Quais os maiores desafios e oportunidades que a mobilidade nos traz nomeadamente no espaço do planeamento das cidades?

João Gomes - Assistimos a uma mudança de paradigma a nível da mobilidade urbana. Esta alteração na forma como pensamos a mobilidade de pessoas e bens, e em particular a mobilidade no espaço citadino, deriva do contínuo aumento populacional das cidades e da dimensão que estas têm adquirido desde a viragem do século XX, agravando-se a pressão imposta pelo acesso e consumo de recursos no espaço “cidade”, nos quais se inserem obviamente os meios de mobilidade.

Neste sentido, a mobilidade em grandes centros urbanos tem como principal desafio gerir a mobilidade de um grande número de pessoas de/para a cidade em movimentos de comutação periódicos, como garantir a própria mobilidade e vivência dentro do espaço da cidade.

De que forma é que a tecnologia e a gestão de informação dão resposta a estes desafios?

O principal desafio será garantir que estes movimentos de massas dentro do espaço citadino são sustentáveis, e a sustentabilidade da mobilidade urbana é o grande desafio dos quais derivam outros mais particulares. Quando referimos sustentabilidade da mobilidade urbana, será necessário considerar a sustentabilidade em termos da utilização dos recursos físicos (como infraestrutura ferroviária de superfície e subterrânea, rodovia e espaço aéreo), recursos humanos para gestão do tráfego de forma inteligente, recursos de informação e gestão da rede, mas principalmente recursos energéticos e o impacto ambiental que estes geram na qualidade de vida das cidades.

Desafios secundários derivam desta procura obrigatória de uma gestão inteligente de recursos, como seja a introdução de novos formatos de mobilidade urbana partilhada (car-sharing) recorrendo a veículos elétricos, a restrição de mobilidade a veículos com elevado coeficiente de impacto ambiental (ruído e emissões), como também a expansão das redes de transporte público a zonas extra urbanas/interface com zonas de intercâmbio de mobilidade para sistemas de comutação de e para dentro do espaço cidade.

Como é que a angariação e análise de dados podem ajudar nestes desafios?

Um dos principais desafios para a gestão de diversas tecnologias e formatos de mobilidade que irão compor as megacidades do futuro prende-se com a gestão de informação e da própria rede. Será necessário desenvolver plataformas integradoras de informação que permitam a gestão de cada nódulo da rede de mobilidade, sendo que no limite será pedido à plataforma global a capacidade de gestão da mobilidade individual de cada utilizador da rede, transformando estas plataformas multifuncionais em gestores de informação, gestores de serviços interoperáveis e que garantam a coabitação da mobilidade de pessoas e recursos em processos otimizados.

A tecnologia está a "empurrar" a forma como as cidades são desenhadas?

O conceito de cidade irá evoluir para espaços que possam acomodar mais pessoas em espaços mais limitados e restritos, mas em que a mobilidade de pessoas e bens será necessariamente mais rápida e eficiente, obrigando a redesenhar as vias de comunicação e transporte dos meios urbanos.

Neste ponto importa referir que o driver tecnológico tem sido o desenvolvimento de plataformas de gestão de tráfego, que na última década têm evoluído para plataformas e software individualizado que já permite a gestão e acesso a condições de mobilidade otimizadas.

O sucesso de plataformas de gestão da mobilidade, coadjuvada pela digitalização das plataformas de gestão dos transportes públicos, a expansão da mobilidade partilhada, e a introdução em massa da mobilidade elétrica rodoviária ditará a forma como as cidades serão desenhadas no futuro. O conceito de “Hub” de interconexão para transporte de pessoas e bens será necessariamente expandido de forma a gerir mais eficazmente todos os processos de comutação de/para a cidade, e paralelamente a cidade terá que acomodar nódulos de interface mais pequenos entre diferentes tipologias de transporte dentro da cidade, por exemplo será necessário conceber espaços distribuídos de forma lógica em diferentes pontos onde se possa aceder a veículos partilhados (Car Sharing), cuja interface seja também compatibilizada com outras formas de transporte (público ou partilhado).

Que mudanças iremos sentir em resultado da massificação do 5G, nomeadamente no que respeita à circulação de veículos?

A massificação da tecnologia 5G permitirá desenvolver a completa digitalização das plataformas de transporte, nas quais se inserem todos os veículos rodoviários e ferroviários. A integração de diferentes tipologias de veículos em rede, a partilha contínua e em tempo real de dados ao nível do status da viagem e transporte, e a sua interconexão com outros veículos permitirá otimizar a comutação e mobilidade dentro dos espaços da cidade.

Na prática, a implementação do 5G permitirá a digitalização de toda a rede de mobilidade de uma megacidade, e transformará todos os veículos e plataformas de transporte em periféricos de um sistema global de gestão de mobilidade.

Veículos autónomos, intercomunicação de redes de transporte, máquinas que decidem pelos humanos a circulação nas cidades: há muitas expectativas e muitos receios. Qual a sua visão nesta revolução em curso?

A introdução de veículos autónomos e a massificação da digitalização das plataformas de comunicação, e a inevitável interconexão e trocas de informação dentro dos espaços da cidade, constituirá uma considerável alteração de paradigma a nível da mobilidade. Esta evolução é sustentada pela convicção que a evolução dos sistemas de mobilidade, sejam veículos autónomos sejam plataformas inteligentes de gestão de mobilidade, irão proporcionar uma considerável melhoria na qualidade de vida das populações das cidades, seja através de uma utilização mais eficiente de recursos seja pela melhoria da mobilidade e qualidade ambiental nas cidades.

A entrega da gestão das plataformas de gestão da mobilidade (e/ou da infraestrutura da cidade) e tecnologias de mobilidade como os veículos autónomos a autómatos com capacidade de efetuar autoaprendizagem (machine learning através de algoritmos evolutivos) torna-se inevitável de forma a viabilizar toda a rede de mobilidade e gestão das megacidades no futuro.

E os receios, como os avalia?

O desconforto presente nasce de um vazio regulativo e legal na evolução tecnológica, que muitas vezes se dá por saltos ou mudanças drásticas (veja-se o caso Uber como exemplo).

As dúvidas surgem em grande parte pela falha em comunicar aos utilizadores que a tecnologia constituirá necessariamente uma melhoria da qualidade de vida das populações e uma gestão mais eficiente de recursos. Adicionalmente, será também necessário garantir que as plataformas assegurem sempre controlo da componente humana sobre a componente artificial através de contramedidas (fail safes) construídas na própria estrutura das tecnologias desenvolvidas (por imposição regulatória e legal) e uma garantia de total controlo pelo utilizador na submissão de informação privada.