Em dezembro de 2017 numa audiência no Reagan National Defense Forum dos USA em Simi Valley na California, o Chefe do Comando Estratégico, General John Hyten, fez uma denúncia surpreendente e marcante, ainda que envolvida em algum mistério...
O General afirmou que desde 1991 que a Rússia e a China se tinham dado conta de como as Forças Armadas dos EUA fizeram uma muito boa utilização da sua rede de satélite em operações militares como a Guerra do Golfo, e que atualmente têm estado à procura de formas de negar aos EUA e aos seus aliados a capacidade de o fazer com a mesma eficácia no futuro.
Ainda segundo o General, tanto a Rússia como a China estão a desenvolver armamento espacial anti-satélite (ASATs), baseado em tecnologia laser e sem fazer grande segredo disso. A notar-se que o sistema de satélites dos EUA é a única forma de, por exemplo, detetar um ataque nuclear, eventualmente por parte de uma Coreia do Norte, de quem a Rússia e China são simpatizantes.
Um teste que "mudou tudo"
Sabe-se hoje que a 11 de janeiro de 2007 o Major-General William Shelton encontrava-se na California’s Vandenberg Air Force Base, com um telefone em cada ouvido a receber atualizações sobre um ensaio da China que não teve pré-aviso.
Neste dia, por volta das 15:00 os radares com sensores infravermelhos dos EUA acompanharam um míssil chinês, que levantou do Centro de Lançamento de Satélites Xichang, voou até aos 800 km da Terra em altitude (a estação espacial internacional está a 500 km de altitude), aproximou-se de um satélite desativado chinês, tendo sido registado posteriormente um “clarão”…
Este teste de uma ASAT (arma anti-satélite) destruiu um satélite que orbitava a 27.000 Km/hora. Na altura e com apreensão o General William Shelton afirmou esta ação “mudava tudo”.
O Lixo Espacial criado com o teste anti-satélite...
Com este teste da China, 3000 pedaços ficaram a voar a uma velocidade superior à de uma bala no Espaço, e em órbita da Terra. E logo por azar, a 20 de fevereiro de 2008 houve um outro problema: Os EUA foram obrigados a abater um dos seus satélites espiões, uma vez que este teve uma avaria no inicio da missão.
O satélite americano tinha a bordo cerca de meia tonelada de hidrazina, um produto químico tóxico, e caso se despenhasse na Terra teria consequências gravíssimas. Este facto deixou os EUA de mãos atadas, tendo sido obrigados a destruí-lo no Espaço.
E como uma desgraça nunca vem só, em 2009 dois satélites colidiram a cerca de 800 km da Terra, sobre a Sibéria. Um satélite comercial dos EUA propriedade da Iridium, lançado em 1997 e com um peso de 560 kg, chocou com um satélite russo que tinha sido lançado em 1993 e que pesava cerca de uma tonelada. Esta colisão originou mais 2000 estilhaços, sendo que novos destroços originam novas colisões em cascata, que por sua vez originam mais lixo espacial.
Estimou-se em cerca de 150.000 estilhaços/pedaços de lixo espacial em órbita até à recente missão indiana "Shakti", a 27 de março deste ano. Nessa data o Primeiro-Ministro indiano Narendra Modi apareceu no Twitter e na televisão a congratular-se com a destruição com uma ASAT, de um satélite indiano em órbita baixa da Terra (300 Km de altitude), cerca de 3 minutos após o lançamento.
Em resposta a esta ação, logo dia 1 de abril, o Administrador da NASA Jim Bridenstine, numa conferência de imprensa na NASA TV, alertou para o facto de que o recente teste da Índia tinha criado 60 novos pedaços que ficaram a voar em órbita a alta-velocidade, que são suficientemente grandes para que se consiga fazer o seu tracking. Destes 60 pedaços, 24 foram lançados para uma órbita superior à da Estação Espacial Internacional (ISS), colocando-a, portanto, em risco.
Don Kessler e o Kessler "Effect"!
Estes destroços ou lixo espacial que voa em altíssimas velocidades em órbita da Terra cria aquilo que se chama o efeito Kessler, chamado assim por ter sido definido por Don Kessler da NASA em 1978.
Esta teoria defende que este tipo de lixo espacial encontra com o tempo outros alvos ou sondas e vai aumentando o número de destroços, gerando uma cortina em órbita da Terra que seja intransponível durante décadas ou centenas de anos, pela nossa tecnologia. Ou seja, pôr fim à exploração espacial uma vez que ficamos fechados numa prisão gravitacional, na medida em que não é possível ultrapassar a órbita da Terra sem ter um número significativo de colisões – que gera aliás ainda mais destroços.
É verdade que a cada 11 anos, sensivelmente, os ciclos solares fazem com que o planeta Terra receba mais energia solar. Essa quantidade de energia extra faz com que as camadas inferiores da atmosfera se “dilatem”, o que origina uma expansão dos gases na parte superior da atmosfera. Esses gases vão abrandar a velocidade dos objetos em órbita, fazendo com que estes reentrem na atmosfera da Terra e sejam vaporizados.
Este mecanismo de higiene do Espaço em órbita da Terra, não é contudo suficiente para limpar todo o lixo espacial que está a ser lançado pelos humanos.
Se analisarmos os dados da ESA - European Space Agency, atualizados a 1 de janeiro de 2019, vemos que existem cerca de 8950 satélites que foram lançados até hoje, dos quais 5000 ainda estão no Espaço, embora só 1950 estejam a funcionar. Há 22.300 destroços que são rastreados com regularidade porque temos 8400 toneladas de objetos colocados em órbita.
E Elon Musk teve uma ideia...
A 23 de maio deste ano, um foguetão lançador Falcon 9 colocou em órbita 60 satélites da SpaceX, que fazem parte de uma constelação de satélites que atingirá no futuro 12.000 satélites. O objetivo é proporcionar cobertura de Internet em todo o mundo, e isto parece ser um desígnio altruísta...
Só que há duas semanas Jan Hattenbach, Analista Sénior de Mitigação de Detritos Espaciais da Agência Espacial Europeia (ESA), lembrou que o que Elon Musk e a SpaceX estão a fazer na prática é duplicar a quantidade de tráfego em órbita (face aos 5000 satélites existentes em órbita), fazendo no espaço de 2 anos mais do dobro daquilo que fizemos em 60 anos. Ora isto sobe substancialmente a possibilidade de gerar um evento em "cascata", uma vez que uma colisão origina muitas outras.
Para se lançar nos EUA uma missão de satélites, que estão a trocar dados com a Terra, é preciso uma licença da Federal Communications Commission (FCC). E para se conseguir obter a referida licença as empresas devem demonstrar o que farão em relação à mitigação de detritos espaciais.
A questão é que nunca foi lançado nada do género e com estas proporções... E por isso, só se vai realmente saber após a medida estar implementada, mas desde já há razões para preocupação, na medida em que a OneWeb, o Facebook e a Amazon manifestaram também interesse em lançar redes semelhantes à Starlink de Elon Musk...
Um céu mais brilhante e mais confuso...
Também Megan Donahue, presidente da American Astronomical Society, afirmou há alguns dias atrás a sua enorme preocupação com os satélites da Starlink. De facto os satélites que Elon Musk caracterizou de "pouco visíveis" afinal brilham tanto como algumas constelações astronómicas, além de que "riscam" o céu.
Ainda segundo a presidente, estes satélites brilhantes causam perturbações significativas nas observações óticas e infravermelhas próximas, provocam a contaminação de observações radioastronómicas por radiação eletromagnética em bandas de comunicação por satélite e há um sério risco de colisão com observatórios baseados no espaço.
No entanto, a receita total da conetividade de internet gera cerca de um bilião de dólares anualmente e quando o Starlink estiver a funcionar vai anexar segundo Elon Musk, cerca de 3 a 5% dessa receita, que servirá, segundo o próprio, para viabilizar as missões da sua Starship (com capacidade para transportar 100 astronautas/passageiros) a Marte e à Lua.
Além gerar lucros, a Starlink gera também um fator de confusão. Quando os satélites brilhantes voam no campo de visão dos observatórios espaciais, podem disfarçar com o seu brilho algo muito perigoso, como um asteroide que se dirija para a Terra. Isso mesmo foi denunciado pelo astrónomo Alex Parker na Live Science.
E sobre o risco de impacto de um corpo celeste como um asteroide, enumeramos vários impactos com proporções gigantescas que o planeta Terra já sofreu no passado neste artigo. É uma questão de tempo e voltará a acontecer. Recorde-se que o impacto de um asteroide em Tuguska na Sibéria, a 30 de junho de 1908 foi 1000 vezes superior à bomba de Hiroshima, tendo derrubado 80 milhões de árvores numa área de 2150 km quadrados, seguindo-se de um terramoto grau 5 na escala de Richter.
Resta saber portanto se a execução da missão Starlink da SpaceX vai correr bem, e representará um avanço grande para a Humanidade, porque para correr mal basta um pequeno engano, ou mesmo um pequeno azar. Se houver imprevistos, pode mesmo ser uma catástrofe de proporções épicas.
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