extraída do varrimento com a que esperava obter com base na sua localização estimada e no mapa e corrige a estimativa com base nas diferenças encontradas. Sabendo a sua localização e o mapa, é possível ao robô, através de algoritmos de planeamento de caminhos como os que são usados pelas aplicações de auxílio à condução dos nossos smartphones, determinar o melhor caminho para chegar a uma dada localização, e depois seguir esse caminho, corrigindo regularmente os erros entre a sua posição e a posição desejada.
O que varia de robô para robô, consoante a aplicação, são os sensores e atuadores específicos montados nesta plataforma móvel autónoma. Assim, uma mesma plataforma pode, por exemplo, ser usada num hospital para levar o sistema de desinfeção UVC de quarto para quarto, parando nas zonas a desinfetar para poder emitir a radiação durante o tempo necessário, mas também para transportar comida, roupa e medicamentos de e para os quartos onde estão doentes altamente contagiosos.
É possível também montar na plataforma móvel manipuladores que ajudem a carregar e descarregar estes objetos, se os pacientes não o conseguirem fazer. E a distância física entre médicos e pacientes pode ser compensada por sistemas de videoconferência instalados a bordo dos robôs, como aqueles que usamos nos nossos dias para comunicar com a família e amigos em locais remotos e que compensam em parte o confinamento social.
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