“Sejam tão bons que não vos podem ignorar”.
Quem esteve no Startup Capital Summit dificilmente esquecerá esta frase. Foi proferida num dos painéis mais entusiasmantes do evento realizado em Coimbra, 11 de maio, que juntou Carolina Amorim, CEO da Emotai, e Virgílio Bento, CEO da Sword Health, o mais recente unicórnio português numa conversa sem moderação entre dois fundadores de startups na área das biotech.
Talvez o mais importante na citação que Virgílio Bento foi buscar à biografia do comediante Steve Martin seja o que é realmente preciso fazer para um dia chegar a um palco e ter uma assistência de mais de mil pessoas a quererem ouvir o que temos para dizer. O que no caso dele significa quererem saber como é que em menos de uma década conseguiu tornar um projeto de doutoramento na Universidade de Aveiro numa empresa com escritórios em Nova Iorque, Salt Lake City e sede tecnológica no Porto, e que quer ultrapassar a fasquia dos 500 clientes em mercados como o americano, inglês, australiano, canadiano e, claro, o português.
A resposta, faz questão de sublinhar, não é romântica. Ou pelo menos tão romântica quanto “contam os media”.
“Este jogo é tão difícil e é uma montanha russa de emoções. Normalmente olhamos para as startups de uma forma muito romântica, unicórnios, billion dollars valuations… Internamente é como a fábrica de salsichas, o processo é tudo menos bonito”. Para uma audiência repleta de empreendedores, estudantes que sonham ser empreendedores, investigadores que trabalham no que será a sua startup, se isto não é um soco no estômago, é pelo menos um bom grito de alerta.
Até porque tem um propósito – há uma luz ao fundo do túnel, só não é exatamente aquela que ilumina muitos dos que dominam o discurso no dito ecossistema das startups.
“Mais que networking, as startups devem focar-se em criar algo que é excecional no mundo, porque se o fizerem podem não conhecer ninguém, mas toda a gente vai abrir a porta; quando se cria algo banal, aí é que os problemas acontecem”. É daqui que vem a frase que ninguém se esquece – “sejam tão bons que não vos podem ignorar” – o que está longe de ser fácil, mas é sobre a dificuldade que Virgílio Bento foi ali falar.
O que é que isto diz da vida de quem funda startups e, no caso da Sword Health, até chega ao tão ambicionado estatuto de unicórnio com uma valorização superior a mil milhões de dólares?
Comecemos pela missão da empresa: “A Sword tem a missão de eliminar a dor no mundo e a forma como estamos a cumprir a nossa missão é usando tecnologia para resolver esse problema que afeta 2 mil milhões de pessoas em todo o mundo. Usamos hardware, IA, de forma a replicar as tecnologias analógicas que existem”.
Sobre a fasquia da ambição, ficamos conversados a partir daqui.
Agora, vejamos como o estão a fazer.
“Ninguém me ia financiar com base numa ideia”
O projeto nasce no âmbito de uma investigação académica na Universidade de Aveiro, mas está longe de ter sido por acaso. Virgílio Bento começou o doutoramento já focado em desenvolver a tecnologia que daria origem à Sword Health, sabendo que não queria ser professor ou doutorado mas sim ter acesso a financiamento para a tecnologia.
“Eu tinha uma ideia e percebi que no contexto de Portugal e europeu ninguém me ia financiar com base numa ideia”, conta. Começaram, assim, por submeter um projeto à FCT de 120 mil euros durante quatro anos. Hoje, poucos meses depois de a Sword Health ter levantado uma ronda de 189 milhões de dólares que a elevou ao estatuto de unicórnio, parecem migalhas, mas à época foi o que permitiu que uma ideia fosse testada e se pudesse transformar num produto.
Virgílio refere-se a este período inicial como a travessia do deserto do financiamento. O dinheiro é pouco para o muito que há por fazer e ainda não há produto – a gestão das necessidades de desenvolvimento de algo que é novo e da impaciência de quem investe é espinhosa. A Sword foi angariando dinheiro em volume crescente – uma ronda de 150 mil euros, outra de 250 mil euros, outra de 400 mil euros – mas foi uma bolsa da Comissão Europeia de um milhão de euros que efetivamente acabou por acelerar o processo. Depois disso voltaram aos investidores e gastaram nove meses a negociar mais uma ronda de um milhão de euros – “muito european like”, comenta hoje o fundador. Que também assume que apesar do desgaste que causa, este processo “educa a medir o valor do investimento”.
“Em Portugal temos algum medo de expormos o que somos e a nossa ideia”
A outra aprendizagem do processo é sobre rejeição, sobre o medo do “não” ou de sermos copiados. “Em Portugal temos algum medo de expormos o que somos e a nossa ideia. A primeira reação é a de que vão copiar o que estamos a fazer – se é assim tão fácil o que estamos a fazer, é melhor mudarmos. Temos medo de uma rejeição, temos de ter uma cultura de aceitar, é formativo e educacional”.
Diz o CEO e fundador do mais recente unicórnio português que passou quatro meses na Europa em apresentações a investidores sem conseguir um “sim”. “Quando comecei, estávamos muito fechados a pensar no ecossistema de financiamento em Portugal e na Europa. Porque sempre pensámos, e era um preconceito que eu tinha, que é um preconceito de pensar pequeno, que se na Europa não conseguirmos investimento, de certeza que nos Estados Unidos também não”.
A história que hoje conhecemos prova que estava errado – e por isso também o pode partilhar. Sem respostas positivas na Europa, a Sword Health abordou um dos investidores de topo de Silicon Valley, a Khosla Ventures, através de um e-mail em que a empresa se apresentava. Quatro semanas depois, estavam a assinar um acordo que mudaria a vida da empresa.
Ao lado de Virgílio Bento, no palco do Convento de São Francisco, Carolina Amorim fez as perguntas que outros como ela, ou em etapas potencialmente anteriores à que a empresa que fundou está, gostariam de fazer – mesmo que as respostas possam ter sido uma surpresa para muitos.
A derradeira questão foi uma das clássicas quando se partilham lições de vida. Que conselho dar àqueles que ouviam na plateia, o mesmo é dizer que conselho dar a si próprio uns anos antes.
“Se querem criar algo vosso, façam-no com um propósito muito vincado. Não porque é algo que parece divertido para ser feito. Se a motivação inicial não for imensa, não vão ser capazes de passar por estas montanhas russas todas. Um exemplo disso é que a Sword Health começou com quatro fundadores e passado um ano e meio tinha dois fundadores. No fim correu bem ou está a correr bem, mas nunca é fácil e se há crítica que faço aos media internacionais e portugueses é que nós falamos demasiado sobre o sucesso dos unicórnios e não falamos suficientemente dos problemas quer das empresas que têm sucesso quer das que falham”.
É o que diz o homem, num tom simultaneamente coloquial e sério, que a missão da Sword Health é “acabar com a dor no mundo” e que conseguiu que as pessoas prestem atenção e acreditem.
(*)Sword nasceu como um acrónimo de Stroke Wearable Operative Rehabilitation Devices. “Quando comecei a desenvolver este projeto era focado em pacientes com AVC que precisavam de reabilitação motora. Depois, o foco mudou para as patologias músculo-esqueléticas e, eventualmente, regressaremos à ideia inicial”, explicou em entrevista ao Expresso o fundador.
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